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Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 18/09/2023

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #124: Gard Nilssen’s Supersonic Orchestra

Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 18/09/2023

Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.


[Gard Nilssen’s Supersonic Orchestra] Family (We Jazz Records)

“A família não é definida pelos nossos genes, é construída e mantida através do amor e do cuidado”, escreve Chad Taylor nas notas de capa de Family, a estreia da Supersonic Orchestra de Gard Nilssen na We Jazz Records. Sun Ra tinha crenças semelhantes e orientou a sua Arkestra como um patriarca pode orientar uma família, através do exemplo e com noções muito rigorosas de disciplina.

Em 1956, Ra dirigiu a Arkestra numa série de sessões nos estúdios da RCA, Chicago, que eventualmente seriam reunidas no álbum Super-Sonic Jazz, o seu segundo registo como líder e o título inaugural do catálogo da El Saturn. Um big-bang de proporções cósmicas cujos efeitos ainda se sentem hoje. Family, pode argumentar-se, é um novo corpo celeste resultante dessa primordial explosão. 

A Supersonic Orchestra congrega 7 saxofones, 2 trombones, 2 trompetes, 3 contrabaixos e outras tantas baterias – 17 criativos músicos que representam o melhor do jazz escandinavo do presente (e mais além!) e que aqui tocam peças arranjadas pelo próprio Gard Nilssen e também por André Roligheten, saxofonista tenor que ainda se faz ouvir em saxofone barítono e clarinete baixo. Curiosamente, ou talvez não, as notas indicam que todos os músicos tocaram igualmente percussões – James Brown costumava dizer que todos os músicos nos seus dilatados ensembles tocavam bateria, facto completamente independente do instrumento que cada um pudesse carregar para cima do palco.

Em Family esse ímpeto poli-rítmico é constante e dominante. Esta é música de vibração plena que se move para a frente, em permanente e intensa demanda pelo que ainda não se conhece. E percebe-se que isso é algo que inspira os músicos desta “família”, tão capazes de afirmarem vozes individuais quanto de desaparecerem no magma colectivo, fundindo-se num maravilhoso e enérgico caos organizado. “Boogie Stop Tøffel” é disso ilustrativo exemplo, um celebratório tema comunal que tem tanta liberdade quanto funk dentro e que acomoda nos seus gloriosos 7 minutos e 14 segundos um longo solo de contrabaixo com tanta força que parece capaz de, sem mais nenhuma ajuda adicional, fazer tremer a terra.

Com uma arquitectura instrumental tão singular — sem instrumentos harmónicos, por um lado, e com três bateristas e três contrabaixistas, por outro, uma opção em parte inspirada pela descoberta recente de Gard Nilssen da música que a Big Band de Kenny Clarke e Francy Bolland gravou para a MPS em finais dos anos 60 e inícios dos anos 70 do século passado —, esta é uma banda que precisa de responder a desafios muito particulares, mas que também por isso investe em estratégias de construção harmónica capazes de libertar os diferentes solistas para voos mais inventivos. Em “Supersonic” isso sente-se claramente: a peça é inicialmente exposta pelos diferentes sopros em modo de fanfarra festiva, até que uma pulsante e insistente linha de contrabaixo empurra o grupo para os confins da tonalidade, sem que a música assim conjurada alguma vez perca de vista o seu “norte”, seguindo a direito com uma energia tão contagiante que é difícil escutar esta peça sentado. A espaços escutam-se ao nível da ebulição rítmica subtis ecos da agremiação pós-punk Pigbag, que em 1982 lançou o extraordinário “Dr Heckle And Mr Jive” na Y Records. Mas esta é música que remetendo para outras experiências de fusão (no sentido que a palavra possui no âmbito da física nuclear…) colectiva, como as que no passado foram conduzidas por Fletcher Henderson, Count Basie ou, entre tantos outros, Chris McGregor, recolhe a sua original essência no presente, nas dinâmicas interpessoais que ajudam a explicar a tocante alegria que se desprende de peças como “SP68”, um autêntico festival de micro-explosões sónicas que se resolvem numa imparável força colectiva que ao fim de sete minutos nos obriga a voltar ao início e a repetir a experiência.

Pudemos todos e todas presenciar isso mesmo na espectacular apresentação desta Supersonic Orchestra na noite de encerramento da última edição do festival Jazz em Agosto. Com o disco nas mãos é possível reviver tantas vezes quanto as que se desejarem essa explosão de música viva criada por uma família de espíritos (des)alinhados.

Gard Nilssen’s Supersonic Orchestra no Jazz em Agosto’23: da natureza dos dias claros

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