pub

Fotografia: Sara Horta e Diogo Horta para a World Academy
Publicado a: 14/09/2021

Que venham as dores de crescimento.

NOSSA LISBOA’21 – Dia 2: a pluralidade de ideias e uma cidade a assumir as suas diferentes culturas

Fotografia: Sara Horta e Diogo Horta para a World Academy
Publicado a: 14/09/2021

Desde que cheguei em Lisboa, passei a conviver com uma enorme diversidade cultural com a qual nunca tinha contactado antes. Uma das coisas que mais me chocou foi como todas elas dividem todos os espaços, independente de onde seja. Lisboa é a cidade onde as culturas do mundo se encontram.

Como passei a viver aqui pouco antes da pandemia começar, ainda não tinha conseguido participar em nada que reunisse todas as culturas num lugar só. O festival NOSSA LISBOA tem exactamente essa proposta. Foram montados três palcos (distribuídos no interior e no exterior do Altice Arena), mas o foco mesmo estava nas múltiplas raízes que se apresentaram por lá. 

Mesmo com as inúmeras restrições devido ao COVID-19, era nítida a vontade de todos para aproveitarem, cantarem juntos, dançarem e celebrarem. Como em todos os festivais, nem sempre conseguimos assistir a tudo e temos que escolher aquilo que faz mais sentido para o momento. Por isso, comecei pelo concerto da luso-brasileira Blacci. O palco exterior não poderia ter combinado melhor com a vibe da artista. A cantora narra seu próprio quotidiano com uma mensagem positiva, o que cai bem diante do momento difícil e intenso que muitos de nós enfrentámos nos últimos tempos.

Logo depois, fui conferir o show de Nancy Vieira com a participação de Fred Martins. Sem dúvida, um dos meus favoritos da noite: a combinação dos ritmos de Cabo Verde com a bossa nova brasileira soa maravilhosamente bem, original e muito muito bem sintonizado entre os dois. 

Em seguida, fui para a Sala Tejo, mais intimista, para apreciar o espectáculo de Selma Uamusse. A artista canta profissionalmente desde a adolescência e seu apreço pelas suas origens é muito claro. Normalmente, são estes os músicos que mais gosto, pois permitem conhecer suas raízes por meios menos óbvios — e ela faz isso muito bem. Nas suas músicas conseguimos identificar ritmos moçambicanos e letras em línguas nativas, com a utilização de instrumentos tradicionais como timbila e mbira, combinando tudo com electrónica e com outras referências que espelham as suas diversas influências. O palco foi pequeno para o imenso talento de Selma. 

Por falar em talento, também deu para assistir a maior parte do concerto de Nelson Freitas. Confesso que não o conhecia muito bem, mas, logo que o espetáculo começou, ficou claro porque é tão amado. A vontade é dançar durante todo o show. Nelson consegue unir o zouk cabo-verdiano e o r&b de forma majestosa, abraçando a diversidade de estilos musicais de Cabo Verde e juntando-a à energia de outros géneros musicais. Mesmo com o esforço da organização, ficou difícil conter a empolgação de quem assistia. Muitas pessoas acabaram por tirar a máscara para beber e para se refrescar do calor enquanto dançavam. E dançaram muito! Já estava com saudades de ver tanta gente feliz e a divertir-se num espectáculo — daquelas surpresas boas que aquecem o coração. O único porém é que não pude curtir o finalzinho, pois coincidia com o início da passagem de Valete pelo NOSSA LISBOA.

A Sala Tejo, novamente, ficou pequena para a destreza presente. O rapper português de origem santomense deixou claro porque é um dos maiores no género em território português, não escondendo a sua devoção pela cultura com a combinação dos elementos do hip hop no palco ao longo do show, como o breakdance e alguns vídeos de grafitti, por exemplo. Hoje em dia, com a ascensão do rap, é muito comum que os outros componentes da cultura fiquem de lado, mas não é este o caso e isso deixou-me bastante emocionada ali. Outra coisa que não pude deixar de notar foram as inúmeras referências progressistas de Valete. Não vi medo ou meias palavras para citar revolucionários que lutavam pela classe trabalhadora, não vi esvaziamento da cultura hip hop, não vi pautas sociais sendo abordadas de forma rasa ou sem embasamento. Vi os fundamentos todos serem respeitados e muito bem construídos ao longo de uma hora de um show contagiante. A sala ficou lotada do início ao fim com um público que sabia bem o porquê de estar ali. 

Infelizmente, não consegui acompanhar a actuação de Ana Moura, que vinha logo após o de Valete, mas no Palco Arena, porque precisei de, tal como o meu colega João Mineiro no primeiro dia do festival, aliar os meus horários aos dos transportes públicos. 

No entanto, este é o meu registo de que a minha primeira impressão sobre a pluralidade cultural de Lisboa estava mesmo certa. Em poucas situações conseguiria imaginar tanta diversidade de pessoas, sons e vivências dividindo um espaço de forma tão harmoniosa e entusiasmada. A construção da nossa Lisboa passa por inúmeros contextos sociais e culturais e, em todos eles, a música se faz presente: como marca, como elo, como protesto, como ocupação de espaços e como forma de contar as histórias que contribuem para que a cidade se torne mais nossa. 

pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos