Pontos-de-Vista

Maria Bentes

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O olhar de uma nova voz da geração para os mestres.

No Princípio Era o Verso por Silly

Já fazia algum tempo desde a última vez que me tinha sentado numa sala para assistir a um concerto. O último mesmo foi o espectáculo do Tristany no São Luiz, por isso foi quase comovente sentir-me dentro do Capitólio naquela ansiedade saudável, desejando que as luzes baixassem e os pratos do Sickonce começassem a soar. Também conhecido como Gijoe, o DJ e produtor algarvio assumiu não só esses pratos durante todo o concerto, como também a direcção musical desta brilhante produção do Rui Miguel Abreu. Em palco juntaram-se a ele Léo Vrillaud nas teclas e João Frade no acordeão, dupla que nos ia embalando para aquela que seria a entrada do primeiro nome da noite, NERVE, que abriu e fechou o ciclo do concerto que fez vibrar as paredes do Capitólio na noite da passada sexta-feira.

Sobre aqueles que subiram a palco, aqui vão alguns apontamentos soltos:

NERVE constrói um universo muito próprio e detalhado com as palavras que se vão amontoando compassos fora. Um verdadeiro lírico que já me fez ir ao dicionário mais vezes do que provavelmente seria expectável. 

– Sobre o spoken word do Perigo Público ainda há em mim palavras por digerir duma actuação que cortou a respiração a quem esteve presente. Foi um enorme grito de urgência e uma entrega a que não assistia de perto há muito tempo. 

– O Maze fez-se acompanhar dessa arte de rimar e assegurou que o sotaque do Porto também ia ecoar na sala. Antes de abandonar o palco, declamou um poema lindíssimo que desdobrou duma folha de papel que trazia no bolso.

– Para o Chullage faltam-me as palavras, não só por admirar a poesia que lhe corre nas veias, mas pela verdade que carrega quando rima. Torna-se quase escultor numa escrita sensível e visual, quase cinematográfica, que nos envolve do início ao fim.

– A AMAURA, exímia como sempre, representou o feminino em palco (e bem!), ela que entoa as palavras duma forma melódica e quente que casaram perfeitamente com o acordeão de João Frade e as teclas de Léo Vrillaud.

No final, e para surpresa de todos (creio!), uma espécie de cypher encerrava o espectáculo, com um refrão cantado por AMAURA enquanto os quatro MCs iam, um a um, ritmando as palavras que tinham escrito horas antes nos seus camarins.

Não me restou qualquer dúvida de que a palavra vive a sua melhor vida no hip hop e perdurará dessa forma anos fora. Foi uma noite bonita, uma ode à palavra e à língua portuguesa, que me fez sair do Capitólio com a vontade de meter a caneta na ponta dos dedos.


* Fotografias de Camille Leon.

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