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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 18/11/2023

Source of Denial soa ainda mais frenético ao vivo.

Nihiloxica no Vale Perdido: sintetizadores como jarda sobre batidas vincadas

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 18/11/2023

Depois de FUJI||||||||||TA, na noite de 15 de Novembro, ainda havia mais uma proposta irrecusável por parte do Vale Perdido, que engendrou o regresso de Nihiloxica a Lisboa, desta vez com o projecto bem mais amadurecido e na ressaca do lançamento do seu álbum mais bem conseguido até à data. Source of Denial é um disco bem musculado, assente nos habituais ritmos do Uganda, mas desta vez com bastantes gotas de ácido a mais, perfazendo uma sopa daquelas capazes de fazer as delícias de qualquer rave que pretenda surpreender com uma sonoridade mais arrojada e que fuja às normas do que se faz apenas com recurso às ferramentas habituais no seio da electrónica. Foi por isso que ontem, dia 17 do mesmo mês, nos deslocámos até ao 8 Marvila para os ver em acção e sentir como funciona este seu mais recente alinhamento ao vivo, já a prever uma valente descarga de batidas, graves e sintetizadores, daquelas que desalinham o “Tico” do “Teco”.

Chegados ao espaço que, na década de 90, serviu de palco a festas de dança clandestinas, é impossível não sentir a mística natural do edifício, tão propícia para este tipo de eventos. Estava a DJ Patrícia Brito a distribuir as últimas malhas do seu set e uma sala bastante longe da lotação ideal, abrindo vaga a um olhar mais aprofundado sobre o local. A banda que junta dois ingleses a três ugandeses fez-nos esperar um pouco depois da hora marcada para o encontro, num atraso que bateu quase nos 20 minutos. Mas mal surgiram os primeiros vislumbres dos músicos a colocarem-se no palco que estava atrás da DJ, a massa humana, que até então andava bastante dispersa, começou a reunir-se mais próxima da zona de acção, visivelmente sedenta por um tipo de cadências mais electrizantes que promovessem a efusividade ao nível dos movimentos corporais.

Dito e feito. Foi só as peles dos vários instrumentos de percussão começarem a reverberar e o caos instalou-se de imediato entre os presentes. Uns mais contidos, outros mais exuberantes, mas a verdade é que todos, à sua maneira, tinham a ginga necessária dentro de si para dançar num arranque que se fez à boleia de “Kudistro”, tema no qual o grupo presta uma homenagem ao kuduro, género musical angolano que se encontra profundamente entranhado na cultura portuguesa e ao qual seriam feitas mais algumas aproximações ao longo de uma performance bastante focada em Source of Denial. Numa mescla que incluiu quase sempre elementos de techno, glitch e ritmos tribais, a paleta sonora de Nihiloxica é ampla e pisca constantemente o olho a outros domínios, desde o trance ao grime e passando até pelo heavy metal — é impossível escutar os sintetizadores a rasgar na faixa-título no mais recente disco deste conjunto e não pensar nos pesados riffs de guitarra associados ao rock mais rijo e corpulento.

E foi precisamente pelo poder dos synths que a actuação mais pontos ganhou. É verdade que os tambores são o core de Nihilóxica, mas é na mistura com uma certa componente melódica que o som deste quinteto ganha uma estrutura mais aliciante. Pete “pq” Jones foi o maquinista de serviço e aquele que parece ser o ponto de referência para todos os outros, ele que se dividiu entre um teclado e o que parecia ser um conjunto de pads e processadores de efeitos, disparando muitas das ondas estilo serrote que elevavam os níveis de distorção na música e de loucura por entre a plateia. Jacob “Spooky-J” Maskell-Key também ficou encarregue de alguns detalhes melódicos através de uns pads que tinha no seu kit de bateria, mas ficou-se essencialmente nos ritmos que dão a base a cada um dos temas. Henry “Isa” Isabirye, Henry “Prince” Kasoma e Jamiru “Jally” Mwanje estiveram ao leme dos diferentes tambores tradicionais do Uganda que, a jogar em cadências distintas, atribuem um outro balanço ao som da banda. Quando estes cinco elementos decidiram abandonar o palco após a última música, ainda se escutaram pedidos de “só mais uma”, mas o backstage era mesmo o destino dos artistas, dando espaço para que se iniciassem os preparos para o acto que seguiria.

A ideia foi boa, mas talvez ganhasse maior relevância ter tido as Batucadeiras das Olaias a tocarem antes de Nihiloxica em prol do crescendo ao nível dos decibéis. A sala do 8 Marvila ficou ainda mais despida de público quando terminou o concerto dos cabeças-de-cartaz da noite, mas, por outro lado, os poucos que resistiram parece que ficaram ainda mais próximos do que antes. Exposto em semi-círculo, este conjunto lisboeta apresentou vários ritmos e cantares tradicionais de Cabo Verde e conseguiu cativar todos os presentes, visivelmente agradados por terem a oportunidade de assistir a um pedaço de cultura tão ancestral por parte de um dos povos com os quais o nosso país mantém maior intimidade. Foi tudo junto e misturado, com brancos e negros a não se sentirem inibidos para entrar na meia-roda e bailar em comunhão ao som do batuku. Tão junto e misturado ao ponto de até quase todos os membros de Nihiloxica se terem juntado à festa e dançado bem na fila da frente, aplaudindo as Batucadeiras com entusiasmo e deixando-nos a pensar: Quando é que vamos ter produtores a pegar nestes colectivos que mantêm a chama da tradição acesa para modernizar e recontextualizar os seus sons para algo que possa ser concebido como música de massas?

O baterista de Nihiloxica, Jacob, foi o único que não avistámos ao longo da performance das Batucadeiras das Olaias e à saída percebemos o porquê. Era ele quem estava delegado pela banca de merchandise do grupo, onde existiam camisolas, t-shirts, CDs e vinis. Depois de deitarmos mão a um LP de Source of Denial, ainda trocámos algumas algumas impressões com o músico inglês, agradecendo-lhe a entrevista que nos tinha concedido em jeito de antecipação para este concerto e ficando a saber que já estavam mesmo na recta final da sua digressão, que dura há já 7 semanas e tinha hoje como paragem a cidade de Paris.


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