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Fotografia: Marta Pina
Publicado a: 22/05/2020

Novas músicas, novas sensações e novas nuances.

Nídia: “Vou continuar a desafiar-me e a desafiar quem me ouve”

Fotografia: Marta Pina
Publicado a: 22/05/2020

Nídia voltou, mas não é a mesma Nídia de sempre. Não é Minaj há pelo menos três anos, altura em largou um apelido nunca seu para vestir, orgulhosamente, um talento que não lhe puderam tirar; não é a Nídia de Nídia é Má, Nídia é Fudida, com explosões rítmicas contagiantes e incontíveis; não é a Nídia que esperávamos depois de uma colaboração mediática com Fever Ray, remisturas de Elza Soares, e um consequente reconhecimento internacional. É a Nídia, Sukulbembe, certo, da Príncipe Discos, com uma carga e um peso mais difíceis de catalogar, qualificar e quantificar.

Não Fales Nela Que A Mentes e Badjuda Sukulbembe não são alheios ao percurso da produtora da Margem Sul de Lisboa, que desde os 18 anos tem agitado o universo da electrónica com ascendentes africanos. Há traços da sua produção que se mantêm incólumes, desde o uso de cadências menos óbvias, desafios à repetição dentro dos padrões criados, e um uso muito particular das vozes, que pairam entre a harmonia e o ritmo nas suas batidas. É, contudo, no que não ouvíamos, e como não a ouvíamos, que Nídia abana o tabuleiro de um jogo cujas regras foram definidas só por si.

Aos 23 anos, três primaveras volvidas desde o seu regresso de França para Portugal, a produtora apresenta um conjunto de 10 faixas (+2) que fazem pelas expectativas geradas aquilo que os seus ritmos sempre fizeram pelos corpos: usar o imprevisível como tónica, com um sem-número de declinações dos seus lugares comuns a serem problematizados, questionados e transformados em possibilidades. Em entrevista ao Rimas e Batidas, a produtora adianta que “estas músicas reflectem-se mais na amizade. Foram feitas quando eu voltei para Portugal”. Uma data que impactou de forma indelével Nídia, que mudou o foco das suas batidas confrontacionais para um mood que a própria descreve como “chill”. “Foi um bocadinho isso, aquela emoção de estar com as minhas amigas e amigos de novo, de voltar a ver família. Isso influenciou o álbum.”



Onde havia explosão, batucada e expressões essencialmente físicas, com sobreposições rítmicas, inorgânicas, mas naturais, a ditar o movimento corporal, há agora um conjunto de sons mais emocionais, com melodias de texturas brilhantes (como se ouve nos sintetizadores de “Raps” ou “Capacidades”, com elementos melódicos particularmente wet), ou progressões de geografias novas na sua música (“Popo” leva-nos para além de África e Europa). Esta nova densidade, emocional, mental e sónica, com as músicas trabalhadas profundamente em cada elemento audível, clinicamente acrescentados (algo que a faixa de encerramento, “Emotions”, ilustra de maneira incólume ao sabor de cada nova camada revelada), revela uma transparência nova em Nídia. Melhor: revela que nunca a sua capacidade de se expressar em música esteve tão refinada. “Eu sempre tive dificuldade em explicar a maneira como eu construo os sons. Isto tudo foi uma cena que saiu, aconteceu. A maioria dos sons é um resultado dos meus sentimentos”, adianta. Nós ouvimo-lo.

O álbum, vincado de forma particular num tempo específico da vida de Nídia, vive desse inesperado, de algo que nem nunca a produtora nos permitiu ver, nem nos pratos. Em entrevista ao jornal Público, em 2017, admitia que a sua música, a música do gueto, era frontal, era energia em estado puro. Agora, o modus operandi mudou:  “Eu queria reinventar a minha maneira de produzir, então estava sempre à procura. Queria uma cena mais chill e juntar mais elementos que as pessoas não têm o hábito de ouvir.”

Sobre as expectativas geradas pelos anos volvidos entre Nídia é Má… e este novo LP, a produtora é contundente: “defendo a teoria que eu vou fazer as minhas coisas. Se o público gostar, ok, se não gostar, posso esforçar-me um pouco mais. Mas se não aderirem, eu continuo a fazer a minha cena. São meras opiniões e meros gostos”. Ou seja, o caminho da produtora só dela depende. Este é o jogo dela, de que temos o prazer — a sorte, até — de poder fazer parte. “Uma vez que trabalhamos com outros artistas, ou quando subimos de patamar e colaboramos com alguém mais conceituado, se calhar há essa ideia de que há uma influência mútua. Há sempre aquela questão de ‘o que é que a Nídia vai trazer’, ‘qual será o filtering da Nídia neste álbum?’”, conta-nos. Mas facilmente resolver: “Não gosto de ter essa carga do ‘agora que fiz um som com a Fever Ray vou ter de estar a influenciar-me com as obras dela’.”

Que não restem dúvidas: o segundo longa-duração de Nídia é um marco. Um sem número de novas possibilidades vindas de uma das mais prolíficas produtoras a surgir na incubadora de ritmos que é a Príncipe Discos. O que esperar para depois? Por agora, pouco interessa. Sabemos que Nídia não brinca em serviço — “vou continuar a desafiar-me e a desafiar quem me ouve” —  e sabemos que poucos são obstáculos que afectam a sua determinação. “Eu imponho-me. Eu sei impor quem eu sou, de onde venho. Quando uma pessoa impõe algo, fica difícil outra pessoa chegar e desmoronar isso”. A força física foi convertida em robustez mental. Ouça-se no disco e, o que mais importa reter, dê-se a Nídia o que é da Nídia.


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