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Fotografia: Sebas Ferreira
Publicado a: 05/05/2022

Rejuvenescer a solo.

New Max: “O Phalasolo é um disco psicadélico. Deu-me liberdade”

Fotografia: Sebas Ferreira
Publicado a: 05/05/2022

Em 2009, os Expensive Soul estavam a dar outras cores à cena hip hop nacional e, debaixo do braço, carregavam já um par de discos e singles dignos do tempo de antena que as rádios e as televisões dedicavam aos mais jovens. A dupla não tinha ainda sequer atingido o seu pico, mas canções como “Eu Não Sei“, “Falas Disso” ou “13 Mulheres” já davam óptimos indícios daquilo que, em 2010, Utopia e o seu “O Amor É Mágico” iriam ser capazes de fazer.

A vida de New Max era cada vez mais agitada mas, mesmo assim, foi sempre capaz de imaginar outras estéticas que pudessem funcionar fora do grupo que assume juntamente com Demo. Só não havia tempo para muito mais. No dia 1 de Janeiro de 2009, Tiago Novo inaugurava um website para promover — e oferecer, via download directo — o seu primeiro álbum Phalasolo, apresentando-o depois ao vivo num par de ocasiões e posteriormente guardado numa “gaveta” que o músico e cantor de Leça da Palmeira resolveu remexer logo no início deste ano.

Após vários anos perdido na Internet, o LP estreou-se nas plataformas de streaming em Janeiro com a promessa de mais dois concertos que voltam a ter New Max como centro de todas as atenções, com alguns dos músicos que fizeram parte da formação original, vários convidados de peso e uma dose extra de talento jovem — o primeiro acontece no Capitólio, em Lisboa, já este sábado, dia 7; o segundo será no Porto, no Hard Club, a 13 de Maio.

Durante uma vinda à capital, para promover a reactivação da sua carreira a solo, o Rimas e Batidas sentou-se à conversa com o artista para uma retrospectiva em torno de uma obra com mais de 13 anos e que, apesar de se ter eclipsado cedo, não deixou de habitar nas nossas memórias.



Já tens uma grande história e que todos nós conhecemos enquanto metade dos Expensive Soul mas, sendo este um projecto a solo, faz sentido irmos ainda mais atrás no tempo. Como é que se dá a tua ligação com a música?

Vem de casa, mesmo. O meu pai também é músico. É a segunda profissão dele. Tocou durante 25 anos no Casino de Espinho. É baixista. A minha mãe é cantora de fado, mais em festas de família. O meu irmão é músico, também. Tive sempre aquela coisa em casa, desde pequenino, do vinil, das festas de família em que toda a gente cantava… Acho que vem daí e começa aí. Tinha eu 9 anos e, um dia, o meu irmão chegou a casa com uma cassete dos greatest hits dos Queen, isto em ’89/’90. Eu colei naquilo. Nunca tinha tido essa “banda de referência” e colei naquilo. Pedi ao meu irmão para me ensinar aquilo. A primeira coisa que comecei a tocar foi o baixo da “Bohemian Rahpsody”. Ele tocava no piano e eu acompanhava-o com o baixo. Essa foi a minha introdução à música, na perspectiva de tocar. Chego aos 11 anos e também já cantava fado, umas coisas que ia aprendendo com a minha mãe. Sempre uma coisa muito familiar. Mal os meus pais acharam que eu já estava numa idade, assim [mais crescido], puseram-me numa escola particular que, depois, dava acesso ao Conservatório. Ao meu segundo ano nessa escola, fiz a admissão ao Conservatório e fui seleccionado. Na altura foi impressionante, porque ainda eram cento e tal candidados para quatro vagas. E fui admitido em guitarra! Eu nem tocava muito naquela altura, mas, pela idade que tinha, hoje entendo isso, entrei à frente de gajos que estavam a tocar muito melhor. Eu era miúdo e eles, normalmente, dão preferência aos mais novos — há mais margem de progressão. Essa foi a minha primeira experiência mais séria dentro da música. Ao mesmo tempo, comecei a ter bandas de garagem. A minha primeira banda rock foi a imitar Queen, Guns N’ Roses, Nirvana… Aquela fase normal [risos]. Mais tarde, tive uma outra banda, os Buzz. Era uma coisa mais séria, já com originais. Na altura fizemos bastantes concertos. O mais mítico foi antes dos Violent Femmes — fizemos a primeira parte deles numa Queima das Fitas, no Porto; foi uma cena inacreditável. Logo a seguir, a banda acaba. Isto em ’98, talvez. É nesse ano em que eu estou na escola com o Demo – naquela altura, ainda era o Tó [risos]. Entretanto surge aquele programa, o Submarino, na Antena 3, com o José Mariño. Ele lança o desafio para quem quisesse enviar a sua maquete e o tema era o “Dia da Luta Contra as Drogas” — tinhas de escrever sobre isso. O Demo estava a escrever as primeiras letras e sabia que eu estava ligado à parte da música. Não tinha ligação ao hip hop, ainda. E ele perguntou-me, “‘bora fazer uma cena para este concurso?” E eu, “vamos fazer, claro!” Nessa idade, vai-se a todas [risos]. Fizemos essa música e o Demo deu o nome Expensive Soul à cena — porque tinha de ter um nome. Fomos seleccionados e fomos lá apresentá-lo pela primeira vez. Mas eu fui só ajudá-lo. Eu fiz o beat e gravei em casa. Mas fui lá, fazer as segundas vozes com ele. A cena correu bem e, a partir daí, conhecemos o Xeg, os Micro — malta da altura que também tinha concorrido. De repente, percebemos que estamos no meio do núcleo puro e cru do hip hop tuga. Não estava ali toda a gente, mas já era uma boa parte.

Nós começámos por ser fãs de Da Weasel, tanto eu como o Demo. Depois, Gabriel o Pensador. Uma coisa sucessiva. Vi muitos concertos dos Da Weasel, lá à frente a curtir [risos]. Foram a nossa inspiração. Depois, há outra coisa: a Kika Santos é minha prima, casada com o meu primo directo, o Miguel Guia; eles vieram para Lisboa, mais o meu irmão, para fazer um disco chamado Ouro Azul. Para mim, esse é o primeiro disco de r&b português. Eu assisti a essa produção e gravação. Veio dai a minha inspiração para fazer coisas para mim e para o Tó. A Kika, depois, convidou-nos para fazer as primeiras partes dela na Twix Tour. Foram sete ou oito concertos a nível nacional, uma cena incrível, do Hard Club ao Kadoc. Foi espectacular para nós, porque foi uma novidade. E éramos só os dois, com um Minidic. Mas era uma cena r&b que não havia. Sentimos que, de início, a malta do hip hop já nos punha um bocadinho de lado, por ser cantado. Sabes aquela cena?

“Isso não é real!” [risos]

Ya. “Isso não é hip hop! É cantado!” [risos] Não fomos muito bem aceites, mas bastaram poucos anos até que as coisas mudassem um bocadinho. Não muito tempo depois, já tínhamos as pessoas todas a cantar a nossa música. É normal, no início, teres aquele pessoal mais purista… Mas é mesmo assim: o cantar esteve sempre presente, por causa da minha mãe. De repente, Expensive começa a crescer… Eu também tinha andado a fazer muita coisa para a Matarroa. Aqueles primeiros 10 ou 15 discos — do Fidbek ao Xeg; de Matozoo ao Bezegol — são todos de malta que passou pela minha casa, em Leça da Palmeira. Cheguei a uma altura em que tinha tanta música… Foi entre 2007 e 2008, que eu me apercebi de que podia fazer qualquer cena paralela, diferente, em que posso ir buscar os convidados que eu gosto, como o Samuel [Mira], o Regula ou o Carlão. [Este trabalho a solo] surgiu por necessidade. E, como deves de imaginar, já passaram mais de 10 anos e eu, hoje, estou novamente com uma quantidade de músicas que tenho de dar a conhecer. Não serão todas, claro. Terei de fazer um apanhado. Mas tenho umas 300 ou 400 ideias e alguma vão ter de ver a luz do dia. Seja através de Expensive ou para outro projecto. Até porque, já durante a pandemia, passei uma temporada no Alentejo, durante a qual fui inspirado por outras coisas. Tive outras experiências, outras paisagens. Nestes últimos dois anos vi-me a compor muito mais só com guitarra e voz. Cheguei a gravar algumas dessas experiências mesmo no Alentejo, com um gravador de fita. Fiz questão de nem levar o computador. Só usei mesmo esse 16 pistas, da Fostex. Eu e mais dois amigos, a tocarmos cenas num registo muito mais livre. Sairam daí coisas muito giras, numa onde completamente diferente. Soa mais a Alentejo, a Fausto… Já são cenas muito diferentes.

Tu falas-me em algumas referências ao nível nacional, mas, para chegares ao som que tens no Phalasolo, há uma distância muito grande que tiveste de percorrer — da Kika Santos até, sei lá, à era da Motown. Lembraste de quando é que te começaste a relacionar com a música negra dos EUA?

Eu comecei ao contrário. Comecei pelo D’Angelo. Quando o Voodoo saiu, eu estava no meu auge do meu consumo musical. Foi o meu primo Miguel quem me apareceu à frente com esse disco. Acho que as primeiras vezes que o escutei, não o compreendi. Só mais tarde, um ano ou dois. Depois havia o Dr. Dre, o Xzibit, o Eminem… Consumia essa malta toda. Ao mesmo tempo, o Bilal, Maxwell, Raphael Saadiq e esse pessoal da nu-soul. Só mais tarde, depois deste disco, em 2009, é que comecei a ir para trás, para ir descobrir coisas mais antigas. Daí o Utopia [terceiro disco de Expensive Soul, que saiu em 2010] não só tem mais samples como o próprio som do disco assemelha-se mais a essa cultura mais antiga. O som do B.I. e do Alma Cara era muito mais clean.

Apesar de te considerares cantor, eu sempre notei que, na parte da escrita, recorres a um tipo de fraseados que são mais típicos do MCing. É um tipo de canto que vemos com mais frequência nos dias que correm mas que, até uma dada altura, era uma imagem de marca muito tua.

Isso é porque nós, no início de Expensive, crescemos a imitar o que vinha da América. Éramos nós a tentar fazer as coisas mas em português. É por isso que eu gostava muito de Da Weasel, porque já traziam toda essa componente cantada para dentro do hip hop. Eles já trabalhavam no formato de canção. À excepção deles, lembro-me do Sam… O Kilu! Achava-o genial porque já mexia mais com essa parte da soul. O resto era tudo muito “arcaico”, por assim dizer. Nós queríamos ir pela cena americana. Tentávamos as mesmas métricas. Não dávamos tanta importância à letra. Era uma construção mais musical dentro daquilo que é o rap. Em termos de conteúdo, não é aquela cena do “deixa-me contar-te aqui a minha história de vida”. Não é que nós não façamos isso, fazemo-lo é de uma forma mais simples.

O Phalasolo sai, tu dás uns dois espectáculos e a coisa, logo na altura, pareceu ter acabado ali.

Abafou completamente.

Excesso de trabalho em Expensive Soul?

Era mesmo o excesso de trabalho. Aconteceu que, basicamente, tinha o mesmo manager. E quando tu vês uma coisa que pende para ali, tu vais… Eu senti isso. E concordei. O que é que eu podia ter feito? Podia ter feito, mas não tinha mãos a medir. A verdade é essa. Saiu o Utopia e, logo no ano a seguir, temos o Symphonic Experience, que foi um ano de trabalho. Ninguém sabe disso, mas esse concerto foi-nos proposto com um ano de antecedência. Ou seja, todos os arranjos foram feitos durante esse tempo. Não de forma diária, mas mensal. Metade dos arranjos foram feitos por mim, a outra metade pelo maestro Rui Massena. Eu não estava habituado. Passei pelo Conservatório e tinha a formação, mas não tinha a prática. Tive trabalho a triplicar [risos]. Tive de aprender o Sibelius, aquele programa de escrita musical. Ao mesmo tempo, estávamos com 60 concertos ao ano. 2010, 2011 e 2012 foram os anos em que mais tocámos. Não houve mãos a medir. Todos os dias surgiam novidades. Chegas a uma altura em que… O Phalasolo? Ninguém conhecia. As pessoas queriam era Expensive.

Tu acabas por ser um caso pioneiro na democratização do acesso à música em Portugal, porque lanças um álbum de forma gratuita para a Internet numa altura em que o CD ainda era a forma mais viável de comercialização.

Nessa altura a coisa estava a virar ao contrário. Hoje em dia tu tens o streaming, mas naquela altura eu dei-o por download. Deixou de se vender discos e nós também nunca vendemos muitos discos. Percebi, na altura, que o caminho ia mudar. “Para que é que eu vou estar aqui a gastar dinheiro para lançar um CD, se amanhã está no eMule?” [risos] Vou criar uma plataforma e vou oferecer o disco às pessoas. Foi uma novidade, na altura. Toda a gente podia fazer o download. Eu acho que todos os músicos se aperceberam dessa fase em que as coisas estavam a mudar. O problema era só dar o primeiro passo [risos].

Eu lembro-me de, naquela altura, nunca ter conseguido encontrar grandes resultados com o Google: o que é que significa Phalasolo?

“Phala” é hindi, e significa “fruto de muito trabalho”. A ideia não é minha, veio da minha cunhada, que é professora de História e de Português. Na altura falei-lhe de lançar o disco e que gostava de ter um título com uma cena diferente. Ela conseguiu ir mais longe, ir a outros sítios, e surgiu com esta proposta, Phalasolo. Sou eu a falar, sozinho. E é também um símbolo daquilo que o disco foi, fruto de muito trabalho. Foram muitas horas de estúdio. Tal como para qualquer um dos de Expensive Soul. Há muita insistência. Um gajo nunca está satisfeito.

A capa também sempre a achei muito curiosa, aquela fusão de som com plantas.

Aquilo é um vaso que ainda tenho lá em casa, tirou-se umas fotos. Isto foi tudo feito por amigos. Quem me fez a capa foi o Ricardo Chemega e, naquela altura, ele era o “gajo das capas” do hip hop português. Fez tudo o que era Matarroa, por exemplo. Neste momento está a trabalhar com o Futebol Clube do Porto. Agora fez-me, também, o design para as edições em vinil do Phalasolo. Vai ser uma edição de 500 exemplares, para lançar pela altura dos concertos.



Tu estavas a contar-me sobre teres chegado a uma altura em que estavas com muita música tua guardada e que foi isso que resultou nos temas que compilaste para o Phalasolo. Sabes qual é a música mais antiga deste disco? Tens ideia de quando é que foi feita?

A música mais antiga será, para aí, de 2005. Estão ali várias etapas da minha vida. Essa fase foi muito engraçada. Estava eu com 24 anos e tinha em minha casa o Virgul, que é de Lisboa, o Dino [D’Santiago], que é do Algarve… Havia ali uma comunidade muito forte. Eu fazia música para eles e eles participavam nas minhas cenas. Há uma fase para isso. Hoje em dia falamos muitas vezes mas cada um no seu sítio. Nessa altura estávamos todos ligados.

Mas tinhas faixas que estavam finalizadas desde essa altura? Ou eram tudo ideias em bruto e só as terminaste já quando tiveste a certeza de que iam todas para a um álbum?

Eram ideias. Foi do tipo, “eu quero esta para o disco, mas falta-me acabar a letras”. Coisas assim. Algumas era só instrumentais, outras eram melodias que tinha gravadas num Edirol. Umas não tinham letra nenhuma, outras já tinha refrão mas não tinha os versos. Eram excertos que se foram fazendo.

E a produção é toda tua, não é?

100%.

Tiveste foi alguns músicos a ajudarem-te com a instrumentação.

Primeiro, fiz as bases todas do disco. Muitas coisas ficaram, para outras convidei alguns músicos para me ajudarem a trabalhar nelas.

Quando me falas em fazer as bases, recorrias a samples? Ou tocavas tu próprio os instrumentos?

As duas coisas.

E quando os músicos entram em cena, deste-lhes alguma liberdade para compor por cima das tuas ideias?

Podia ter uma malha de baixo, em que a melodia principal já lá estava. Mas o baixista que eu convido, por ser muito bom, conseguia elevar o que eu já tinha feito. Mas há músicas que ainda ficaram com o meu baixo lá, só lhes acrescentei as partes fixes do outro baixista. Se já estava fixe, não valia a pena mexer. Há músicas que ficaram com o meu baixo. A mesma coisa com os teclados — 80 ou 90% são do meu irmão, mas há lá coisas minhas que ficaram. As guitarras têm a mão do Bruno Macedo — ele tem um papel fundamental — mas há algumas coisas que ficaram das minhas ideias originais. É um híbrido. Mas eles elevaram o disco, sem dúvida. O disco só é o que é porque eles estão lá.

E como é que tu chegaste a esses músicos todos? Até porque alguma dessa malta já estava envolvida em outros projectos. O Bruno Macedo, por exemplo, fazia parte de Blind Zero.

O Bruno Macedo ainda toca com Blind Zero, mas também com Zen e Pedro Abrunhosa. O Ginho fazia parte da banda de Expensive Soul e de Os Azeitonas. O meu irmão entrou porque fazia sentido. Foi muito assim, através de malta que eu conhecia e com quem já trabalhava. Já estávamos ligados. Não foi do tipo, “não te conheço, mas ‘bora”. E não que eu não fosse capaz de o fazer. Hoje em dia, se calhar, até fazia mais sentido. Naquela altura, havia essa comunidade. Eram amigos que se ajudavam uns aos outros.

Ao nível dos convidados de voz, tiveste uma pontaria muito certeira. O disco sai numa fase em que o hip hop em Portugal está mais tremido, e praticamente toda essa malta que participou no Phalasolo se tem mantido super relevante até ao dias de hoje. Disseste-me que o Virgul era uma presença mais assídua em tua casa a dada altura. Havia esse tal background. E os outros, como é que acabaram participar no teu álbum?

Também passaram lá por casa. O Sam aparecia aí muitas vezes. Eu tenho vídeos incríveis! Volta e meia, um gajo descobre isso. Tenho cenas muito fixes dele e do já falecido GQ. Também lá teve o NBC para gravar um disco dele. O Xeg… Lembro-me do Xeg vir gravar na garagem dos meus pais e ele trazia o Regula só para o acompanhar. O Regula já rimava, mas naqueles dias foi só para fazer companhia. Era uma coisa muito orgânica e que só aconteceu porque teve de acontecer.

Devido ao teu historial em Expensive Soul — e a juntar a todo esse leque de convidados que reuniste — este álbum vive muito associado à cultura hip hop. No entanto, a nível sonoro, ele parece viver muito mais de mãos dadas com o funk e com a soul de contornos mais clássicos. Como é que tu defines o Phalasolo?

Eu só começo a descobrir essas coisas mais antigas em 2008, mesmo quando já estava a fazer o disco. Tens o exemplo do tema em que entra a Marta Ren, que tem aquele breakbeat. Antes de 2008 eu não ouvia aquele tipo de coisas. Portanto, estava a consumir e a reciclar aquilo ao mesmo tempo. Essa até deve de ser a música mais funk do álbum. O resto, vejo mais como soul, r&b e hip hop. É essa a linguagem. O funk, mesmo, vem a seguir. A minha cena com o funk vem depois. Aliás, eu gravei e produzi o disco todo da Marta, o Stop, Look, Listen. Esse sim, é um disco de funk. Gravado à séria, com fita. E esse álbum teve repercussões mundiais. Nesse ano, ela fez mais de 100 concertos lá fora.

No entanto, são estéticas que não estavas a explorar tanto em Expensive Soul. As bases vêm do mesmo lado — hip hop e música negra — mas deixas de estar “amarrado” àquela cadência do beat. Tens mais liberdade para cantar. Diria que, acima de tudo, é um projecto mais psicadélico.

É isso. Um disco psicadélico. Tal e qual. Aqui já tenho solos — às vezes, vários solos na mesma música. Em Expensive Soul há um espaço que é ocupado pelo Demo e eu, aqui, não o tenho. Deu-me liberdade. Em Expensive, para aí 80% do nosso material são canções. Têm o meu verso cantado, o refrão cantado e o rap do Tó. Ou então aparece o rap do Tó no início e só depois as minhas partes. Há uma estrutura muito específica.

Sentes que, ao nível das letras, também acabaste por ir dar a outro sítios? Tu começas com a “Fumo”, mas dali para a frente tens temas mais fracturantes e interventivos. Tens a “América Eléctrica”, a “O Que É Nacional É Bom”…

Ya. Também a “Marcha”, que fala da cena da natureza, de estarmos a destruir o planeta. A “América Eléctrica”, passados estes anos todos, como é que ainda faz sentido? Ainda para mais agora, em que existe uma ameaça nuclear. Mas o disco deu para que eu abordasse outras coisas. Fui a outros sítios. Mesmo o “Politica-mente”, que fala do quão difícil é ser-se músico em Portugal. E eu não me posso queixar porque, felizmente, a música sempre me deu tudo o que eu tenho. Eu não nasci rico, os meus pais não são ricos, mas também nunca vivi mal. Tive de lutar pelas cenas e o caminho não foi fácil. Ainda hoje não é fácil. Em Expensive, talvez seja mais fácil. Mas com o Phalasolo, continuo a sentir barreiras. Ainda agora, estou a tentar voltar a fazer promoção e a malta, “Phalasolo? O que é isso? Expensive Soul conheço…”

E o que é que te levou a recuperar esse trabalho, agora em 2022?

A pandemia fez-me pensar. Durante estes anos todos, havia malta que, esporadiacamente, me dizia “epá, o teu disco a solo… Eu gosto de Expensive. Mas aquele disco…”

Tu próprio, ao longo do tempo, foste pensando nele?

Lembro-me dele. Mas sabias que nunca mais o ouvi? Não quis mexer ali. Se o escutasse, sei que ia sentir aquele “porque é que não dei continuidade?” Pus aquilo numa “gaveta”. Sabia a importância que o disco teve, porque as pessoas foram-mo dizendo. Há muita gente que não gosta de Expensive e que gostava do meu disco a solo. Ouvi isto muitas vezes. Sabia que, um dia, tinha de voltar a mexer nele. Durante estes dois anos, fiz a minha reflexão. Concertos? Não haviam. Nós estamos com 23 anos de carreira. Celebrámos os 20 anos no Altice e, até aí, foram sempre anos consistentes. De repente, como aconteceu a toda a gente, tens dois anos em que não se passa nada. Não estava habituado a isso. Ainda esta noite fiquei num hotel, e estava a dizer à minha namorada, que é cantora tanto em Phalasolo como em Expensive: “Fogo. Eu já não ficava num hotel há muito tempo, quando isso era o meu dia-a-dia e a minha rotina”. Quando a coisa mudou, abalou-me um bocadinho, claro, emocionalmente. Senti a necessidade de fazer outras coisas, de ter outra coisa paralela. Expensive é muito fixe, espectacular e tem essa força toda. Mas eu tenho a necessidade de ter mais coisas. Precisava de ter esta liberdade. Até porque a estrutura de Expensive é muito grande. Nós somos 20 e tal pessoas, cada vez que saímos para ir fazer qualquer coisa. Há uma responsabilidade muito grande. Às vezes, até para marcar um ensaio é um filme do caraças, em termos de logística. Mando uma mensagem para o grupo, para marcar um ensaio, há sempre um ou outro que, “não posso ir”. É um grande filme. Por isso, é fixe ter uma banda mais pequenina, ainda por cima com malta que ouviu isto em miúdos. O Ricardo, baterista, tem 26 ou 27 anos. O Pedro tem 30. Eles ouviram este disco quando eram putos. Eu tenho uma foto com o baixista, de quando ele era puto, num concerto de Phalasolo.

Mudaste algumas peças.

O baterista não é o mesmo. Mas mesmo esse baterista, que fez os primeiros concertos de Phalasolo, não tocou no disco. O baixista também não é o mesmo. O anterior tinha participado no disco, mas não está na banda agora. Também muda o teclista. O guitarrista e o percussionista são os mesmos. A Marta também não faz parte. São músicos que seguiram as suas carreiras.

Vai ser a AMAURA a fazer as partes da Marta Ren na “Politica-mente”?

Não não. Com ela vou fazer outra cena. Ela vem para cantar a “Pagas um Mundo”. Não a conhecia — conheço o trabalho dela, claro — e mandei-lhe uma mensagem no Instagram. Ela disse, “essa é a minha música favorita! Tu não imaginas aquilo que ela me diz”. Ela quis fazer parte. Perfeito.

E agora, com o disco novamente na Internet, o que é que tens ouvido por parte das pessoas? Sentes que também alcançaste ouvintes novos?

‘Tá a acontecer agora, com pessoas que não sabiam que eu tinha lançado este disco em 2009. Na altura, nem toda a gente apanhou. Depois o link acabou por expirar. Houve alguém que ainda o meteu no YouTube. Ele esteve sempre lá, mas era muito difícil de lá chegares.

Regressam o disco e os concertos em torno dele. Isto também és tu a lançar o aviso de que vamos ter mais coisas do New Max daqui em diante?

Sim. Mesmo neste concerto já vou tocar um tema novo, que está feito há uns anos e que fazia sentido para o universo de Phalasolo. O concerto do Hard Club, o último, é a dia 13. Logo a seguir, vou para estúdio, para acabar o tema. Já existe a ideia toda do tema, feita por mim. Agora vou ter de ir buscar músicos aqui e ali para acrescentar e elevar a cena. Faz-me sentido assim. Antes eu gostava de fazer tudo. Hoje gosto de ter mais inputs.


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