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Publicado a: 16/06/2018

NERVE ao vivo no Lux: a tragédia no máximo

Publicado a: 16/06/2018

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Sebastião Santana

Do Maria Matos ao Lux Frágil, a viagem começou na minúcia e inclinação vanguardista dos Telectu e terminou no rap idiossincrático de NERVE, que apresentava pela primeira vez em Lisboa o seu novo EP. Com 35 anos de diferença, AUTO-SABOTAGEM e o segundo disco de Vítor Rua e Jorge Lima Barreto são obras com óbvias diferenças estéticas que encontram paralelismos na exploração do pormenor e dos sons menos óbvios. Uma noite “diferente”, portanto.

O trabalho mais solitário de Tiago Gonçalves encontrou, ao vivo e em disco, o conforto na companhia de Mestre André / Notwan, um dos artistas que tem estado ao lado do MC e produtor desde o início do seu percurso discográfico. A disparar instrumentais esquizóides — não se poderia pedir melhor ponte depois do que vimos no Maria Matos — ou a usar (e abusar) do saxofone, Mestre André é, provavelmente, a única pessoa no mundo que deveria partilhar com regularidade o palco com o Sacana Nervoso. Se não conhecem, confiram a sua página oficial, se fizerem favor.

 



Ver um concerto de NERVE não é tão desconfortável como assistir a algumas das performances de Andy Kaufman (visionário norte-americano que é referenciado em “Subtítulo), nem tem que ser, obviamente, mas no contexto actual é um bálsamo para quem tem de lidar com fenómenos meteóricos que são catapultados para um palco sem sequer compreenderem (ou se preocuparem, vá, com) o que lá podem fazer em cima. Ainda sobre o desconforto: num momento em que a hashtag #MeToo mete em sentido o sexo masculino, “Simone” é um acto de bravura. Sim, é sobre a gata de NERVE, mas aquele pequeno silêncio depois de interpretar a faixa não deixa de ser sintomático dos tempos em que vivemos. É um exercício soberbo de escrita que não deixa ninguém indiferente.

Uma semana depois do NOS Primavera Sound 2018, não deixa de ser notória a capacidade de artistas nacionais superarem, por larga margem, a nata internacional. No Porto, A$AP Rocky, que não é um “novato”, apresentou um espectáculo tão pobre, resumindo tudo a versos pré-gravados (que não conseguiu acompanhar), muito espalhafato cénico e doses curtas de canções para mini-explosões de histerismo adolescente que significam pouco. Um sorriso bonito não resolve tudo. Nem tudo foi mau: Vince Staples, que deu um dos melhores concertos do evento, e Tyler, The Creator souberam ambos lidar com o contexto festivaleiro em que estavam inseridos sem ainda assim facilitarem na entrega da sua arte.

 



Apesar de AUTO-SABOTAGEM ser a principal razão para estarmos ali, NERVE não descurou, no entanto, a oportunidade de tocar temas de ‘Trabalho & Conhaque’ ou ‘A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua Confiança’, Água do Bongo e outros extras como o acapella de “Às Vezes”, canção de Slow J, “Funeral”, altura em que Mike El Nite subiu a palco para ajudar o seu parceiro de rimas a “sobreviver” nos destroços deixados pelo dilacerante beat de Dwarf, ou a grande novidade da noite: a estreia de uma faixa produzida por Stereossauro e que irá integrar o alinhamento do próximo disco do membro dos Beatbombers.

Repescando algo que se costuma utilizar com Lil B, é importante proteger Tiago Gonçalves. Não só escreve como poucos, como apresenta argumentos a nível de entrega que metem em sentido qualquer MC malabarista. E admitamos: dá-nos um certo gozo ouvir referências a Carlos Paredes, Kaufman ou Nietzsche…

A tragicomédia de NERVE resulta do confronto com a realidade: os “putos estúpidos d’hoje que, pelos vistos, são quem agora suporta firmas” fizeram tanto barulho que inventaram espaço para que artistas como NERVE possam, “se lhes der na telha”, trabalhar “só nas quintas, como um campónio”. NERVE faz “música que dói”, “música que mói ouvintes, “música morta”, “música comercial”, “música para ler com olhos de ouvir”, “música para quando escolhes só rir do teu aparente final inevitável e, de barriga vazia, recorres ao vinho”. E faz “música danada”, mas não é para nada. Para já, serve como exemplo de excelência no papel, no estúdio e no palco. No futuro, a sua poesia será estudada ao lado de outros de grandes escribas portugueses. Esperamos nós.

 


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