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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/11/2020

A viver A Vida dos Felizes.

nastyfactor: “Eu faço beats como se estivesse a jogar PlayStation ou computador”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/11/2020

Três anos depois de editar Adrenalina – o primeiro projecto a solo de nastyfactor –, o artista de Mem Martins apresenta agora A Vida dos Felizes, o seu álbum de estreia, inteiramente produzido pelo próprio, e com participações de Mike Find Mind, Haze, Domi, Prizko e AJ.

O polivalente dos GROGNation aventurou-se em onze faixas, entre as quais “nunca mais“, “tão bem” e “cinzento”, os ditos singles, e “mania” e “caminha” (com AJ) a serem reveladas na semana do lançamento do disco. O sonho começa assim a tornar-se realidade na vida do rapper e produtor, onde a felicidade mora ora nas rimas, ora nas batidas.



Este ano tens estado bastante activo, entre singles, participações, produções, e o EP com os GROGNation e o Sam The Kid. Em que altura começaste a gravar este álbum?

Eu quis começar a fazer um álbum e comecei a fazer várias demos, e o primeiro som que ficou acabado foi em Setembro ou Outubro de 2018, se não me engano. Tanto que quando fui para Londres e fiz lá um freestyle, o Gregz foi o principal impulsionador de eu ter feito um som lá, porque estava a picar-me para fazermos um vídeo lá, e ele no avião estava a perguntar-me se eu não tinha sons. E eu até tinha, mas achava que nenhum deles se enquadrava na cena que queríamos fazer em Londres, porque já tinha dois ou três sons do álbum.

E quando é que o terminaste? Qual foi a última faixa a ser fechada?

O último som que acabei de gravar foi o “quem sabe”, com o Domi, e foi há duas ou três semanas. O Domi vive no Algarve, e fomos gravando, tivemos várias sessões, e foi a última cena que ficou por acabar.

Por falar nessa faixa, o verso do Domi captou-me a atenção. Como surgiu essa colaboração? Já tinham trabalhado juntos?

Normalmente as participações que faço a solo, faço com amigos, pessoal mais próximo, e gosto sempre de fazer isso. Mas também sentia a necessidade de fazer participações com outro pessoal fora do meu círculo de amigos. Eu já conheço o Domi há algum tempo, de nos cruzarmos na estrada. Ele também costuma trabalhar com o Charlie[Beats], que é aqui de Sintra, e inevitavelmente fomos acabando por nos cruzar com amigos em comum. E sempre houve uma química fixe, ele tem boa vibe, e sempre nos demos bem. Então, como também sentia a cena dele, convidei-o. Ele curtiu, aceitou e ainda estivemos algum tempo a trocar mensagens e ideias, por isso, do som em si, só lhe mandei uma ideia uns três ou quatro meses depois de ter feito o convite. A cena até começou com umas teclas do Mike Find Mind, que é o único som com co-produção e não totalmente produzido por mim, e como foi dos últimos a ser fechado, eu sentia a minha parte e a do Domi, mas o resultado final é sempre diferente. Então, também fiquei um pouco surpreendido.

É uma colaboração improvável mas que casa bem.

Fixe, ainda bem. Porque isso é um bocado o objectivo. Este é o meu segundo trabalho, e por acaso até fiz um som com o Prizko, mas…

Podias ter chamado o Bispo ou a malta da GROG…

Sim, sim, exacto! O Prizko foi um bocado inevitável chamá-lo, porque houve uma altura, no ano passado, que nós estávamos a ir para o estúdio todos os dias, como se fossemos mesmo quase família. Íamos de manhãzinha e saímos à noite, mesmo a levar tupperwares para comer lá no estúdio [risos], mas sem nada propriamente para fazer. Íamos para lá, ouvíamos uns beats. Tenho imensas demos com o Prizko, por isso era inevitável começarmos a fazer qualquer coisa juntos. E das várias cenas que fizemos, este som com o Prizko foi o que entrou. Mas era o que te estava a dizer: tenho muita gente que era um bocado óbvio que pudesse chamar, e ter o Domi é fixe, porque acho que é uma cena que as pessoas não estavam à espera. Essa também é a ideia.

Pegando nessa participação com o Prizko, na faixa “vila”, neste tema vocês exploram um registo inesperado, tendo em conta tudo o que têm feito até agora, numa linha a fazer lembrar, por exemplo, os INSTINTO26. Como foi o processo desta faixa: surgiu primeiro o instrumental e deixaram-se levar naturalmente, ou procuraram ir de encontro a esta sonoridade?

Não, não. Praticamente todos os meus sons começam pelo beat. Já disse isto imensas vezes: eu faço beats como se estivesse a jogar PlayStation ou computador. Eu vou fazer beats para passar o tempo, para me entreter, e alguns puxam mais do que outros. E esse, por acaso, quando o fiz, fiquei um bocado na brincadeira a cantar umas cenas (até acho que foi o refrão), e o Prizko estava lá e colou-se logo ao som. Surgiu, ou seja, não fomos à procura dessa sonoridade, foi surgindo. Como sou produtor, e ainda por cima oiço muita coisa do UK, gosto de explorar vários campos do beatmaking; faço várias cenas, às vezes só por diversão, como por exemplo o “Aperto”, que lancei em Agosto, também é um bocado diferente daquilo que eu costumo fazer, e foi do mesmo género: fiz o beat, comecei meio a brincar e de repente surgiu um som. E com o Prizko, o som até era para ser outro, que não era assim tão “tropical”, digamos [risos]. Mas decidimos fazer este.

Já disseste que, por norma, é pelo beat que começas uma faixa. Mas neste álbum em particular, dado que te expões em vários temas, não aconteceu o processo de teres uma ideia que te levou a fazer um instrumental numa certa linha, para depois a explorares mais a fundo na letra?

Isso raramente acontece. Não te consigo precisar se neste álbum fiz isso, mas às vezes acontece, principalmente a conduzir. Tenho imensas ideias a conduzir, trocadilhos na cabeça ou boas ideias. Ou até mesmo a ver um filme. Mas não é que vá fazer um beat para essa ideia, porque, por experiência, nem sempre me corre bem fazer isso. Sinto sempre que é um bocado forçado. Mas sim, às vezes acontece ter uma ideia ou outra, uma palavrinha, que dá o mote.

Recentemente, no episódio com o Nameless do podcast 3 Pancadas da TV Chelas, o Sir Scratch dizia (parafraseando) que os teus beats são diferentes mas com identidade. Como é que desenvolveste, ao longo dos tempos, o teu estilo de produção mais fora da caixa? Mesmo em beats drill ou trap parece que dás uma volta menos óbvia à coisa.

Acho que basicamente é por falta de competência [risos]. Porque, muitas das vezes, as voltas que eu dou é por não conseguir fazer o que quero fazer, ou ter que resolver um problema qualquer do beat. Mas obviamente que também tento pôr um cunho diferente do que se faz, só não acordo a pensar que tenho de fazer uma cena diferente, inventar a roda, até porque não estou a fazê-lo. E também como oiço cenas diferentes – gosto de música electrónica, rock, grime –, tento misturar um bocadinho disto e daquilo, e fazer a diferença. É uma coisa que se vai fazendo aos poucos.

Depois de vários anos de rap, o que te levou a lançar o teu primeiro álbum a solo agora?

Eu já tinha sons a solo e participações, e até entrei numa mixtape do Pofo, mas, depois, foi só GROG. Estive desde 2011 até agora – porque continua a ser – só com a GROG. Esse tinha sido o meu foco. Mas chega a uma altura em que já estás a trabalhar num projecto há tanto tempo que já sabes qual é mais ou menos a linha, o que podes ou não fazer em grupo. Porque às vezes tens ideias que não se enquadram no grupo. E se quiser explorar outra estética, posso meter o meu cunho, ainda para mais se for eu a produzir, como já aconteceu; os beats podem soar um bocadinho a nasty. Mas nunca poderei fazer a sonoridade que faço sozinho, porque a GROG é um conjunto de cinco pessoas. Com essa ideia é que começam a surgir os sons a solo mais recentes e o EP. Senti essa necessidade, que tinha coisas para dizer.

Depois do Adrenalina chega A Vida dos Felizes, ambos com o pequeno António nas respectivas capas. Essa infância representa “a vida dos felizes”, ou o título tem outro significado?

“A vida dos felizes” é uma private cá em casa, principalmente com a minha mãe, porque comecei a fazer sons com 14 anos – na fotografia da capa do A Vida dos Felizes era mais novo, mas já fazia beatbox e essas coisas –, e, entretanto, depois de começar com a GROG ainda no secundário, o único sítio onde trabalhei sem ser na minha música foi num estúdio de música. Ou seja, isto sempre foi a minha vida, e sempre tive liberdade de horários. Então, “a vida dos felizes” acaba por ser isso: eu não quero fazer outra coisa da minha vida; é isto que eu quero fazer, e custa-me fazer outra cena que não isto. Não tenho paciência sequer. Eu estou a viver “a vida dos felizes”, a viver o meu sonho, a ir atrás do meu sonho, com as coisas boas e más que isso tem (porque não são só coisas boas). Também tens os pontos negativos de ter uma vida assim.

Não cai o salário certinho ao fim do mês…

Exactamente… E as inseguranças. Chegas a um ponto que pensas: “Será que o que estou a fazer faz sentido? Será que não devia ter uma vida normal? Será que não devia ir trabalhar para algum lado?”. Tens essas inseguranças também. Estás a trabalhar com uma coisa que precisa da aprovação das outras pessoas, basicamente.

A cena da criança nos dois projectos tem a ver com o facto de eu gostar das coisas do passado, daí estar também a fazer vídeos com VHS, de ouvir e usar cenas mais antigas. Sempre gostei de cenas assim. E este em específico é basicamente: para continuares a sonhar não podes deixar morrer a criança dentro de ti. E se já em criança tinha este sonho, e se continuou, acho que faz todo o sentido mostrar isso. É mesmo isso: não deixares morrer o teu sonho.

Até falas disso logo na primeira faixa, a “estratega”.

Exactamente. E felizmente, hoje em dia, para a minha família, já toda a gente percebeu que é isto que eu quero fazer, e já me respeitam nesse sentido. Mas qualquer pessoa que queira viver de uma vertente artística tem sempre essa questão com os pais – perceberem que isto não é propriamente um desvaneio ou uma brincadeira.

Continuando pelas faixas do álbum, a “nunca mais”, quando saiu, parecia ter sido feita no calor do momento; que tinhas alguma coisa a dizer naquela altura. Por que razão decidiste incluí-la no disco?

Porque acaba por fazer sentido. Isso aconteceu no contexto do rap, ou seja, foi alguém a querer aproveitar-se do meu sonho e da minha “vida dos felizes”. É uma coisa que tem a ver com o meu percurso, com aquilo que eu gosto de fazer (para mim faz mais sentido porque sei o que aconteceu).

Enquanto rapper, é-te difícil expressares aquilo que sentes mantendo a estrutura de uma letra de rap?

Não te consigo explicar, porque é uma coisa natural. Há cenas que eu consigo dizer melhor a escrever até, como, por exemplo, no “cinzento” ou no “velocidade cruzeiro”. São coisas que vou pensando, que não conseguiria dizer tão facilmente num discurso livre, a falar. E ao sentar-me a escrever acaba por fazer pensar e assentar ideias. O escrever para rap é uma coisa que eu já faço há tanto tempo que até acho que, hoje, se quiser escrever um poema, já tenho dificuldade em fazer isso. É abrir a alma e deixar ir. É um bocado clichê, mas é o que é. É escrever sobre o que estou a sentir e a viver.

E o facto de te focares nos moldes, na estrutura, da escrita de rap não influencia o que queres, efectivamente, dizer?

Sim, exactamente. Às vezes tens que dizer por outras palavras aquilo que querias mesmo dizer. Mas isso é um compromisso que tens com todas as letras. E às vezes, mesmo que seja um som de barras, podes ter uma punchline na cabeça que não é uma rima. Tens de dar uma volta maior. Com sentimentos é um bocado mais complexo, porque se quiseres ser fiel ao que estás a sentir, é mais difícil. É por isso que, pelo menos para mim – não sei se é óbvio para as pessoas –, os sons em que exprimo mais os meus sentimentos são os mais imperfeitos. Por exemplo, o “cinzento”, na gravação e na mistura, tem erros, está sujo. E tenho a noção que se o fizesse, podia ficar melhor no sentido estético, mas há coisas que fazes na altura, que não vale a pena mexer naquilo. Preocupo-me mais não só com o que estou a dizer, mas também com o ambiente que o instrumental transmite.

Para terminar, estás a planear alguma apresentação, talvez mais intimista, para assinalar esta estreia num álbum a solo?

Por acaso não estou a pensar nisso. Pode acontecer, pode haver essa oportunidade, mas não estou a pensar nisso, sinceramente.


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