LP / CD / Digital

Nas

King's Disease II

Mass Appeal / 2021

Texto de Paulo Pena

Publicado a: 06/09/2021

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Há uma sombra que paira sobre Nas desde 1994, ano em que, com apenas 20 primaveras somadas, se apresentou ao hip hop norte-americano em plena era dourada — a germinar a par de nomes igualmente icónicos como Tupac Shakur, Notorious B.I.G., JAY-Z ou Wu-Tang Clan, e a ser um dos grandes responsáveis (senão o maior) pela revalidação do rap nova-iorquino, que vinha a ser abafado pela sonoridade trazida por Dr. Dre e companhia a partir da Costa Oeste dos EUA —, com o seu primeiro álbum de estúdio: o incomparável Illmatic, considerado por muitos o melhor álbum da história do hip hop. Coisa pouca para um miúdo de Queensbridge que acabara de editar o primeiro disco da carreira, produzido por alguns dos melhores de Nova Iorque, artesãos de batidas como Large Professor, DJ Premier, Pete Rock ou Q-Tip.

Passaram-se 27 anos e foram editados mais 12 discos até chegarmos a King’s Disease II, o décimo quarto álbum de estúdio de Nas — o volume inaugural valeu-lhe o primeiro GRAMMY da sua carreira (talvez o menos merecedor do galardão nesse ano frente a concorrentes como Freddie Gibbs e The Alchemist com Alfredo, Jay Electronica com A Written Testimony, Royce 5’9″ com The Allegory e D Smoke com Black Habits). 

Nas é sinónimo de rap. Tão simples quanto isso. E é precisamente a partir desse ponto assente e irrefutavelmente dado como adquirido que a lente que disseca o trabalho de Nasir não tem nem pode ter a mesma graduação daquelas que ampliam os detalhes impressos por tantos outros dos seus homólogos. Assim, das duas, uma: podemos olhar para Nas sob o “véu da ignorância” e considerar King’s Disease II um álbum de rap bastante satisfatório, ou podemos ceder ao tal exercício cruel e anti-artístico de comparação e concluir que aquele que outrora definiu os parâmetros e a fasquia do rap está, agora, longe (não só em anos) dessa marca traçada pelo próprio. 



O mesmo se pode dizer acerca de Kanye West, por exemplo, que volta ao centro da discussão por estes dias — a uma escala bem diferente, é certo: a repetição das próprias fórmulas, esvaziadas e gastas, é uma característica comum a ambos os artistas, duas das maiores figuras da história do hip hop que vêm impondo a sua presença no topo que clamam (ainda) pertencer-lhes, sem, no entanto, se reinventarem (o que não implica necessariamente uma mudança radical) e sempre toldados pela sombra daquilo que foram e representaram, da relevância e do impacto que tiveram no curso do rap.

Desta forma, King’s Disease II não deixa de ser um projecto bem conseguido, apesar de tudo. A produção de Hit-Boy — ele que também dá cartas no jogo do MCing e que em “Composure” dominou as rimas e batidas numa das melhores canções do álbum — tem um papel determinante nesse aspecto; é irrepreensível. O produtor californiano juntou-se a Nas para a primeira edição deste KD; contudo, ao contrário do que aconteceu nesse primeiro longa-duração que os uniu, neste o rapper não perde o fio à meada nem se desleixa em certos momentos que resultam numa oscilação entre faixas cativantes e desinteressantes. Mesmo com a quantidade e variedade de participações — o que não jogou a seu favor da primeira vez —, o LP segue a uma velocidade cruzeiro e Nas mantém um certo registo, mais assertivo e menos relaxado, ao falar sobre o seu percurso e a sua história.

A certa altura, a sequência de “Moments” e “Nobody”, com Ms. Lauryn Hill, chega a relembrar vagamente por que razão a cultura hip hop viu em Nas um líder absoluto. Porém, por maior que tenha sido a sua conquista, não há rei que reine de glórias passadas que não caia do trono. A doença do rei tem sido precisamente essa: Nas conformou-se com o seu estatuto e tem ficado aquém do mesmo, dando ares de sua graça sem ter a dedicação (ou a coragem…?) de voltar a provar todo o seu valor, quando todos sabemos do que ele é capaz. É ou foi? Fica cada vez mais difícil considerar, actualmente, Nasir um dos maiores na sua arte quando nem o próprio se digna a defender devidamente as divisas que ostenta. Talvez ele saiba, bem lá no fundo, que esse é o verdadeiro mal de que padece, um sebastianismo de quem acredita que o rei volta no próximo álbum, mas que se deixa enevoar pelo anterior. E o título da faixa que, curiosamente, encerra este disco acaba por resumir a ideia que fica não só do primeiro, mas também do segundo volume de King’s Disease: “Nas is Good”. Mas para o autor de Illmatic ser bom não chega. 


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