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Fotografia: Paulo Nogueira/Theatro Circo
Publicado a: 03/06/2022

Da importância de cuidar.

MUSA – Dia 2: dar e receber com Estrada e Pérez Cruz

Fotografia: Paulo Nogueira/Theatro Circo
Publicado a: 03/06/2022

Ontem, o cenário à porta do Theatro Circo era bastante diferente daquele que vimos com The Weather Station no dia anterior. Uma fila enorme estendia-se bem para lá da entrada da sala bracarense, primeiro sinal de que a música cantada em espanhol teria encontrado muitos seguidores em território português. A mexicana Silvana Estrada e a espanhola Sílvia Pérez Cruz eram as protagonistas da noite, duas representantes de diferentes gerações de um universo maior.

Na abertura, Silvana, “armada” com um cuatro venezuelano que usou em grande parte da actuação, mostrou-se “nervosa, mas feliz” pela primeira vez em Portugal. Marchita, o seu primeiro longa-duração, editado este ano em conjunto pela Altafonte e Glassnote, foi o motif do espectáculo, mas também existiu espaço para a “estreia mundial” de um tema que tinha feito muito recentemente (e que tocou no piano), por exemplo.

Ao vivo, a tessitura vocal não é tão limpa como nas versões de estúdio, deixando-se levar para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, sempre (no limite do bom gosto) com trejeitos e modulações (ou digamos expressividade e poder) que são maioritariamente folk, mas que também vão até aos campos do r&b e do jazz em certos momentos.

Em “Tristeza“, uma “oração à tristeza que não é triste”, garantiu-nos, e um instante em que tudo ficou mais claro e bonito, a jovem de 25 anos ensinou-nos, num misto de ingenuidade e sabedoria, que não nos devemos deixar definir por esse sentimento, quando ele aparece, e tentemos encaixá-lo no meio do resto como algo natural. Mensagem guardada.

A ligação com o público foi-se estabelecendo (saiu com ovação de pé), apesar de já existirem alguns fãs declarados da artista a fazerem-se ouvir em certas canções. Uma estreia tímida mas competente que só ficaria melhor com uma banda a ajudar a quebrar alguma monotonia e a criar espaço para a voz de Silvana Estrada marchar para onde quisesse sem ter que se preocupar com mais nada.



Quem também veio num registo mais intimista (ou seja, sozinha) foi Sílvia Pérez Cruz, que começou a capella e esteve sempre bastante conversadora, desdobrando-se em elogios a Portugal (aproveitou para informar que a sua irmã vive há muitos anos em Reguengos de Monsaraz) e aos programadores do MUSA, atirando-se às guitarras (acústica e eléctrica), fechando o ciclo Farsa (género imposible), o seu último disco, de 2020, ou mostrando algumas canções novas como “La Flor“.

Entre versões de Luiz Gonzaga ou “Estranha Forma de Vida” e o seu próprio repertório, a cantora e compositora brilhou mais intensamente quando escolheu a sua língua nativa para cantar (e principalmente quando o fez sem ter instrumentos nas mãos). Foi aí que arrepiou com o peso da sua expressão, grave, impregna na memória de quem a ouve cada emoção que expurga. Não há muitas vozes assim.

Apesar dessa carga mais séria, a cantante apresentou-se extrovertida na hora de comunicar, fazendo notar isso de forma evidente quando tentou conduzir o público para um lado mais alegre e, depois de algumas tentativas, perguntou: “estão tristes?”, lembrando, pelo menos para quem vos escreve, um certo momento de Jorge Jesus numa conferência de imprensa. E não, ninguém estava triste. Pode-se dizer que estávamos embalados na emoção, vá.

Silvana Estrada e Sílvia Pérez Cruz acabariam juntas em palco para cantarem, sem acompanhamento, “Tonada de Luna Llena“, canção do venezuelano Simón Díaz, transparecendo nesse final um entusiasmo misturado com a ansiedade própria de quem está a fazer algo pela primeira vez. Esse perigo da falha ao virar da esquina só tornou tudo mais singular e emocionante. “Vamos cuidar da cultura para que ela cuide de nós”, pediu-nos Sílvia mais cedo no seu concerto. Com noites destas fica ainda mais difícil para aqueles que quiserem se opor a isso.


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