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Fotografia: Paulo Nogueira/Theatro Circo
Publicado a: 02/06/2022

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MUSA – Dia 1: como é que devemos ouvir The Weather Station?

Fotografia: Paulo Nogueira/Theatro Circo
Publicado a: 02/06/2022

A normalização do normal pode parecer uma frase um pouco redundante, mas foi a partir desse gancho que começou esta quarta-feira, dia 1 de Junho, a edição deste ano do MUSA, “festival no feminino” que acontece no Theatro Circo, em Braga, até ao próximo domingo. A inauguração da exposição FAMÍLIA, com fotografias da autoria de Mag Rodrigues, deu o pontapé-de-saída no salão nobre da sala bracarense: composto por retratos de famílias LGBTQI+ residentes em Portugal, o projecto procura a diversificação e a representação, contrariando ideias pré-concebidas daquilo que pode e deve ser uma família comum.

Continuando no exercício de contrariar a norma, a canadiana Tamara Lindeman, mais conhecida como The Weather Station, ficou responsável por dar o primeiro concerto deste ciclo em que ela é excepção: todas as outras artistas no cartaz cantam em espanhol. Vinda de fazer a primeira parte de Sharon Van Etten na Aula Magna, em Lisboa, a artista de 37 anos fez questão de conversar com o público (que não enchia a sala, mas que se mostrou acolhedor — os vários encores, se lhes podemos chamar assim, provam isso) sobre aquilo que a move, a maneira como constrói os temas e de uma pandemia que a deixou “mais envergonhada do que era antes” disso.

Neste seu segundo espectáculo em formato duo — o primeiro, disse-nos, foi na noite anterior na capital portuguesa –, Lindeman confessou que ainda estava a apanhar o jeito da coisa: “costumo tocar com uma banda grande, por isso fazê-lo assim coloca-me numa posição de grande vulnerabilidade”. O que soa a desvantagem é, na verdade, uma grande vantagem. Ao “tirar a roupa às canções” — a forma apropriada como a própria descreveu o processo de interpretá-las neste registo com Macie Stewart –, o que fica é apenas a pele, que neste caso são as palavras e as narrativas que desenvolve com elas, aproximando-se mais daquilo que fez no seu mais recente álbum, How Is It That I Should Look At The Stars, lançado este ano.



Com mais gosto em “escrever canções sobre memórias estranhas em vez de corações partidos”, a cantora e compositora não mentiu quando o disse: falou-nos, por exemplo, de “magpies” australianos aquando de “Ignorance” para nos explicar que nem sempre compreendemos o que está à nossa frente, acabando por fechar essas mesmas coisas em caixas erradas; ou da maneira (bastante meta) como compôs “Song”, uma música que partiu daquele lugar bem estranho onde a ideia do resultado final é, quase sempre, melhor do que aquilo que fica no fim.

Os pássaros (“uma das minhas coisas favoritas”, afirmou) voltariam à baila na versão despida de “Parking Lot“, faixa do álbum Ignorance (2021). Inspirada num momento em que esperava pela hora de um concerto (e nos sentimentos complicados que advinham dessa espera, algo comum para o músico que anda na estrada), a canção serviu de exemplo dessa eficaz nudez musical. “I confess I don’t wanna undress this feeling/ I am not poet enough to address this peeling/ Was I not yеt naked enough?”, cantou-nos. O conflito entre ser-se transparente e livre mas não querer sê-lo sempre adquiriu uma nova camada naquele momento.

A companhia de Stewart, multi-instrumentista de Chicago que rodou entre piano, guitarra e violino (e ainda emprestou vozes aos arranjos), assentou-lhe que nem uma luva, não procurando protagonismo e permitindo que os poemas (que têm tanto de tristeza como de esperança) de Lindeman se fossem soltando no espaço e ganhassem vida à nossa frente, sem qualquer tipo de excesso. Respondendo à questão lançada no título, não existirá, certamente, uma forma certa de se ouvir The Weather Station. Porém, esta apresentação intimista a duas, e com o mínimo de ruído instrumental por trás, deixa — pelo menos neste tipo de sala — a escrita e voz na sua forma mais crua e clara (e “Endless Time” foi um dos momentos em que o percebemos melhor). Tão cristalina que quase dava para ver as estrelas lá fora.


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