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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/08/2023

Avizinha-se o regresso aos discos deste Ilustre Desconhecido.

Mundo Segundo: “Tenho sempre um olho no passado e o outro divide-se entre o presente e o que está a aparecer”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/08/2023

9 anos depois, a espera vai terminar para fãs do dealemático Mundo Segundo, que vai dar a conhecer o sucessor de Segundo o Ancião, já no próximo dia 9 de Setembro, com lançamento do seu novo longa-duração intitulado Ilustre Desconhecido.

Os últimos anos têm sido marcados por muita estrada e concertos um pouco por todo o país, tanto a solo como com Dealema ou Sam The Kid. É também com Samuel Mira que tem dado a conhecer algumas das suas rimas mais frescas ao mundo através de singles, já por 6 vezes desde 2015, e até se fala que há um disco colaborativo dos dois arrumado na gaveta, que esperamos ansiosamente que possa ver a luz do dia dentro de breve.

Pelo meio, houve espaço para algumas participações soltas em faixas a dividir com alguns talentos emergentes, como Composto e Khronic, ou os já habituais irmãos de armas de Dealema. Nessa lista de participações, destaca-se a passagem pela já clássica compilação Sinceramente Porto, de 2020, em que cuspiu de forma exímia em “Mente Sincera”.

Como acabam de ler, raras foram as vezes que ouvimos um tema do Mundo Segundo a solo nos últimos anos, algo que tem vindo a contrariar em 2023: “Conto Bafiento“, “O Brilho de Viver”, “Asas na Caveira” e “Luto Com Fé” são os quatro temas já revelados que vão integrar o seu novo álbum de rimas, o terceiro no catálogo, de nome Ilustre Desconhecido.

O resto deste trabalho de 13 faixas vai poder ser ouvido em primeira mão no concerto de apresentação marcado para dia 9 de Setembro na mítica Sala 1 do Hard Club, no Porto — o disco estará à venda em CD no local e dá entrada nas plataformas de streaming no mesmo dia. Vai ser uma verdadeira festa de hip hop, daquelas à moda antiga, a fazer lembrar comunhões de tempos na emblemática sala portuense, já que para além de Mundo Segundo, há showcases de vários artistas para aguçar o apetite de quem lá passar. A primeira parte da noite vai ficar a cargo do moçambicano Khronic, o farense Billy Fresh e o portuense Porte.

Ao longo do mês de Setembro, vai ser possível apanhar Mundo em cima do palco por mais 3 vezes, ainda que com algumas diferenças na apresentação, com um roteiro que passa por Lisboa, Lagoa e Faro.

Com tantas novidades para os lados do Ancião do Segundo Piso, o Rimas e Batidas aproveitou a oportunidade para o voltar a entrevistar e, ao longo da conversa, o rapper e produtor cedeu-nos todos os detalhes deste seu próximo Ilustre Desconhecido, que promete entusiasmar os maiores fãs de hip hop lusófono nesta segunda metade de 2023.



Têm sido alguns anos produtivos a nível de lançamentos, mas a solo já lá vai quase uma década desde o teu último álbum, o Segundo o Ancião.

Sim, eu entretanto ainda lancei o EP Sempre Grato, que veio com a Blitz em 2017. Ou seja, em nome próprio não lanço nada desde aí. Fiz uma compilação em 2020 de abertura à editora do Segundo Piso, a 14 de Outubro, simbolicamente o nome da rua onde o Segundo Piso nasceu. 

Sentiste saudades deste formato de álbum?

Sim. Na verdade, nunca faço nada programado, tem que ser um bocado consoante a inspiração, de colecionar experiências, que é algo que eu gosto muito, mas pode demorar muito tempo antes de partir para um disco. Se fizeres muitos trabalhos uns a seguir aos outros e não tiveres grande tempo para vivenciar coisas, não vais apresentar algo muito diferente daquilo que já fizeste. Aqui a ideia é um bocado essa, recolher experiências, viver e depois passá-las para o papel.

E os últimos anos têm sido bastante frutíferos, com muita estrada, muita música diferente… Há muita tinta para passar para o papel neste Ilustre Desconhecido.

Completamente. Até a nível de experiência musical, estou sempre muito atento àquilo que está a sair. Ou seja, tenho sempre um olho no passado e o outro divide-se entre o presente e o que está a aparecer, tento sempre estar a par disso. Depois, na minha música tento sempre dar esse toque de frescura, não sou propriamente o “velho do Restelo” [risos]. Gosto de absorver tudo aquilo que eu acho que é relevante para o meu mundo, vou absorvendo essas experiências.

Dessa onda de música mais recente, quais são os nomes que mais rotação têm tido da tua parte? 

Nos últimos anos, confesso que muito oiço muito rap francês, mas também gosto do americano e oiço regularmente. Assim um pouco fora do meu universo musical, a puxar mais pelas novas tendências como o trap e o drill, oiço uns rappers franceses que são o SCH e o Lacrim, que escrevem coisas que eu gosto — acho que até nesse universo musical os rappers franceses são mais ricos liricamente que os americanos. Tens um artista ou outro de trap que tenha boa lírica, mas nesse universo francês tens muito bons MCs e eu, se calhar, revejo-me nessas novas linguagens mais no rap francês. 

Interessante. Eu, por acaso, não oiço praticamente nada francês, exatamente por essa questão linguística, já que não entendo quase nada de francês…

Eu falo um pouco, também não falo muito. Sempre tive um vício, que já apanhei há muitos anos, mesmo até quando comecei a ouvir rap americano, que é de traduzir as letras todas para perceber o máximo possível do que eles dizem. Claro que há coisas que escapam, mas hoje é muito mais fácil aceder às letras do que antigamente, encontras tudo na internet, e mesmo a tradução não sendo fiel, por vezes chegas lá e percebes o body of work, a parte principal do conteúdo. E a própria sonoridade dos instrumentais também me agrada bastante — sou muito colado a pianos, violinos, essas coisas mais orquestrais, e o rap francês vive muito desse tipo de instrumentos.



Ouvindo os teus novos temas, percebemos que seguem exatamente essa linha, também numa sonoridade familiar e associada à tua música, como tu há pouco disseste, sempre com um olho no passado e outro no futuro, e agora também com alguns elementos mais melódicos, alguns refrões a brincar um bocadinho mais com a tua voz. Suponho que seja nesses novos elementos que esteja essa inspiração das novas tendências musicais. 

Sim, completamente. Eu já há muito tempo que queria explorar isso, sempre vivi muito na parte melódica, a minha mãe era fadista e o meu irmão também é músico e vocalista, portanto a melodia sempre esteve presente na minha vida desde a infância. Nos últimos anos sinto-me mais confortável nessa praia, decidi experimentar coisas novas e fazer-me à pista, experimentei um pouco isso. Quando ouvires o disco vais encontrar uma viagem entre o passado, o presente e o futuro.

Suponho que seja essa a linha condutora, deste Ilustre Desconhecido.

Exatamente. É uma viagem pelo tempo, sempre dentro daquilo que considero que seja a minha linha musical, sem a desvirtuar, porque é algo que valorizo bastante. Acho que o carisma de todos os artistas vem um bocado daí, de criares o teu universo e não te adaptares aos outros universos. Isso define aquilo que tu és e, no rap, é isso que procuro. Por exemplo, se quiser ouvir uma sonoridade de Queens vou ouvir Nas, e se quiser uma sonoridade de Brooklyn vou ouvir M.O.P ou Gang Starr. Isso é algo que tento manter na minha música e se tu quiseres ouvir um tipo de rap específico, que te soa a Mundo Segundo, já sabes que ali vais tê-lo, portanto tento sempre manter essa raíz e esse cunho pessoal. A nível de produção eu gosto de não ter de produzir muito nos meus discos e neste projeto produzo apenas dois temas, que até já saíram: “O Brilho de Viver”, que é mais acústico, para o qual convidei alguns músicos para tocarem parte dos samples para dar uma roupagem diferente, e optei por uma música drumless; o outro tema que produzi foi o último que saiu, o “Luto Com Fé”. Esses são os dois beats produzidos por mim neste Ilustre Desconhecido. No resto, tenho perto de uma dezena de produtores que trabalharam comigo. Gosto mesmo de ir à procura de outras sonoridades e focar-me mais em escrever do que em produzir. Isto também porque passei muitos anos a produzir 90% da obra de Dealema, e então prefiro distanciar-me um pouco e procurar outras paisagens sonoras através de outros produtores, sejam eles old school ou new school, se tiverem algo que me interesse, vamos trabalhar!

Quantas faixas vai ter este disco?

Tem 13 faixas. Tinha mais algumas, mas acho que não se enquadravam no contexto do resto do trabalho, seja pela parte instrumental ou de escrita, então preferi usar 13 temas coesos. Faz-me mais sentido assim do que incluir 15 ou 16 e depois existirem alguns ali fora do contexto. 

Desses produtores que convidaste, podes revelar quem são? 

Tenho um produtor de Viana do Castelo com quem eu já trabalhei e gosto muito, que é o Tuka, produz 2 temas no álbum. Tenho também outro colega da nova geração, que vi dar os primeiros passos na produção, que é o DJ Suprhyme. Há também um produtor da nova escola, aqui de Gaia e que faz parte do Segundo Piso, que é o R1os — ele também me agrada bastante e vai dar muitas cartas, soa a old school mas é uma lufada de ar fresco. Depois tenho o Menfis, é uma pessoa que conheço há muitos anos, é da Guarda e também integra o Segundo Piso — foi quem produziu o “Asas Na Caveira” que fala sobre o mundo motard. Já o conheço há muitos anos, lembro-me dele nos primeiros concertos de Dealema lá na Guarda, de me mostrar beats e tal. Escolhi o primeiro beat dele no EP Sempre Grato e depois comecei a fazer várias coisas com produção dele, porque ele tem uma sonoridade que me agrada muito e sinto que tem uma influência da nossa escola e, para mim, é fácil entrar nessa praia. Depois tenho alguns nomes fora do território nacional, como o Too Deep e o Kwelar, que produzem ambos um par de beats

E a nível lírico/vocal, há também mais participações para além das já tornadas públicas?

Posso-te revelar aqui em primeira mão. Tenho a Bia Moreira, uma cantora de soul que participa nos meus concertos, em 2 temas do álbum. Há também o David Cruz, de Lisboa, foi alguém que conheci durante os concertos com Orquestra do Sam The Kid, surgiu logo ali uma empatia bacana entre os dois, convidei-o a subir até ao Porto e está feito. Há também o Guze, companheiro inseparável, em vários dos temas. Tenho também o Ace enquanto convidado no álbum, num dos beats do produtor americano que falei, o Too Deep.

Depois tenho alguns músicos que me acompanham nos últimos anos, como o André Areias, uma pessoa muito versátil que convido sempre para fazer alguns arranjos. Nessa lista há também o Guito Maldiva, que é o baixista quase que oficial dos projetos onde tenho baixo tocado — é sempre ele o baixista. E depois tenho outro amigo meu, o João Dias, que é um guitarrista, toca guitarra acústica e é uma pessoa super versátil, bastante intuitiva. Também chamei para o disco o Jean Phillipe, um violinista, gostei muito de o conhecer há uns anos e quando surgiu a oportunidade convidei-o para o Ilustre Desconhecido. Vai ser este o lote de convidados no trabalho. Conheço um monte de gente que podia ter incluído no disco, mas gosto de fazer sempre tudo naturalmente, sem forçar nada, foi o que fez sentido. Gosto de usar os trunfos quando necessários.



Acabas por ter uma formação interessante no álbum, já que tens vários instrumentos tocados a complementar as produções, algo que eu pensava que era quase unicamente feito com MPCs, muitos samples, e não propriamente coisas tocadas.

Sim, sim. Tudo o que puder incorporar e enriquecer, é sempre bem-vindo. Ao longo dos anos sempre inclui alguns instrumentistas, e nos últimos anos tenho-o feito ainda mais, porque fui conhecendo mais pessoas, e se tiver alguma ideia é mais fácil chamá-los a estúdio e reproduzir.

Senão me engano, acho que vai ser o teu primeiro disco a solo sem participação lírica de um dos teus “irmãos” de Dealema!

Olha, parece que sim, mas não é algo que me preocupa, temos todos dezenas e dezenas de músicas juntos [risos]. 

Vamos ter refrões bonitos com essas duas vozes de que me falaste. E o Ace, então, é juntar dois colossos do rap nortenho com trajetos distintos, mas sempre próximos. É uma grande conexão essa.

A música acaba por ser a celebração dessa comunhão que nos foi unindo ao longo dos anos, é um bocado isso.

E certamente vais levar esta e todas as outras faixas ao Hard Club, já no dia 9 de Setembro, para apresentares este disco. Para além disso, vai ser uma noite mesmo à la Hard Club, como imenso rap, com showcases do farense Billy Fresh, o moçambicano Khronic e o teu conterrâneo Porte. Como vai funcionar o evento?

Vou tentar ter todos os convidados do disco nesta noite, com uma apresentação plena e total do Ilustre Desconhecido. Nas outras datas vamos adaptar-nos às condições, vamos fazer o que for possível consoante a disponibilidade financeira, para levarmos mais ou menos convidados, não é? Em estrada costumo ter comigo o DJ Guze e duas vozes de soul, onde encaixa a Bia Moreira. Vai ser uma festa de hip hop assim mais completa, não é só um concerto de chegar e ir embora, queremos retomar mesmo este ambiente de festa depois de um período mais complicado com a pandemia.

Para além das datas confirmadas no Porto, Lisboa, Lagoa e Faro, há mais alguma coisa na manga a ser preparada?

O meu show em Lisboa vai ser com o Sam, mas quero apresentar este novo disco por lá também. Estamos à procura do melhor sítio para isso acontecer. Para além disso, temos um monte de coisas pensadas e em aberto, nas quais estamos a trabalhar e vão ser anunciadas a seu tempo. E já tenho algo apontado para o início de 2024 aí para o Algarve também.

Gosto de ouvir isso! Vais disponibilizar edições físicas? 

Sim, vão estar à venda no concerto do Hard Club, também. Vai ser um CD diferente, tem um detalhe: vai ser uma caixa em formato de DVD. Achei que todo o cenário do Ilustre Desconhecido tinha mais a ver com cinema, então sugeri fazermos uma capa assim, para depois ser quase como se fosses ao blockbuster buscar um DVD do Ilustre Desconhecido para “ver” em casa. A própria capa do disco tem muito desse aspeto cinematográfico e não de CD de música, é um formato diferente.

Para fechar, temos de ir ao cerne da questão: porquê Ilustre Desconhecido? É um título quase paradoxal.

Já estou há quase 30 anos na cultura hip hop mas sinto que muita gente não me conhece, e até as pessoas em geral. No entanto, acabas por ser ilustre entre os teu pares, aqueles que realmente te conheçam. Na fotografia da capa do disco, quem me conhece identifica-me, apesar da cara estar tapada com sombras negras e assim, e foi o que fez sentido. No fundo, considero-me, sem qualquer tipo de prentensiosimo, ilustre entre os meus, aqueles que me acompanham, e desconhecido para o público em geral.


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