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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/11/2022

Em cada sala uma descoberta.

Mucho Flow’22 – Dia 1: a correr para o nível seguinte

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/11/2022

Quando se procura a novidade e o risco, os erros são mais casualidades e marcas de guerra do que propriamente problemas. No Mucho Flow, essa ideia ganha forma através de uma programação em que se assume o mote de não existirem repetições e de se jogar, lá está, com as probabilidades de quem vai à frente. No primeiro dia da edição deste ano do festival vimaranense — com passes gerais esgotados –, o salto para o desconhecido compensou e não se caiu num vazio, pelo contrário: foi mais como um mergulho numa piscina cheia de imaginativas propostas artísticas.

Depois de não conseguirmos chegar a tempo de Sofie Birch, que actuou no CIAJG, a entrada na nona edição deu-se na companhia da inglesa George Riley, um nome que nem sequer estava originalmente programado, fazendo parte da dupla de substitutas da americana Yaya Bey. Na mesma frequência de onda da autora de Remember North Your Star — não é difícil perceber que as diferenças sónicas entre as duas estão mais relacionadas com o sítio onde nasceram e cresceram do que com outra coisa qualquer –, a cantora inaugurou (sozinha em palco) as festividades no Teatro Jordão e logo perante uma casa bem composta (a olho nu foi o momento mais lotado dos três concertos que ali aconteceram), algo reconhecido pela própria com algum espanto.

Com dois projectos lançados, interest rates, a tape (2021) e Running In Waves (2022), o alinhamento teria de passar por aí. A soul electrónica a puxar a pista de dança (que nos fez lembrar a actuação de Rochelle Jordan que vimos recentemente no Iminente) nem sempre teve a melhor resposta por parte do sistema de som (precisávamos de sentir mais os graves), mas a certa altura melhorou ligeiramente e a voz de Riley (que usou dois microfones) ficou melhor aconchegada para exibir as suas (muitas) qualidades. De “money”, uma malha em que pediu a ajuda do público e que poderia ser uma versão bem alternativa da “Bitch Better Have My Money” produzida pelos 100 gecs (ao vivo apontava para aí, pelo menos), a canções recheadas de arritmias jungle e 2-step — uma delas dedicada a um homem que, para azar dele, revelou-nos a própria, já não pode fazer mais sexo com ela –, a londrina garantiu a todos os que por lá estiveram que futuro é algo que não lhe falta.



De seguida, ainda no mesmo espaço, uma performance daquelas que se propõe a mexer e provocar de diferentes formas quem está na plateia, e isso pode acontecer através de uma descida até à frontline para perguntar passivo-agressivamente que horas são a cada uma das pessoas ou na construção e desenho do espectáculo. Neste caso falamos de Jasper Marsalis (sim, é filho desse Wynton em que estão a pensar), o cérebro do projecto Slauson Malone 1, ex-membro dos Standing On The Corner e creditado em temas de Pink Siifu (“run pig run.“), Danny Brown (“Shine“), L’Rain (“Suck Teeth“) ou Wiki (“The Act“), que se fez acompanhar em Guimarães pelo violoncelista Nicholas John.

Um computador portátil, uma guitarra acústica e um violoncelo podia não ser o setup expectável para alguém com os créditos que anteriormente mencionámos, mas quem ouviu A Quiet Farwell, 2016–2018 (Crater Speak) e conhece um pouco da filosofia de Jasper já estaria mais ou menos preparado para o inesperado e para o choque entre a calma e a tempestade em doses praticamente iguais. E reforce-se o mais ou menos porque não há preparação possível para aquilo que é uma grande colagem de momentos que tanto fariam sentido num disco de Death Grips como num de King Krule. E, de repente, surge um sample de “Around The World” dos Daft Punk que aparece tão rápido como desaparece. Ou, do nada, chuta-se um beat com uma cadência mais rap e Nicholas apenas ergue o violoncelo e desenha um círculo imaginário no ar para acompanhar. Nada é certo, mas tudo está certo. Entre a claustrofobia e a brecha de luz, nada como um confronto entre os extremos para se sair com outro tipo de clareza.



No Teatro Jordão — o último concerto do dia aí –, Marina Herlop (que, tal como Riley, também veio no pacote de confirmações de última hora) chamava os curiosos a descobrirem o som que construiu em Pripyat, um disco que lhe deu outro tipo de notoriedade. Com destreza nas teclas e a dar, por vezes, ritmo em pads electrónicos, a catalã não ficaria mal num cartaz em que, por exemplo, víssemos nomes como a islandesa Björk ou a portuguesa Surma, puxando-nos para os mesmos locais sónicos que essas duas artistas habitam. Leveza na voz e irregularidades com textura nas curvas instrumentais que convenceram.

A mudança para o Centro Cultural Vila Flor trouxe… peso. Bastante. A começar por Slikback, produtor queniano que criou a primeira parede de som praticamente palpável da noite com a sua procura por jogos entre sub-graves, kicks imponentes e apontamentos rítmicos desconcertantes, e a acabar em Kai Whiston, artista britânico (com uma máscara a lembrar esta) que não quis ficar no palco e se colocou do lado esquerdo, cá em baixo, no meio do público, enquanto mostrava (e cantava) temas do seu catálogo à luz de Quiet As Kept, F.O.G., o mais recente álbum. Lá em cima, a tela ia mostrando os ambiciosos visuais que acompanham esse disco, virando em definitivo o CCVF num club — quem diria que isso aconteceria depois de ter dado início ao espectáculo com “It’s Oh So Quiet“…

As várias alterações no alinhamento do dia baralharam as contas, mas ainda conseguimos dar um salto ao São Mamede para ver a DJ e produtora ucraniana Poly Chain a segurar o barco com firmeza e um pouco do espectáculo de aya (que inicialmente estava anunciada para actuar às 22h30 e tinha Sweatmother na parte visual) antes de irmos descansar — da pequena amostra a que assistimos, a autora de im hole evidenciou um humor tão cáustico na escrita quanto nos seus beats. Hoje, dia 5 de Novembro, a programação tem nomes como Luís Fernandes, FAUZIA, Jockstrap, ILL Considered ou Skee Mask, todos eles entusiasmantes à sua maneira.


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