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Fotografia: Tomás Oliveira
Publicado a: 25/09/2022

Viva a criatividade!

Iminente’22 – Dia 3: da fisicalidade lúcida às masterclasses de longevidade

Fotografia: Tomás Oliveira
Publicado a: 25/09/2022

Mais um dia de luta, mais um dia na corrida. Juana Na Rap subiu ao Palco Fábrica confiante, para abrir o terceiro dia do Iminente. E apesar do ar jovem, as suas rimas ecoam nas ruas do Monte da Caparica desde 2004, quando se iniciou no freestyle e com as suas primeiras letras. São, portanto, quase vinte anos a fazer do rap a sua linguagem e isso nota-se em cada momento da sua prestação. 

Música a música, Juana não tem tempo a perder. Mesmo com letras longas, não falha uma rima, nem perde o controlo da respiração. Mérito, também, para I’Roy, sempre focado em acompanhar cada verso da companheira. Apesar de estar num palco amplo, Juana rima como se estivesse na street, com os seus, apesar de já trazer na bagagem, para lá dos seus singles recentes, um álbum homónimo, de 2013, e o seu “Tcheu barreras”, de 2016, ambos apadrinhados pelo lendário Primero G. E foi dele o palco, já a meio do concerto, quando Juana anunciou que tinha preparado uma surpresa. O pioneiro do rapper crioulo veio dar um abraço à companheira, que deixou o palco, para ser dele o protagonismo, perante uma ovação generalizada do público, onde também estava o Ministro da Cultura, esperemos que para ouvir a mensagem, e não para um momento de marketing.

A vida tem sido a melhor professora de Juana, que, de cabeça erguida e sorriso genuíno, vai aproveitando a viagem que já vai longa. A última parte do concerto não teve pausas, culminando com “Não posso parar”, “Keli é pa nhoz” e “Atividad”, em dose dupla para fechar. Juana tem tudo para vingar: raízes sólidas, conteúdo lírico, flow afiado e determinação em palco. Rima com urgência e diz que não pode parar. Desejamos-lhe boa continuação, e que todas as portas se abram para ela.  

– João Mineiro



Cai a noite, é hora das Bruxona gargalhar. Puta da Silva entrou em palco poderosa e percebemos de imediato que estamos na presença de uma artista total. Elegante, confiante e acompanhada de uma banda notável, Puta da Silva abre com “Bruxonas”, comandando o cabo da nau, e convocando-nos para uma experiência plena, guiada pela sua história, que é também uma história sobre o país em que vivemos e a forma como acolhe quem nele procura casa, sonho, vida e prazer. Experiência plena, dizíamos, porque nada é descurado na sua performance: do conteúdo lírico íntimo e desafiador à dança e à performance que o exterioriza; das misturas sonoras de funk, samba e punk à língua afiada de quem ocupa o palco sem fazer concessões; do trabalho audiovisual que acompanha a performance a um figurino cuidadosamente pensado; do confronto com o público a uma cenografia adaptada ao ambiente e o conteúdo do espetáculo-performance.

Nada é negligenciado num concerto que a artista não quer que seja apenas um momento de entretenimento. Tem de ser físico, ritmado, mas sobretudo uma experiência de reflexão crítica sobre as estruturas fóbicas e patriarcais que violentam os corpos dissidentes, racializados e migrantes. Falando de si, Puta da Silva canta uma outra história sobre o que pode ser o nosso futuro – e, qual cereja no topo do bolo, dá uma chapada de luva glamorosa a todas as mentes conservadores que, de forma paternalista, não conseguem reconhecer às trabalhadoras do sexo agência, autonomia, capacidade de escolha e de emancipação. 

Lembrando que as ruas onde foi jogada foram as ruas que a fizeram, Puta da Silva canta a noite que a formou e de onde emergiu. Mas lembra, também, que estes corpos não serão mais enclausurados na noite. O povo dissidente, racializado e imigrante emerge da noite para ocupar o dia. E já no fim de um concerto eletrizante, onde a qualidade da performance se aliou à excelência dos seus músicos, Puta da Silva apelou a todas as pessoas privilegiadas que têm as chaves para abrir as portas, que as abram ao povo preto e travesti: “Excelência, nós sempre trazemos”. Confere. E se as chaves não vierem, então que se arrombem as portas que há muito já deviam estar escancaradas. 

– João Mineiro



“Será genuíno? Uma gimmick? Funcionará bem ao vivo?” Estas eram algumas das questões que orbitavam no nosso pensamento antes de ver Pete & Bas no Palco Choque. Independentemente daquilo que nos ia ser apresentado, havia um entusiasmo que, pelos vistos, era bem geral. Dos mais jovens aos mais adultos, alguns deles com os filhos, todos sabiam que o bom humor estava garantido.

Na estreia em Portugal, a dupla mostrou ser o real deal. Mais do que provocarem gargalhadas, Pete & Bas são dois praticantes de trap e drill em bastante boa forma. A idade avançada não acusa em nenhum destes dois compinchas septuagenários, que em palco exibem mais energia do que alguns com menos de metade dos anos no corpo. Sempre com uma piada marota na ponta da língua entre temas — e progressivamente com menos roupa no corpo — o par britânico levou ao delírio aquela que foi uma das plateias mais bem compostas do Choque em todo o festival até ao momento. Mas não estavam sozinhos nesta missão: dois DJs certificavam-se que os beats entravam e saíam nos tempos certos e dobravam praticamente todas as rimas num outro microfone, caso Pete & Bas vacilassem em alguma das linhas da sua Quick Little Mixtape ou dos mais recentes e incendiários “Shuffle” e “Mr Worldwide”.

– Gonçalo Oliveira



Das ruas de Queluz para o palco Cine-Estúdio do Iminente, os PKA são um dos muitos grupos de drill formados na zona da Grande Lisboa nos últimos anos. O sub-género made in Chicago, mas cuja variante britânica teve um especial impacto, influenciou uma nova geração de jovens das periferias que se identificaram com a sonoridade pesada e as letras que muitas vezes relatam um estilo de vida ligado ao crime e que reflectem as desigualdades sociais. Ao vivo no Iminente, a convite de Tristany, os PKA trouxeram toda a sua energia visceral e apresentaram-na a um público diverso e curioso, certamente sem grande histórico de encontros em festivais com colectivos de drill. O som da sala, contudo, não beneficiou os PKA — e sendo o drill um sub-género ainda tão cru e pouco refinado é precisamente da energia e atitude de que se alimenta em palco.

– Ricardo Farinha



Depois de ProfJam e Carla Prata, no primeiro e segundo dia, respectivamente, foi Tristany o artista da esfera nacional a receber o voto de confiança de Vhils para tomar conta do Gasómetro em horário nobre. Ao contrário dos dois anteriores, o polímata de Mem Martins foi o único que expandiu o formato do seu concerto para aquele momento, com novos elementos de banda e roupagens refrescadas para os temas do seu Meia Riba Kalxa.

O substituto de Blackfox, Narciso (dos RS Produções) entrou no palco juntamente com Ariyouok, que ontem já tinha dado provas de estar imparável no multitasking. Por lá ficaram apenas os dois durante alguns minutos, numa desbunda suave, até à redenção que é “Hinu digra..” se fazer ecoar não apenas no sistema de som mas também através de algumas das gargantas que se encontravam de frente para os artistas. Suzana, Célio e Edvania (a outra cara nova da formação) juntaram-se ao cenário adornado com pinturas do colectivo Unidigrazz, com Tristany a mostrar-se em último lugar para uma calorosa recepção.

Como consequência destes últimos dois anos de concertos em torno do seu álbum de estreia, o homem que dá voz ao movimento sintranagem não só está mais solto em palco, como se exibe, também, mais seguro na hora de encarar a multidão e, se necessário, orquestrá-la como parte integrante do seu espectáculo, como quando, em comunhão total com o público, fez o nome de Sadhe voar alto ao som de “MÔ KASSULA” com a ajuda de centenas de vozes.

Pintou a vida de street com o poderio sónico e os versos hostis de “TIRANTE..” e trouxe ares com poeira do Namibe ao atravessar o deserto que é “AMOR DE JINGA..”. Em jeito de balada, falou abertamente sobre o hustle com “VERDE 2” e até arriscou no excerto de bossa nova que se esconde no fim de “acliclas”. Levou o estádio ao rubro como se fosse “MARK LANDERZ..” a levantar uma copa internacional e despediu-se com “RAPEPAZ..”, a tirar todo o proveito do crescendo do tema, que começa íntimo e acaba com contornos de banger. Depois disto, os “só mais uma” escutaram-se em uníssono durante um bocado, mas a missão de Tristany no Iminente 2022 já tinha chegado ao fim.

– Gonçalo Oliveira



Mansur Brown é uma das muitas peças que compõem o cada vez mais complexo e multifacetado puzzle da nova cena jazzy londrina. Oriundo de Brixton, o guitarrista e produtor funde sonoridades modernas do rap ou r&b com música tocada de forma espacial e ambiente, até com alguma toada rock, cruzando o digital e o analógico, unindo uma estética mais moderna e menos trabalhada a um universo mais musicalmente rico e tradicional. O resultado, ao vivo, é um concerto instrumental com vários músicos que vão guiando a plateia por ritmos e imaginários diversos de música negra, com nuances melódicas que prenderam muitos dos que assistiam ao concerto após a hora de jantar. Só pecou por ser curto — não há-de ter ultrapassado a meia hora. 

– Ricardo Farinha



Após a actuação de Mansur Brown, ainda chegámos a tempo de ouvir as últimas batidas passadas pela prodigiosa Danykas e o set de DJ Satelite no Cine-Estúdio, ambos a convite de Batida, que serviu como anfitrião. Ao longo dos anos, Satelite afirmou-se como um dos grandes nomes da música electrónica angolana — e da lusofonia no geral. Neste set, não colou a sua sonoridade a variações kudurísticas nem a ritmos mais óbvios do chamado afrohouse. Apesar de naturalmente partir daí, e nunca deixando de incorporar África na sua estética progressiva, apresentou um set mais amplo com pontos de ligação à uma electrónica mais global que mais uma vez deixou os corpos a balançar. 

– Ricardo Farinha



É ao terceiro dia de festival que o Palco Choque se vê repetidamente a rebentar pelas costuras. Nomes no cartaz como Sam The Kid e Yasiin Bey (aka Mos Def) são em grande parte responsáveis pela diferença assinalável de festivaleiros para os dias anteriores (tal como, presumivelmente, para o último). Mas duplas como Pete & Bas e Guilty Simpson & Phat Kat conquistam espectadores a olhos vistos, beneficiadas pelo alinhamento intercalado entre este palco secundário e o principal.

Depois da marca deixada pelo duo septuagenário do drill britânico neste mesmo palco (que voltaria a apresentar-se para mais uma sessão delirante, para substituir a baixa de última hora de Niño de Elche), a tarefa de corresponder a uma energia, vá-se lá saber como, parecida parecia ingrata. Ainda assim, a memória de festival é curta, e a enchente de pessoas na hora da actuação dos dois rappers de Detroit traduz equivalente entusiasmo.

A ordem da parceria inverte-se e é Phat Kat quem abre a pista. “I represent real hip hop”, esclarece antes de mais. O mesmo para Detroit e J Dilla, malogrado produtor com quem o MC formou dupla nos 1st Down (em nome de Jay Dee). É ao falecido parceiro que Phat Kat se dirige repetidamente, do início ao fim, incitando o público a repetir o seu nome. É, também, com a plateia que o rapper se liga ao longo da actuação. Olha cada espectador individualmente nos olhos — diz que é um homem de caras, mais do que de nomes —, fala directamente a gente que até então o desconhecia. Não há qualquer distância, física ou simbólica, entre artista e público. E, para que dúvidas não restassem, Phat Cat desce do palanque e mistura-se na compacta multidão. Primeiro, pela esquerda. Para acabar, na direita. Além da fatia de fãs em clara minoria, conquista toda a gente à sua volta. “When I’m gone you’ll remember me“. Seguramente. Missão cumprida.

E ainda vamos a meio da coisa. Guilty Simpson é chamado à colação pelo parceiro e, depois de uma troca de versos a dois, dá-se a troca directa entre ambos. Simpson herda uma plateia motivada e, apesar do registo menos cara-a-cara, não deita a perder essa conquista. De J Dilla a Apollo Brown (com quem Simpson trabalhou de perto — em especial o último, parceria essa que está prestes a resultar num novo álbum, segundo o próprio), continuamos em Detroit. Sean Price é mais uma figura a merecer homenagem durante o concerto. Aliás, Guilty Simpson parecer ter mesmo muita coisa para dizer. Maldito tempo contado que o leva a terminar com vontade de ficar. Fica também na memória o longo discurso que fez sobre a importância da criatividade nas nossas vidas. E do hip hop, que, segundo confessa, salvou-lhe a vida. A quantos de nós…

– Paulo Pena



Quando Napoleão Mira entra em palco, recitando o seu épico “Santiago Maior”, já à sua frente se encontrava aquela que foi, provavelmente, a maior enchente desta edição do Iminente. Logo depois do poema de abertura, um jogo de luzes quentes ilumina o palco para entrada do rapper que abre a cerimónia com “A partir de agora”, para uma hora e um quarto depois se despedir com “Sendo assim”, perante uma plateia que, sem surpresas, cantou cada verso de um alinhamento que se confunde com a própria história do hip hop português. Sam The Kid jogava em casa e, com a sua habitual entrega e profissionalismo, deu um concerto notável que, para além de uma celebração da sua trajetória, foi também uma profunda e sentida carta de amor à cultura hip hop que o formou. 

Num alinhamento que passou essencialmente por temas de Pratica(mente) e Sobre(tudo), Samuel Mira rima com a mesma fome, com a mesma emoção e com a mesma paixão do início, nunca deixando de lembrar o privilégio que é tocar com os seus amigos, os Orelha Negra, e ainda acompanhado por uma orquestra que soube entender a linguagem performativa, lírica e sonora de Sam, permitindo que o MC fosse protagonista. Num concerto sem momentos mornos, o destaque maior esteve, sem dúvida, em “Retrospectiva de um amor profundo”. No meio dos oito minutos de rimas, e logo após se ouvir a voz de José Mariño, um arranjo notável e inesperado permitiu a entrada de Daddy-O-Pop, que com Sam cantou a “Escola da vida”, antes do rapper de Chelas concluir a narrativa do tema. 

Ao palco de Sam juntaram-se ainda os suspeitos do costume: Snake, sempre presente, e cuja vida nunca será esquecida; Mundo Segundo, seguro e sólido como sempre; NBC, feliz por partilhar aquele palco, talvez até de mais, com demasiado entusiasmo num tema – “Juventude (É mentalidade)” – que pedia um pouco mais de contenção; e, claro, Xeg, Regula e Valete, cuja presença faz sentido, mesmo que “os mais pesados da capital” rimem alguns dos versos que pior envelheceram não só no rap, mas na própria sociedade portuguesa. Num concerto tão íntimo ver o delírio com rimas sobre “carinhos na pila”, “manos que furam e surram cadelas”, “putas com período” ou “gays em gaiolas”, não deixa de nos lembra que, apesar dos avanços, o tempo da masculinidade tóxica ainda parece soar por aqui. 

Tirando esse momento menor, foi quase tudo perfeito no concerto do mais carismático, acarinhado e estudado rapper do hip hop português. Quando as luzes se apagam há muita gente comovida com o que assistiu. Sam está mais produtivo que nunca, em múltiplas frentes. Mas em jeito de balanço desta leva de concertos, talvez seja importante lembrar que as suas melhores rimas ainda são as que hão-de vir. E que, como estes concertos vêm provando, nenhum álbum de rimas seu durará apenas um par de meses. É material que dura uma vida, e que perdurará para além dela. Depois da celebração, só temos saudades do futuro.

– João Mineiro



Quando em Julho deste ano o mundo enlouqueceu com o lançamento de RENAISSANCE, houve um grupo de pessoas que, mesmo gostando, reagiu de outra forma: “sim, o novo álbum da Beyoncé é óptimo, mas ouviram o Play With The Changes da Rochelle Jordan?” Esse (excelente) disco em particular, lançado no ano passado, foi a base do alinhamento da sua passagem pela edição deste ano do Iminente. Uma actuação em crescendo que teria pouco mais de duas mão-cheias de pessoas quando começou e que acabou com um quadro humano bem mais preenchido quando chegou ao final — as sobreposições “tramaram” ROJO, que teria certamente conquistado muitos mais fãs se não tivesse dado um concerto à mesma hora que Sam The Kid e Dengo Club (que, fora do festival, seria o “espaço” perfeito para a receber em sala).

Elegante e cativante do primeiro ao último segundo, a artista (com CHRYSALIS na retaguarda), cantou (voz de diva, mesmo), dançou e fez dançar (sem tempos mortos) com temas como “All Along”, “Already”, “Situation”, “Nothing Left”, “Something” ou “Dancing Elephants”, todos eles a remeter para diferentes frequências como o 2-step, o house, o r&b e até o rap (e nunca evitando olhar directamente nos olhos da pista de dança). Dirigindo-se a espaços para aqueles que marcaram presença (foi mostrando apreço com pequenos acenos para quem estava na linha da frente), a saída de cena aconteceu com um “i see some of the day ones”, reconhecendo quem a acompanhava, palavra a palavra e movimento a movimento, durante todo o espectáculo no Palco Fábrica. O verdadeiro “poucos mas bons”. Que volte rápido.

– Alexandre Ribeiro



É uma das grandes revelações da música urbana em Portugal desde o último ano. O Dengo Club afirmou-se como “A” festa do momento no circuito underground de Lisboa, dedicada à electrónica global e aos diversos cruzamentos com funk brasileiro ou música africana, com sets muito baseados em remisturas que prometem sempre deixar o público a dançar efusivamente. O objectivo, como sempre foi claro, é criar um espaço seguro de diversão para mulheres, pessoas de cor, imigrantes ou LGBTQI+, onde todos os corpos independentemente das suas características possam balançar e divertir-se sem constrangimentos. O convite para uma curadoria no Iminente fazia todo o sentido e as noites Dengo Club invadiram então a pista do Cine-Estúdio com os sets diferenciados de Banu, Saint Caboclo e Sampaio, sem barreiras para com o público, quase ao estilo Boiler Room. A jogar num festival com um público mais alargado, conseguiram conquistar e converter novos fiéis a esta seita musical do bem, expandindo horizontes e fazendo chegar mais longe os seus tão importantes ideais de contracultura.

– Ricardo Farinha



Não é clara a expressão que o legado de Mos Def tem em Portugal, sobretudo fora do universo hip hop. Certo é que, mesmo despido desse nome artístico sob o qual fez história com música, Yasiin Bey tem uma pequena legião à sua espera no Palco Gasómetro, última — e muito aguardada — actuação do terceiro dia de festival. A hora marcada era a uma da manhã, mas há concertos que ditam os seus próprios tempos. Ao fim de 20 minutos sem sinais de vida, o público começa a manifestar-se; nas primeiras filas chamam pelo “Boogie Man”. E ele “vem por aí”… 

É soul brasileiro, é Yasiin Bey em pessoa, a espalhar um rasto de pétalas à medida que entra em cena. “Boa noite, cantem comigo!”, assim, sem tradução, num português mais de Portugal do que do Brasil cuja banda sonora de entrada (“Preciso Me Encontrar” de Cartola) estreita, ainda mais, a ligação entre público e artista. E é só o início de um espetáculo que vai muito além do rap, de Mos Def e de Black On Both Sides. Claro que é ao som dos mais célebres temas do álbum de 1999 — principal responsável pelo seu estatuto transversal — que a plateia reage euforicamente. Desde a oração finalizada com três amen que precede “UMI Says” e o coro uníssono de “tomorrow may never come…” à entrada de Aretha Franklin em “One Step Ahead” sem manipulação inventiva, que ainda assim não passa irreconhecível a ninguém, para uma versão estendida — e apoteótica — de “Ms. Fat Booty”. Porém, para lá desses momentos mais do que suficientes para gravar a passagem do para sempre Mos Def por Lisboa para sempre na memória, é a actuação no seu todo que torna este momento verdadeiramente especial. Um homem realmente livre, desprendido desse estatuto incontornável, tão leve quanto os passos de dança e as piruetas intermináveis que preenchem o palco ao longo deste acto contínuo. Tão leve que o tempo passa a voar e a voz de Milton Nascimento prenunciar o final de uma noite que ninguém quer que acabe. Não se podia antever um final melhor do que “Tudo O Que Você Podia Ser”. Sem sabermos, foi tudo o que nós podíamos querer.

– Paulo Pena


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