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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 05/06/2021

Passo a passo.

Moullinex na Culturgest: a sagração da empatia

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 05/06/2021

Por estes dias, a entrada numa sala de espectáculos traz outra carga emocional e física. Tanto tempo afastados da música ao vivo criou-nos uma ansiedade de voltar a senti-la nesse registo e isso espelha-se nas pessoas de forma mais evidente nos minutos que antecedem qualquer concerto a que se assista hoje em dia — basta parar um pouco e ver o que se passa à nossa volta. No caso da apresentação de Requiem For Empathy, o quarto álbum de Moullinex, na Culturgest, a electricidade no ar era quase palpável: ao contrário das recomendações, houve abraços, toques de “há quanto tempo é que não te via” e uns quantos “já tinha saudades disto”.

Na primeira de duas datas no Grande Auditório, e lotação esgotada garantida, Luís Clara Gomes fez-se acompanhar por Guilherme Salgueiro (aka YANAGUI), Guilherme Tomé Ribeiro (aka GPU Panic) e Diogo Sousa para aquele que terá sido provavelmente um dos concertos mais fáceis — pelo menos no que toca à conquista do público — e felizes — por culpa do contexto — da sua vida. Ainda o quarteto não tinha subido a palco e percebia-se isso — os primeiros gritos surgiram mal as luzes baixaram timidamente; quando o grupo se alinhou em palco, quais Kraftwerk lisboetas, cheios de sintetizadores à sua volta e um modesto kit de bateria, o gáudio só aumentou.

Os primeiros momentos foram utilizados para criar suspense e explorar as linhas graves que os teclados podem dar — uma espécie de entrada numa nave que nos iria levar para descobrir aquilo que ainda não conhecemos do universo, uma ideia cinematográfica que era corroborada pelos visuais apresentados e que se misturavam entre imagens live dos próprios músicos e desenhos digitais de estruturas que não pareciam humanas, lembrando-nos até o filme Arrival. Até à ida de Sousa para a bateria, Moullinex e companhia mantiveram-nos em suspenso sem perceber se realmente tínhamos vindo para dançar… quando o bombo entrou, as dúvidas acabaram: estávamos ali para perceber o porquê de alguns iluminados equipararem as idas às discotecas com as viagens até às missas nas igrejas.

Num constante jogo de criar tensão para depois libertá-la com maior impacto na audiência, o co-fundador da Discotexas conseguiu retirar as pessoas das suas cadeiras ainda nem tínhamos chegado ao primeiro terço da actuação, sacando sempre de dimensões diferentes da sua própria música electrónica de dança para fundamentar esse efeito: houve alturas em que parecíamos estar a levar com o maximalismo electrónico francês à Daft Punk ou Justice, noutros a entrar num estado de transe profundo que poderia ter sido provocado pelo Jon Hopkins de Immunity. É música que tanto pode resultar num grande festival perante 50 mil pessoas como num club com 500 pessoas. E bem.

Neste ensaio sonoro sobre empatia, Moullinex encontrou companheirismo sincero: a “heroína” Sara Tavares (que não pôde estar presente fisicamente mas que apareceu em vídeo) levou-o para outros balanços em “Minina Di Céu”; a “co-conspiradora” Selma Uamusse foi o tornado que nos virou do avesso sem hipótese de resistência aquando de “Ngoma Nwana”; bem menos discreto do que na sua participação nos concertos de Bruno Pernadas nesta mesma sala e com o coração na boca, Afonso Cabral foi directo aos canais lacrimais em “Hey Bo” — a segunda parte da música, mais dançável, lá atenuou a vontade de desatar a chorar; tal como a autora de Fitxadu, Ekstra Bonus garantiu os serviços mínimos através de uma aparição no ecrã gigante atrás dos músicos.

Para além destes colaboradores pontuais, a presença de GPU Panic — em quatro canções no disco e ao lado do “maestro” em palco — reluziu com maior intensidade em “Running in the Dark”, faixa em que esta parceria, talvez a melhor conseguida dos dois, elevou-se através da produção do primeiro e da interpretação do segundo, que se encontram através de uma conjugação entre a sujidade dos breaks e a candura da voz. Estes dois podem correr no escuro porque, recorrendo à gíria futebolística, jogam bastante bem de olhos fechados.

Visivelmente feliz com este regresso aos palcos depois de uma “longa travessia no deserto” — “é tão bom ver-vos” foi das primeiras coisas que disse –, o cientista empático do ritmo deixou na recta final o seu apoio aos que não se fizeram rogados e dançaram em pé durante quase todo o concerto: “acho que aqueles que se levantaram estão a fazer a cena certa”. Depois disso, não houve praticamente vivalma que se tenha sentado.

Missão cumprida para Moullinex: os níveis de empatia bateram no tecto (com direito a uma grandíssima ovação no final) e a ânsia para estar de novo em comunhão com outros corpos a dançar aumentou — que da próxima já possamos aproximar-nos em segurança para que a electricidade resulte, definitivamente, em grandes faíscas. Hoje, a missa é no mesmo sítio e à mesma hora.


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