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Fotografia: Dan Medhurst
Publicado a: 21/02/2022

Um verdadeiro jogador de equipa.

Moses Boyd: “Estamos certamente a viver numa era dourada de bateristas enquanto líderes de banda”

Fotografia: Dan Medhurst
Publicado a: 21/02/2022

Nome incontornável do novo jazz britânico que tanto tem dado que falar, Moses Boyd vai trilhando um percurso em que reúne diversas referências sonoras a nível de música electrónica e afrocêntrica, algo que podemos comprovar na sua estreia a solo, Dark Matter, editada em 2020 após alguns lançamentos de Exodus, o ensemble que lidera. Adicionalmente, percorre caminhos mais ligados à música improvisada em Binker & Moses, duo com o saxofonista Binker Golding que lançará o seu próximo álbum, Feeding The Machine, a 25 de Fevereiro, contando já com os singles de avanço “Feed Infinite”, “Accelerometer Overdose” e “After The Machine Settles”. 

No dia que sucede ao lançamento desse disco criado com Binker Golding, Boyd irá actuar em território nacional no festival ID_NOLIMITS, no Centro de Congressos do Estoril, em Cascais, partilhando o cartaz com outros nomes sonantes da música urbana a nível nacional e internacional, como Branko ou Greentea Peng. Falámos com o músico londrino para saber que surpresas terá na manga na sua vinda a terras lusas, as suas ambições enquanto baterista e músico, e a pertinência de um movimento cada vez mais fervilhante, e ao qual pertence.



O director da nossa revista viu a tua actuação em Amesterdão no festival Super Sonic Jazz, escrevendo que soava como algo “entre o jazz de fusão e algo mais free inspirado pelo presente electrónico”. Nesse concerto, estavas acompanhado por Renato Paris nas teclas e Quinn Oulton no saxofone. Poderemos esperar o mesmo lineup e o mesmo tipo de repertório para o teu concerto em Portugal?

Podes esperar o mesmo repertório, embora traga um lineup ligeiramente diferente – aliás, mesmo no concerto em Amesterdão era suposto ter levado um guitarrista que, infelizmente, não pode vir, ou seja, costumo viajar com quatro pessoas. Mas para este concerto irei levar um baixista, o guitarrista em questão e Quinn Oulton, portanto será semelhante, ainda que ligeiramente diferente, mas com excelentes músicos com os quais tenho trabalhado ao longo do ano. Será o mesmo repertório, mas com diferentes músicos, portanto será bom.

Os mais recentes singles do teu duo com Binker Golding sugerem que o vosso próximo álbum também se centrará num contexto instrumental de bateria, saxofone e electrónicas. Pretendes dedicar-te a este formato nos teus projectos, de momento?

De momento, sim. Creio que esse projecto – e esse álbum – acaba por enveredar pela música e instrumentação electrónica de uma forma muito natural. Eu comecei a familiarizar-me com sintetizadores modulares, e curiosamente, o baixista que irei levar para o concerto em Portugal foi precisamente a pessoa responsável pelo sintetizador modular [Max Luthert] neste disco de que estamos a falar; ambos estávamos interessados nesse instrumento, e, quando tivemos a oportunidade de gravar juntos, criou-se uma forma bastante natural de coesão entre os dois, e, sim, acho que é definitivamente algo que quero continuar a explorar, e irei fazê-lo enquanto estiver interessado e promovê-lo enquanto posso.

Tens estado bastante ocupado estes últimos dois anos, apesar de o mundo ter “parado”: para além dos teus projectos pessoais, também colaboraste com nomes como Yazmin Lacey, Greg Foat ou Jools Holland, pessoas completamente diferentes que certamente exigirão abordagens diferentes. Como é que consegues encaixar-te em contextos tão díspares?

Sabes, o meu background profissional passa pela bateria, portanto, enquanto músico, tocar em circunstâncias diferentes é o meu ganha-pão [bread and butter] – não sei se isso se traduz bem para português [risos]. Era o que precisava de fazer para sobreviver, sabes? Eu gosto desta ideia de estar um dia a tocar em x concerto, e no dia seguinte estar a fazer x projecto… 

Acho que aquilo que te revigora e te torna bom nisto é precisamente a questão de aprenderes a te relacionar com as pessoas, o Greg Foat é uma pessoa diferente da Yazmin Lacey, que é uma pessoa diferente do Jools Holland, mas todos são boas pessoas e têm algo a dizer, e eu gosto de entrar nos seus universos por um instante e perceber o que estão a tentar criar e fazer parte de tal. Portanto, acho que tem a ver primeiramente com jogares em equipa e, a partir daí, quando entras nestes contextos, a colaboração torna-se muito mais fácil.

Actualmente, podemos observar diversos bateristas na linha da frente: para além de ti, temos os exemplos de Yussef Dayes ou Makaya McCraven, entre muitos outros, a editar discos como líderes de banda. Dirias que estamos a viver numa “era do ritmo” mais do que nunca? 

Hum, sim, quer dizer, sendo baterista, a minha opinião acaba por estar comprometida [risos], mas concordo que esta seja a era do baterista: para além dos nomes que mencionaste, lembro-me de Kassa Overall, Femi Koleoso, Justin Brown… Durante muito tempo, tinhas imensos bateristas com muita coisa para dizer, e que contribuíram com a sua sonoridade para as suas bandas ou encaixandose em conceitos de outros artistas. Portanto, estamos certamente a viver numa era dourada de bateristas enquanto líderes de banda, e, para ser honesto, acho que os bateristas são os melhores produtores. Por isso, estou interessado em ouvir o que possa sair durante este período.   

Consideras que os bateristas sejam os melhores produtores por existirem muitos produtores (de hip hop, por exemplo) a trabalhar com beats?

Tem a ver parcialmente com essa questão rítmica, mas também creio que, para seres um bom baterista, tens de aprender a jogar em equipa e, se conseguires garantir isso, é mais fácil assumires um papel em que não estás a pensar simplesmente em ti próprio, mas sim no cenário geral da música. É apenas a minha opinião.

Muito tem sido dito acerca deste novo jazz britânico, do qual tu fazes parte, juntamente com nomes com quem já trabalhaste, tais como Joe Armon-Jones, Nubya Garcia ou Oscar Jerome. Tendo isto em consideração, conseguirias ajudar-nos a compreender como é que esta geração de músicos dentro do mesmo comprimento de onda se afirmou, e como é que conseguiu alcançar um nível tão notável de reconhecimento?

Isso é uma pergunta grande… Eu cresci no sul de Londres, onde existem alguns pólos ou lugares com música que as pessoas frequentam, e eu vejo as noites de clubes e as jam sessions como estando próximas umas das outras, isto para além da existência de escolas de música e de faculdades de arte. Creio que, durante a altura em que esta vaga de que falas se encontrava mais viva e activa, nós vivenciámos uma boa temporada de intersecção em que as pessoas que estudavam numa faculdade iam às noites de um determinado espaço, e tínhamos esta espécie de mistura incrível entre vários agentes criativos, quer estivessem dentro do jazz, do punk ou da música electrónica, fossem DJs ou artistas… Para além disto, acho que um dos pontos fortes que possuíamos residia no facto de termos criado uma comunidade e um nível de carinho em que nos entreajudávamos: nós não tínhamos muito ao nosso dispor no início, eu não tinha dinheiro, mas havia aquele princípio de “tu vens tocar na minha cena e eu toco na tua”, e foi assim que esta vaga começou a crescer, de certa forma.

Lembro-me de fazer discos com a Nubya na mesma semana que fazia discos com o Joe Armon-Jones ou com o Theon Cross, e na semana seguinte estaria a fazer, sei lá, algo para mim e para várias pessoas, e isto aconteceu durante muito tempo, portanto, à medida que todos foram progredindo e fazendo a sua própria cena, criou-se esta base incrível que faz com que tu, em Portugal, possas ver estes discos todos a serem produzidos de uma maneira relativamente rápida, o que seria difícil em outros lugares, porque nós tivemos a vantagem e o luxo de termos estado todos juntos durante certo tempo e termos experimentado explorar coisas e interesses semelhantes: todos adoramos música electrónica, jazz, música de clubes… Em Londres, as opções são infindáveis, porque existe tanta música através de diversas culturas, e nós todos estávamos expostos a estas referências e a utilizá-las na nossa arte.   

Lembro-me de quando comecei a andar em digressões com outros artistas a nível mundial, e, em comparação com os dias de hoje, o panorama é tão diferente… Lembro-me de estar na África do Sul e de ver pessoas do meu bairro inseridas nos mesmos cartazes. Durante muito tempo, só vias americanos no North Sea Jazz Festival, por exemplo… Não tenho nada contra isso, mas agora, onde quer que vá, vejo uma representatividade de Londres ou do Reino Unido nestes espectáculos, portanto, tem sido algo bom, sem dúvida.


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