O alarme soou ao final do dia de ontem: a partilha de memórias através de fotos e vídeos nas redes sociais davam conta da morte de Sei Miguel aos 64 anos de idade.
Sei Miguel chegou a ser apontado pela revista inglesa The Wire como “o segredo mais bem guardado da nova música portuguesa”, descrição que lhe assenta que nem uma luva pela forma como se moveu pelos corredores mais reconditos do circuito nacional, bem longe do foco dos holofotes. Esse trajecto de quatro décadas pelos caminhos alternativos da indústria eram reflexo da música que lhe saia dos pulmões, ele que aplicou inventivos sopros ao trompete — com especial queda para a versão pocket do instrumento — ao longo de vários registos que desafiavam quaisquer tipo de convenções sonoras, numa constante encruzilhada entre o jazz de vanguarda e a mais criativa música exploratória.
Nascido em Paris no ano 1961, Sei Miguel viveu entre França e Brasil até ao início dos anos 80, altura em que se mudou para Lisboa. É na capital portuguesa que a sua carreira musical descola através da criação de vários grupos de diferentes geometrias, mas com um eixo muitas vezes comum: a trombonista Fala Mariam é presença quase constante na sua obra, cúmplice não apenas na criatividade, mas na própria vida.
Quem acolhe as suas primeiras criações é a Ama Romanta, o selo de música experimental fundado por João Peste, em torno do qual orbitavam outros grandes pensadores das sonoridades ainda por catalogar como Vítor Rua, Nuno Canavarro, Nuno Rebelo ou o próprio João Peste. Entre 1988 e 1990, a Ama Romanta acolhe os três primeiros discos de Sei Miguel: Breaker, Songs Against Love and Terrorism e The Blue Record.
O trajecto do singular trompetista perdurou até aos dias de hoje, embora pautado por algumas paragens devido a problemas pessoais. A sua fase artística mais recente deu frutos, principalmente, na Clean Feed, editora na qual se estreou em 2010 com Esfíngico – Suite For A Jazz Combo. Em 2023 esteve particularmente activo ao lançar por lá (e pela subsidiária Shhpuma) três marcantes registos sob diferentes formações — a música arrojada de UM UM UM E NÃO HÁ FORMA DE MORRER, The Original Drum e Road Music levou Rui Miguel Abreu a dedicar-lhe um capítulo inteiro nas suas Notas Azuis para o Rimas e Batidas.
Ao longo de quatro décadas a surfar a onda da vanguarda musical portuguesa, Sei Miguel somou mais de uma dezena de álbuns em seu nome e participou em inúmeros projectos de outros artistas. Rafael Toral, Bernardo Devlin, Pedro Gomes, Norberto Lobo, Rodrigo Amado, Gabriel Ferrandini, Bruno Silva, Raphael Soares, João Peste, Bruno Parrinha e Vítor Rua foram alguns dos muitos músicos com quem se cruzou na sua inventiva caminhada, que teve com derradeiro sopro criativo o LP Panorama, onde se fez ladear por Daniel Levin e Fala Mariam.