O cantautor Miguel Marôco lançou hoje “Clichês” e “Daphne”, um duplo single que marca o início de uma nova etapa criativa e antecipa o seu próximo álbum, Desgraça, com chegada prevista para o início de 2026. Além da versão digital, as duas músicas vão também ser disponibilizadas num vinil de 7”, que deverá dar entrada em breve na loja da editora Cuca Monga.
Os dois temas oferecem um contraste simbiótico entre leveza e desilusão, misturando ironia com romantismo numa clara reinvenção da linguagem pop em português. “Clichês” brinca com a estética do amor idealizado, para logo a seguir desmontá-lo em versos que revelam uma obsessão camuflada sob a melodia contagiante inspirada pela soul da era Motown. Já “Daphne” é como um eco de uma paixão perdida que dança embalado por harmonias solares e um inesperado solo de sintetizador Moog. Frederico Martinho (guitarra eléctrica), Gonçalo Bicudo (baixo), Francisco Vieira Santos (bateria) e Leonor Palha (violino) são os músicos que participaram na gravação das duas canções.
O lançamento é acompanhado pelo anúncio de uma mini digressão que arranca a 22 de Maio na La Trattoria, em Lisboa, com Marôco a solo. Já com banda, o artista passa pela MUSA (Lisboa) no dia seguinte (23 de Maio), seguindo-se a Escola Normal e o Mr. Beans (ambos no Porto) nos dias 24 e 25 de Maio, respectivamente. A 3 de Julho regressa ao formato solo com um concerto no Barreirinha Bar Café, no Funchal.
Depois de o termos entrevistado pela primeira vez em 2023, a propósito do seu álbum A Eternidade, voltámos a trocar algumas impressões com Miguel Marôco no âmbito deste novo lançamento.
Estás a apresentar dois novos temas. Fala-me primeiro de “Clichês”. Ao escutá-la, imaginei-te imediatamente num daqueles programas de “variedades” da RTP dos anos 80… Convidaste o Júlio Isidro para o videoclipe?
Era um convidado fantástico, mas receio que esteja fora do meu alcance! A ideia para esse tema era trazer para a modernidade aquele som clássico da Motown dos anos 60. Musicalmente, tentei escrever uma canção que vivesse muito à base da harmonia e estrutura de um standard de jazz, e acho que acabou por resultar. O programa de variedades dos anos 80 da RTP penso que veio um pouco depois, quando comecei a pensar nas capas e restantes visuais desse single. Tentei imaginar uma personagem que fizesse sentido dentro do universo da música e acabei por escolher uma espécie de “detetive” à la Inspetor Gadget. O resto foi o trabalho do styling da Francisca Sarmento e da visão e câmara do Simão Pernas.
O tema soa a algo que implicou uma fatura pesada: arranjo rico, muitos instrumentos, com som de grande estúdio… Estou muito enganado, não estou?
Estás parcialmente enganado, sim. Não ficou barato, mas penso que fui bastante económico e eficiente com os meios que tinha à minha disposição. Assim a principal diferença, em relação ao meu trabalho anterior, é que desta vez estou a gravar o disco já com cada membro da minha banda no seu respetivo instrumento, e não a gravar tudo sozinho. Ao tocar o meu disco anterior ao vivo com eles fui-me apercebendo que faria sentido trazê-los também para o processo de gravação e creio que este primeiro duplo single já confirma que isso foi uma boa ideia. Produzi à mesma os arranjos sozinho mas, durante a gravação, as partes foram sofrendo ligeiros ajustes que acabaram por enriquecer o produto final!
Quanto à gravação em si, também mudei um pouco a maneira de fazer as coisas. Até agora tinha gravado tudo no mesmo estúdio, assim meio de rajada. Mesmo sendo num estúdio muito bom, penso que, paradoxalmente, me estava a limitar. Agora, para este duplo single e depois para o disco, estou a gravar cada elemento das faixas num sítio particular, escolhido a dedo. Gravei as baterias e o violino da Leonor Palha no estúdio do meu baterista, Francisco Vieira Santos. Os baixos foram gravados na HAUS, com o Gonçalo Bicudo. A guitarra do Fred Martinho e a minha voz gravei no estúdio da Cuca Monga, com o Bicudo também a operar a sessão. O piano acústico gravei em Marvila, com o Luís Montenegro (não é o PM!). Por fim, os sintetizadores e Rhodes gravei em casa! Desta manta de retalhos de estúdios acabo por conseguir ficar com um som mais específico e próximo ao que imagino na minha cabeça. De resto, a mistura foi feita com o Bicudo e a masterização é do Pedro Joaquim Borges.
É a isto que estamos condenados quando escrevemos uma canção de amor? A escrever “clichês”? Ou ainda há espaço para continuar a fazer canções de amor?
É uma excelente pergunta. Quando comecei a escrever a música, estava a fazê-lo meio em tom de brincadeira. Estava apaixonadinho na altura, então aqueles primeiras palavras do verso surgem daí. Depois comecei a pensar que não era muito necessário dar mais uma canção de amor unidimensional ao mundo, e disso surge a reviravolta do refrão. A canção no seu todo é uma canção sobre um amor obsessivo e imaginado. Acho que é uma coisa que tem vindo a acontecer mais e mais no contexto moderno das redes sociais, dos influencers de lifestyle, etc… É fácil julgarmos que conhecemos alguém através desta relação parasocial e até pensarmos que há “amor” nisso. A realidade é depois muito diferente. No fundo, é uma canção do ponto de vista de um stalker.
Fala-me da “Daphne”. Piano eléctrico, em vez de acústico, som de boite no Algarve. Também gostas de dar um pézinho de dança?
É uma canção já muito antiga, que apesar de só estar a ser lançada agora já tenho tocado nos concertos do último disco. Vive também neste universo das canções de amor, agora um pouco mais autobiográfica de uma situação que vivi há uns anos. Gosto de dar um pezinho de dança, sim, mas acho que prefiro fazer música para as pessoas dançarem! Esta vem muito em linha de conta com isso. Gosto muito de dar concertos com esse tipo de energia, com a atitude do funk, em que o espaço que existe para solos e exploração harmónica é sustentado por uma batida forte que permite às pessoas irem acompanhando a música. Esteticamente, esta música (e umas quantas outras do disco) são muito inspiradas por esse ambiente noturno, talvez de boite no Algarve. Ser músico a tempo inteiro fez com que passasse a viver muito mais à noite nesse tipo de ambientes que antes não me eram inteiramente naturais. Vivo-os sempre com um misto de melancolia e euforia, então a canção arranca desse ambiente introspectivo mas logo entra com o ritmo dançável.
Quais dirias que são as referências para estes novos temas?
Penso que são parecidas às minhas referências usuais. Estão todas alicerçadas em harmonia mais jazzística e vivem muito à base dos ritmos de R&B e soul. A “Clichês” têm a influência da Motown e foi pensada como se fosse um standard de jazz; e a “Daphne” é mais yatch rock, naquela onda Steely Dan, George Benson…
Quando é que chega o álbum?
Ainda não tenho data fechada e tudo depende do financiamento mas, em princípio, a Desgraça chegará em Fevereiro de 2026, com mais uns quantos singles no entretanto.
O que é que estás a planear para as duas apresentações que vais fazer ao vivo? Que músicos vais ter contigo? Haverá convidados?
Planeio concertos bem energéticos e com um certo grau de virtuosismo da minha banda, ou seja, do Frederico Martinho, Gonçalo Bicudo e Francisco Vieira Santos. Em Lisboa, a noite vai ser partilhada com Rapaz Ego, que também lança música em Maio, e no Porto vai ser partilhada com o Gorjão, que lançou o seu primeiro disco em Fevereiro deste ano. Para além disso, tenho um concerto mais intimista no dia 22 de Maio na Trattoria. Vai ser assim uma coisa meio à luz das velas e tou a pensar aproveitar para mostrar a maioria das canções do disco a solo no Rhodes.