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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Simão Costa
Publicado a: 27/02/2024

Uma estreia cristalina.

Mick Jenkins no B.Leza: desta água nunca não beberei

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Simão Costa
Publicado a: 27/02/2024

Não só já vimos este filme antes, como já não é a primeira vez que damos conta de que já vimos este filme antes. A trama anda a repetir-se cada vez mais (e na próxima quarta-feira adivinhamos nova exibição dentro dos mesmos contornos, desta feita através de MIKE), o que, nesta sede, contrariamente à lógica subjacente à analogia, só pode ser bom sinal. Mais um concerto no B.Leza, com warm-up de DJ Spot, que se deixa ficar para acompanhar o responsável pela primeira parte da noite — feito que haveria de repetir-se, horas mais tarde, na Musa de Marvila.

Faz parelha com TOBi, artista escolhido por Mick Jenkins para abrir as mais de duas dezenas de concertos da sua “Thank You For Waiting Tour”. Ambos equipados a condizer, envergam t-shirts negras com a inscrição “BEFORE WE PANIC”, merchandising oficial de PANIC, mais recente disco editado pelo artista canadiano de ascendência nigeriana, em Outubro do ano passado. E são, também, temas desse longa-duração que ele nos traz com todo o entusiasmo de quem se dá a conhecer. Recepção mais calorosa não poderia ter esperado, esbatendo-se — não tivéssemos nós a fama de bom povo hospitaleiro — a indiferença perante um primeiro acto. Mais, não fosse a selecção de TOBi obrigatoriamente mais curta, e a noite haveria de se desdobrar em não uma e meia, mas duas actuações de corpo inteiro.

Porque de Mick Jenkins já tudo esperávamos, de tal forma que o B.Leza não foi suficiente para albergar tanto fã acérrimo do rapper de Chicago. Daí que a adesão impulsiva — como, aliás, por regra acontece nos eventos curados pela Versus — tenha motivado, desde cedo, a abertura de uma nova data, por sua vez no Musicbox, na véspera da primeira a ser marcada. Agora, para TOBi, apesar de este, ao contrário de muitos homólogos seus que vimos na mesma posição no mesmo palco, não ser propriamente um desconhecido para o público português, muito menos novato nestas andanças, havia uma plateia a conquistar. E para o fazer bastou-lhe abrir a boca uma primeira vez. Rendição total desde o princípio, ainda que a sua performance se tenha desenvolvido em crescendo, primeiro pelo rap propriamente dito, progressivamente abrilhantado com a sua capacidade vocal impressionante à medida que se foi sentindo em casa — cheia para ver Mick Jenkins, mas desde logo ao rubro por vê-lo a ele.

Nada que se compare, ainda assim, à energia sentida na sala com a entrada repentina do homem em evidência. Vindo disparado dos bastidores até ao palco, pára para fitar a pequena multidão que o aguarda com particular comoção. Afinal, para todos os efeitos, não obstante a sua primeira vez em solo português se tenha assinalado na noite anterior, esta não deixa de ser uma estreia efectiva em Lisboa. E, se esta fita já rolou mais do que uma vez, o contrário se dirá da intensidade com que as cenas, aqui, se sucedem. A lista é, por estes dias, demasiado longa para aqui ser elencada, mas segura será a garantia de que em muitos poucos concertos equivalentes se estabeleceu ligação tão próxima entre público e artista. Sintoma cabal dessa proximidade inter partes é a relação que, ao fim de uma década — prontamente assinalada pelo próprio autor já na recta final (e quão rápida passou esta hora…) —, os ouvintes e, neste caso, espectadores têm com The Waters.

Essa é, além do mais, a derradeira advertência, atirada estilo última deixa da sessão, que todos esperavam: já bem antes de toda a espécie de promotores digitais do consumo (romantizado) de, imagine-se, água recomendava Mick Jenkins que a bebêssemos. Cristalina, purificada, clarividente, como a matéria literária cuidada por este guru da paciência que nunca atalhou caminhos em direcção ao significativo sucesso que tem alcançado. As confissões que nos faz em tom de discurso de despedida, tanto em causa própria quanto vénia aos devidos pares, espelham essa declaração de intenções: nas suas palavras parafraseadas, criar com profundidade, honestidade e dedicação, sem ambicionar nada mais do que fazê-lo dessa forma, e sem deixar de o fazer dessa forma quando e se o eventual sucesso bater à porta, tem sido o seu maior desígnio. Resultado disso é todo ele produto do mais fino intelecto embrulhado numa smoothness irresistível. The coolest man on earth, definíamo-lo da primeira vez que nestas páginas escrevemos. Fez-se nele as nossas palavras. A marca d’água não engana.

(As fotografias cedidas pela Versus para esta peça remontam à data do dia anterior ao desta reportagem, do concerto que teve lugar no Musicbox.)


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