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Fotografia: Raquel Montez
Publicado a: 24/01/2025

À flor da pele.

MALVA sobre poros: “É precisamente sobre ser esse lugar mais palpável e observável de nos arrepiarmos”

Fotografia: Raquel Montez
Publicado a: 24/01/2025

O segundo álbum de MALVA homenageia o coletivo. Nas palavras da cantautora veiculadas através de um comunicado, é-nos traduzido o que significa este disco: “Uma predisposição para me deixar ir e ser e para ser em coletivo”, que se faz a partir da “vontade de convivência e partilha”. Isso nota-se desde logo pelo maior número de colaborações face ao seu antecessor, vens ou ficas: Mimi Froes, Miguel Marôco, Bia Maria, Luís Duarte Moreira e Francisco Fontes são artistas que Carolina Viana admira e que convoca para esta nova viagem. Já o título escolhido, poros, é sobre a superfície palpável e observável de quando nos arrepiarmos.

Em conversa com o Rimas e Batidas via telefone, a artista revela como como chegou a esta fase da sua ainda curta carreira e explica alguns dos detalhes que compõem poros, trabalho que merecerá uma apresentação ao vivo já em Março: dia 13, no Passos Manuel (Porto), seguindo depois para o B.Leza (Lisboa) no dia 20.



O que é para ti existir em coletivo, ser em coletivo?

Quando percebi que, de facto, este álbum estava a precisar de mais, percebi que esse “mais” eram pessoas. Isso vem do contraste com o álbum anterior. Eu fi-lo todo sozinha, tirando a parte de mistura e de master que não domino. É preciso muita perícia para tal. Acho que a partilha se tornou claramente uma parte essencial do trabalho. A nível de música e trabalho traz-me estímulos, desperta-me para novas realidades e isso aplica-se à minha existência fora da música e fora do trabalho. Não estou sozinha no mundo, convém que me saiba comportar em coletivo, receber, dar, e é nesse sentido em que me tenho gerido.

Sentes uma diferença para com o segundo álbum?

Quando fiz o primeiro estava numa zona muito mais de quietude, virada para dentro, a tentar sair de um lugar mais difícil, e não estava pronta para receber como estou agora. Aconteceu essa transformação e fez sentido. Era um lugar de estar perdida em vários aspetos da minha vida, talvez por me ter habituado a pousar tanto em relações amorosas — partiu daí. E descobri-me muito em relação mas dei por mim “fora” das relações a não saber existir e a estar equilibrada, e isso foi muito duro mas super necessário. Sinto que cheguei a um lugar em que sei estar um bocadinho melhor comigo, e com isso sei melhor estar com os outros. E os outros não têm de ser relações amorosas. São os meus amores, com certeza tenho muitos e encontrei espaço para que eles existissem de forma plena e gratificante. 

Fala-me das tuas colaborações com Mimi Froes, Bia Maria, Luís Duarte...

O Luís fez todo o sentido (um dos melhores amigos). Passo a minha vida com ele. E com os outros foi natural. Derivado das minhas visitas a Lisboa, vivem todos cá e foi acontecendo assim. Foi super espontâneo, a única [canção] que não tinha era a da Mimi — fizemo-la de raiz. Senti que as vozes da Bia e do Francisco encaixam. Fiz os convites e aceitaram.

Revês-te na forma de escrever e descrever a música na melancolia e nostalgia? Identificas-te com isso nas tuas letras?

Sim, identifico, gosto de tentar transparecer o máximo de verdade na forma como canto. Nunca estudei canto propriamente, portanto eu não ligo muito à técnica. Então vou só deixando acontecer. E acho que descobri há pouco tempo: a forma como canto tem a muito a ver com a forma como toco. Estudei violoncelo por muitos anos e acho que foi o violoncelo que me ensinou a cantar. Por usarmos arco temos a grande vantagem de conseguir suster notas durante o tempo que quisermos. Isso faz com que as linhas sejam muito unidas. A forma de construir as frases é muito particular por termos essa facilidade. Como se não conseguíssemos deixar cair as notas. Foi nisso que me estruturei a nível vocal — é aqui que se pode traduzir a influência do violoncelo. 

Cantautora ou compositora, olhas a palavra cantada e falada de forma diferente?

Acho que nunca tinha pensado sobre isso. Hoje em dia consigo posicionar-me num lugar de cantautora, até porque este álbum é muito mais isso. Estou a aproximar-me, não é um caminho sem volta, mas estou muito perto das canções agora com este novo álbum. Já consigo aceitar mais estes termos. Agora, não consigo distinguir os dois termos. 

Sentes que deste destaque maior a algum género musical?

Não diria, não. Acho que simplesmente não dificultou o meu trabalho. Deixei as canções fluirem antes de serem canções terminadas, as minhas ideias assentavam nas fórmulas das canções e não procurei que soasse de determinada maneira ou género, ou que roçasse a música popular portuguesa. Não quero usar essas muletas.

Qual é o balanço que fazes da tua trajetória enquanto MALVA?

Acho que o primeiro álbum e único até este dia foi super bem recebido, não estava à espera que fosse tanto. Passei muito daquilo que queria passar, a mensagem foi bem recebida e bastante clara. E ao mesmo tempo percebi que muita gente, apesar de lhes tocar, tinha alguma dificuldade [em escutar]. É preciso estar num certo estado de espírito, e isso é bonito, por muito que não me dê streams, mas é bom que assim seja. Um estado de vulnerabilidade. E acho que foi um passaporte para muitos palcos, isso foi uma sorte tremenda. Tive muitos momentos bonitos em palco, de muita empatia e conexão com quem estava a ouvir, e isso foi muito especial. O primeiro, no Maus Hábitos, foi lindíssimo e, portanto, foi super especial. O Bons Sons (apesar das adversidades do calor) foi super bonito, e há lugares muito especiais, acasos e concertos, que acho que não vão ser nada de especial, não vão ter ninguém, e de repente acontece ali algo de mágico e muito verdadeiro. Isso aconteceu também quando fui tocar à casa do Miguel Torga em Vila Real. 

Existe algum espaço em particular que te tenha marcado, ao qual gostasses de voltar com a apresentação deste novo álbum?

Gostava muito de voltar a tocar no Bons Sons. Foi a primeira vez que fui, mesmo enquanto ouvinte, e é super especial, gostava muito de voltar enquanto MALVA e ter a oportunidade enquanto redoma. E mesmo que não vá lá tocar nada, irei certamente voltar.

Aquando do lançamento do primeiro álbum, falaste de alguma frustração que tinhas com o processo de quando começas a partilhar as canções. Esse receio ainda existe agora que estamos tão perto do lançamento?

Já não tem nada a ver. Para já, nem me lembro de que o álbum sai na sexta feira. É mesmo estranho estar a ser sempre confrontada com isso — já não estou com essa frustração. De facto, foi bastante difícil, principalmente quando comecei a receber algumas palavras sobre o primeiro álbum e começou a cair a ficha que tinha acabado de me expor de uma maneira que não tinha feito ainda. Com redoma, lá está, não estava sozinha, e aqui estava super sozinha. Com este já não sinto isso porque, primeiro, já passei por aí, e agora porque foi uma coisa mais coletiva. Não só das pessoas que convidei, mas do apoio que tenho tido do Tiago Matos [manager] e do Pedro Valente [da Azáfama], e estamos todos a trabalhar em equipa. De repente passei a ter uma equipa que me apoia a 100%. Tudo isso contribuiu para que não sinta a frustração que senti no lançamento do primeiro álbum.

Faltam dois meses para os concertos de apresentação no Passos Manuel e B.Leza. Achas importante dar este tempo para o álbum respirar?

Exatamente, não quis começar a tocar antes de Março porque já sabia que um mês para respirar é muito importante, tanto para os ouvintes como para mim. Fazer logo um concerto aquando do lançamento não dá, principalmente pela minha condição de artista emergente. Temos de brincar e dá-me tempo de preparar um lindo concerto.

Há alguém que queiras destacar que te tenha inspirado desta vez, seja um artista emergente ou até alguém mais consolidado? Qual foi a última música que ouviste hoje?

Olha, ouvi a da minha nova guitarrista [Beatriz Madruga], que tem um álbum de guitarra clássica lindíssimo. Eu gosto muito de ouvir guitarra clássica. A Inês Lubet, que descobri há pouco tempo, tive oportunidade de ouvir um concerto muito intimista e belo dela. E olha, os meus artistas preferidos: Filho da Mãe, Eric Satie, Debussy e Brotera, outro guitarrista muito bom. 

Na primeira entrevista ao ReB, falaste sobre a da questão de teres bastante letra e pouca palavra nas tuas canções e sobre a distinção entre palavra falada e cantada. Ainda te revês nesses moldes enquanto artista?

Não sei muito bem como me revejo, acho só que tenho sido fiel àquilo que me apetece fazer e tenho feito um percurso. Tenho tido a sorte de fazer um percurso com aquilo a que me proponho, que tem sido enriquecedor e que me tem possibilitado experimentar-me mais e melhorar-me tanto na palavra como na letra mais cantada. A verdade é que está a sair um álbum de MALVA e em Março um de redoma. E aí voltamos mais à palavra do spoken word, mas com bem mais apontamentos cantados. Estou num lugar onde as duas vertentes estão muito mais conectadas. Não sei o que vai acontecer daqui para a frente e pode dar-me na cabeça só cantar ou só falar. Mas não acredito. Penso que gosto dos dois registos. Quero continuar a explorar isso. Este álbum acabou por resultar neste lugar em coletivo, estou super contente com essas colaborações. Cada pessoa apresentou o seu cunho às minhas canções e isso foi super gratificante. Percebi ao escrever sobre o álbum, e já referi isso na “manada” pela mensagem que acarreta, que ele aponta “aos que me inspiram, arrepiam e fazem acreditar”, e isso é linear a todo o álbum. O álbum homenageia e é dedicado a isso também. Nessas palavras estão imensas pessoas como amigos, família e artistas que admiro, e daí também resultou o nome poros, que é precisamente sobre ser esse lugar mais palpável e observável de nos arrepiarmos. De ter uma parte do nosso corpo que se expressa e que larga suor, a deitar cá para fora e a libertar e a expressar — tem esse duplo sentido.


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