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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Inês Condeço
Publicado a: 13/08/2024

A singularidade de uma artista versátil em diferentes vibes.

Luta nas entrelinhas: a revolução poética de Filipe Sambado

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Inês Condeço
Publicado a: 13/08/2024

[Vibe #01: A biografia de um ser infinito que resplandece em mil facetas]

Filipe Sambado é um ser que escapa a definições simples. Nascida no seio da Lisboa urbana, ela é uma voz que ressoa além do tempo, além do espaço e além das convenções. Ela navega entre géneros, tanto musicais como de identidade, trazendo à superfície questões que muitos preferem ignorar. Com uma capacidade única de transformar sentimentos brutos em poesia sonora, Sambado emerge como um dos nomes mais originais e revolucionários da música portuguesa contemporânea.

Ela é multi-instrumentista, compositora, produtora e criadora de mundos. A sua obra é um reflexo directo das suas experiências e das batalhas que trava, tanto internas quanto externas. A sua música é uma celebração da diversidade e uma constante luta pela liberdade de ser, sem rótulos, sem amarras. Ela canta por todes que vivem nas margens, por todes que se recusam a ser aprisionados pela norma.



[Vibe #02: “Mau Olhado”, o espelho de todos os olhares]

“Mau Olhado” é uma canção que nos confronta com a realidade crua do julgamento alheio. É uma espécie de exorcismo moderno, onde Filipe Sambado nos faz olhar para os nossos próprios demónios. A letra, carregada de ironia e dor, desafia o ouvinte a confrontar os olhares que a condenam. “Gastei tanto o meu espelho, o meu reflexo morreu / Recalca no sapato velho esse feitiço teu” — aqui, Sambado não só reconhece o poder do julgamento, como o devolve, numa espécie de maldição poética.

A musicalidade é tão rica quanto a letra, com sintetizadores que ecoam como fantasmas num corredor de espelhos, cada um refletindo uma versão distorcida da realidade. O videoclipe, uma explosão de cores psicadélicas e imagens surreais do corpo de Sambado com uma guitarra eléctrica, complementa a canção com uma visualidade que mistura o grotesco com o belo, criando uma atmosfera que é ao mesmo tempo desconcertante e fascinante.



[Vibe #03: “Talha Dourada”, o peso do ouro e da perfeição]

Em “Talha Dourada”, Filipe Sambado desmascara a hipocrisia do amor idealizado, essa talha dourada que brilha por fora, mas pesa e corrói por dentro. A canção é uma crítica ao perfeccionismo emocional, às expectativas sufocantes que nos são impostas. “Não quero ser mais de um nem de outro / Sou mais eu quando não tenho medo de ser” — com estas palavras, ela captura a essência do sofrimento que vem com a tentativa de corresponder a um ideal inalcançável.

O instrumental é profundamente barroco, com arranjos que remetem a uma grandiosidade quase opressiva, mas que, ao mesmo tempo, é tão delicado quanto uma lágrima a escorrer pelo rosto. O videoclipe — que mistura músicos a interpretarem o tema, Filipe cantando numa pose imperturbável, elementos religiosos em azulejo com iconografia kitsch — reflecte este peso dourado através de uma série de imagens que parecem saídas de um sonho febril, onde o divino e o profano se encontram e se confundem.



[Vibe #04: “Choro da Rouca”, a voz que não se cala]

“Choro da Rouca” é um grito por aqueles cujas vozes foram silenciadas, seja pela opressão social ou pelas próprias inseguranças. A rouquidão da voz de Sambado não é uma fraqueza, mas sim uma marca de autenticidade. Ela transforma essa característica num símbolo de resistência, um hino para todes que se recusam a ser calades.

A canção é construída sobre uma base rítmica hipnotizante que pulsa como um coração aflito, enquanto as guitarras, distorcidas e sujas, reforçam a mensagem de luta e resistência. “O teu grito cortava como conchas partidas / Na areia molhada das marés vivas / Pelos pés ao coração” — com esta letra, Sambado lembra-nos que a voz, mesmo quando frágil, pode ser uma poderosa arma de mudança. O videoclipe, que alterna entre imagens da natureza e o corpo humano em explosões de cor, retrata a luta interna e externa de quem se recusa a ser silenciado, criando uma narrativa visual tão impactante quanto a própria música.



[Vibe #05: “Entre os Dedos das Mãos”, a efemeridade do ser]

“Entre os Dedos das Mãos” é uma reflexão sobre a fugacidade da vida e a impossibilidade de controlar o tempo. A canção captura a melancolia de perceber que, por mais que tentemos, a vida escapa-nos entre os dedos, como areia fina levada pelo vento.

A melodia suave e introspectiva, com arranjos minimalistas, cria um ambiente íntimo, onde cada nota parece suspensa no tempo. “O ponteiro mais lento / Gira como o vеnto / A bater numa flor / É uma ordália de ferro” — Sambado canta com uma doçura melancólica, recordando-nos da transitoriedade de tudo o que amamos. O videoclipe, com a sua estética minimalista e poética, reforça esta sensação de fragilidade, mostrando Sambado na natureza de cara pintada grotesca suspenso por um balão negro à la Banksy, que tenta segurar o intangível, num ballet delicado com o vazio.



[Vibe #06: “Laranjas/Gajos”, a verdade que amarga]

“Laranjas/Gajos” desafia as normas de género e sexualidade, expondo as contradições e hipocrisias da sociedade. A canção é uma metáfora agridoce, onde as laranjas representam a fachada doce e aceitável da sociedade, enquanto os gajos simbolizam a crueza da realidade escondida sob essa camada superficial.

Musicalmente, a faixa é um caleidoscópio de sons, misturando rock alternativo com batidas electrónicas experimentais. “Caem podres no chão / As laranjas do laranjal / E um dia serão / Terra do mesmo mal” — com esta frase, Sambado desmascara a transitoriedade e a falsidade das aparências. O videoclipe, uma obra-prima de surrealismo, reforça esta mensagem com imagens chocantes e provocativas, que brincam com os símbolos da masculinidade e da feminilidade, numa dança visual que é tão desconcertante quanto bela.



[Vibe #07: “Deixem Lá”, a renúncia à conformidade]

“Deixem Lá” é um manifesto contra a conformidade, uma recusa em aceitar as regras impostas pela sociedade. É uma canção que celebra a liberdade de ser, de viver sem pedir desculpas ou permissão. A letra é um grito de libertação: “Deixem-me lá não ser gay / Eu sou só muito vaidosa / Tu vens lascivo pra mim / Mas eu tou só curiosa”.

O instrumental, que combina elementos de pop com texturas electrónicas, cria uma sensação de leveza e ao mesmo tempo de determinação. O videoclipe, colorido e dinâmico, reflete esta libertação, com imagens que capturam a alegria de viver fora das convenções, numa celebração da individualidade.



[Vibe #08: “Bastonada nos Dentes”, a violência da realidade]

“Bastonada nos Dentes” é uma canção crua e directa, que aborda a violência física e emocional que muitos enfrentam diariamente. Sambado não adoça a realidade; enfrenta-a de frente, com uma letra que é um soco no estômago: “Retórica de bófia / Ganha sempre a discussão / Argumenta na bazófia / Com um cassetete na mão”.

O instrumental é agressivo, com guitarras distorcidas e uma batida pesada que ecoa como uma marcha de protesto. A capa do single é uma representação de uma bolota de haxixe, um retrato minimalista, símbolo de como algo tão “inocente” pode provocar uma violência policial.



[Vibe #09: “Frasco de Vidro”, a astrologia da vida]

“Frasco de Vidro” é uma canção que explora a influência do tempo e das estrelas nas nossas vidas. Sambado utiliza um frasco de vidro como uma metáfora para as transformações pessoais, os ciclos de morte e renascimento que todos atravessamos.

A sonoridade da faixa é introspectiva e mística, com arranjos que evocam o caos, o silêncio e a desfragmentação digital. “Esse sonzinho / O silêncio que traz / Balança o pezinho” — a letra é um reflexo da busca por sentido no meio do caos da existência. A imagem estática da capa do disco, Três Anos de Escorpião em Touro, está cheia de simbolismo astrológico, o que reforça esta sensação de viagem interior, de um percurso que é tanto espiritual quanto emocional.



[Fade Out: a voz de uma geração, um farol no escuro]

Filipe Sambado é muito mais do que uma musicista; ela é uma força da natureza, um farol para uma geração que busca identidade e propósito num mundo cada vez mais confuso. Com as suas letras poéticas e intervenções musicais ousadas, ela desafia as normas, desconstrói preconceitos, convida-nos a olhar para dentro de nós mesmos e enfrentar os nossos demónios, abraçar as nossas verdades. Ela não só escreve e interpreta as suas canções mas também produz, arranja e dá ideias para os seus videoclipes, criando um universo completo e coerente, onde cada detalhe é pensado e sentido. É esta dedicação, esta autenticidade brutal, que torna Filipe Sambado uma voz indispensável no panorama musical contemporâneo. Ela não é apenas artista, mas uma revolucionária do som e da palavra, um ser de infinitas facetas que nos desafia a ver o mundo com outros olhos.


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