Para quem dedicou uma boa parte da última década a chafurdar com a cara na lama à procura das melhores pérolas que o rap tuga escondia, L-ALI foi sendo nome recorrente durante essas buscas. Do sujamente imaculado SURREALISMO XPTO a “Pneumáticos“, passando por “Heterogénese“, “Só Barulho“, “Tanque“, “Fogo de Arte Fixe” e “LOGO #1“, ou investidas mais recentes como “Ciclo” e “Combo“: foram muitos os minérios que o rapper de Alfama fez erguer a partir da pedra do seu submundo, hoje não tão escuro assim, mais iluminado pelas aprendizagens que colheu num já considerável e louvável percurso.
Com o passado definitivamente posto de lado, queimada a parte que teimava em fazê-lo citar-se pelo meio das canções, L-ALI ostenta no presente a leveza e o grau de pureza de quem sabe de onde veio e, melhor ainda, de quem tem um mapa com um destino bem traçado, com cada passo calculado. Mutou diante dos nosso olhos — a face surge hoje mais descoberta do que nunca — e também dos nosso ouvidos — a dicção e os instrumentais ficaram mais cristalinos e polidos com o avançar dos tempos.
A essência, no entanto, mantém-se. Os versos estão criptografados como desde o primeiro encontro, decifrados apenas pelas escutas mais atentas e insistentes, embora agora se reduzam ao bare essential. A velha máxima de “menos é mais” diz-se facilmente da boca para fora, mas poucos são os que a conseguem realmente executar e ganhar asas no processo. E quando se levita desta forma, enfrenta-se o perigo da caneta já não rasurar tão bem no pergaminho. Até aí não existe falha: estamos mesmo perante um MC que atravessa a sua melhor fase a nível poético, que faz do “argumento um amuleto bom” e reduz a mito a ideia de que pode algum dia não ter tido pedalada para seguir viagem numa batida.
O seu novo “Kilates” é mais um banger para juntar à lista com que se abriu esta peça e tem Lunn como produtor. O fundador da MUNNHOUSE já tinha ajudado L-ALI a esculpir alguns dos temas da fase em que atingiu a “Plenitude”, no EP Raramente Satisfeito, e volta agora a surgir enquanto óbvio aliado daquele que outrora foi promessa do underground e é hoje guru de tendências fora-da-caixa sem medo de abraçar frequências mais amistosas para a generalidade dos tímpanos.
“Sente filho, não é a moda que define aquilo que fiz,” assegura-nos já no refrão que encerra o primeiro single que lança em 2023, embalado numa das suas cantorias mais melosas de sempre, como se adornada por filamentos de ouro, ornamentos de safira e motivos de diamante. Diz-se que está tudo nos detalhes e, neste caso, são três minutos de som recheados deles. Calcem as luvas de ourives, metam-nos numa balança, façam-se as somas e tragam a conta, que há aí um EP a caminho que certamente requererá ser manuseado com redobrado cuidado.