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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 19/08/2021

Manter a chama bem acesa.

Kilu aka Dellafyah: “Eu desisti várias vezes da música. Mas a música não desistiu de mim”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 19/08/2021

Em 2018, o Rimas e Batidas reflectia sobre a história do hip hop português e cristalizava uma lista de MCs e produtores que dominavam as duas artes: Kiluanje De Sousa, mais conhecido como Kilu, era um dos nomes na selecção, sendo, muito provavelmente, dos mais desconhecidos a par de Kacetado, mas não menos importante do que outros como Sam The Kid, Boss AC ou Fuse.

Em 2022, o produtor que actualmente também assina como Dellafyah celebra o vigésimo aniversário de Um Outro Lado da Versão, o seu álbum de estreia que o apresentou em território nacional e que lhe permitiu deixar uma marca indelével na cultura. Porém, o seu contributo para o que se faz por cá não terminou aí, mesmo que tenham existido grandes pausas entre lançamentos: Motivo (2011) e Frequência (2014) sucederam ao disco lançado em 2002; nos últimos tempos, a paixão assolapada pelo finger drumming deu-nos Nem Sei, Rotulado e, mais recentemente, Fyah Like Flame.

Para um conversa com um apaixonado pelo jazz, o local escolhido não poderia ser mais indicado. Com o Que Jazz É Este?, em Viseu, a acontecer como pano de fundo, aproveitámos uma pausa entre concertos para um tête-à-tête sobre as curvas e contracurvas na carreira de um artista que continua a merecer dar o seu lado da versão.



Em 2022 vai fazer 20 anos desde que lançaste o teu primeiro álbum, Um Outro Lado Da Versão. É um marco. Mas eu queria começar esta conversa na tua “pré-história”. Quando é que a tua relação com o hip hop começa?

A minha relação com o hip hop posso dizer-te que começou por volta dos seis anos de idade, talvez em 1983. Na altura eu vivia em Oliveira de Azeméis. O meu pai era músico — saxofonista, contrabaixista… era um multi-instrumentista — e tocava numa banda. Ele tinha os PAs, uma bateria em casa… Tudo. Foi aos cinco anos que comecei a tocar bateria. Às vezes até o acompanhava. Ele tocava pelos bailaricos. Também chegou a fazer o Casino Estoril, os cruzeiros da Agência Abreu. Portanto, entrei na música pelo meu pai. Aos seis veio o breakdance. Posso dizer-te que dancei até aos 15. Aos 17 fui para Londres. Abandonei a escola e fui para lá trabalhar. Entretanto voltei a estudar. Foi lá que me formei em Áudio e Produção, mas fora do circuito universitário. Mas foi ainda em Viseu, por volta dos 13, que formei o meu primeiro projecto musical, os TNK. O meu primeiro beat foi feito em leitor duplo de cassete. Aquelas merdas que um gajo gravava da rádio, ainda antes do Repto. Eu gravava aqueles programas.

Muito provavelmente foi Mercado Negro do João Vaz.

Sim, para aí. O meu primeiro beat foi feito a partir daquela malha dos A Tribe Called Quest, o “Bonita Applebum”, que tem aquele break.

Loopaste aquilo na cassete?

Era tentar fazer as colagens perfeitas. Depois punha aquela parte do saxofone em que ninguém cantava. Daí, sei lá, fui aos Public Enemy, aos N.W.A.. Ía a tudo o que apanhasse de malhas. Mas foi assim que fizemos o nosso primeiro beat. Depois tocávamos o beat de um rádio para o outro, os três, com a cabeça enfiada num caixote para gravar a maquete. “Vamos ter com aquele mano, que o gajo tem alta aparelhagem e aquilo tem equalizador”. Comecei a ganhar noção do que eram as frequências. Mas, claro, já tinha algum conhecimento daquilo que eram as mesas de som, por causa do meu pai. “Um gajo pode equalizar isto para ficar mais fixe”: Telefonámos para a RCI (Rádio Clube do Interior) e dissemos “temos uma banda de rap há três anos”.”Rap?! O que é que é rap?! Venham aí explicar-nos o que é que é rap”. Nós também estávamos a começar a fazê-lo. Não tínhamos grande história nem sabedoria.

Tudo isto aconteceu antes do Rapública?

Antes, ya. Entretanto, talvez aos 15, criei uma banda, que eram os First Degree. Não sei se chegaste a ouvir falar. Soube no ano passado que até fomos mencionados naquele livro do Emanuel, o Ritmo & Poesia. Li aquilo na altura mas passou-me ao lado. Era mesmo uma banda. Mais ou menos uma fusão de rap com metal, isto antes de existir essa ideia de rap metal. Fizemos esse projecto a pensar num festival que aconteceu aqui, em ’95, onde vieram tocar umas 50 bandas durante três dias. Depois é que viajámos mais para a cena do hip hop e do jazz, devido ao primeiro álbum dos Digable Planets. O meu baterista era do hardcore mas também adorava hip hop. Éramos todos malta do skate, basicamente. Éramos todos amigos, andávamos de skate e tínhamos aquela paixão ao hardcore e ao hip hop.

Nessa altura tinhas consciência do que se andava a passar em Lisboa? Tinhas ideia de que a malta de Lisboa andava a fazer coisas também?

Sim, tinha. Havia contacto. Mais ou menos por essa altura, com os meus 15, foi quando conheci o Boss AC, o pessoal dos Black Company, fiquei muito amigo do KGB, que vinha cá imensas vezes passear e vir ter comigo. Ele também andava aí apaixonado [risos]. Sempre que podia também dava lá um salto. Recordo-me de ter conhecido o Nel’Assassin, malta da Amadora, o Melo D e os irmãos, o pessoal dos TWA. Foi naquela altura em que a malta estava a começar com as cenas no Johnny Guitar e no Ritz. Só que eu, algures entre ’95 e ’97, foi quando bazei para Londres. Fiz mais vida de emigrante.

Em que é que trabalhaste, em Londres?

Fui sandwich maker profissional. Saladas e sandwiches. Era uma profissão muito bem paga. Ainda hoje o é. Consegues sacar, para aí, 350/400 libras à semana. Também tive imensos anos na hotelaria. Nunca virei chef mas segurei algumas cozinhas. Mais daquelas para cenas rápidas, hambúrgueres e fritos.

Não fizeste connections com a malta do hip hop de Londres?

Nem por isso. Eu tenho um grande amigo em Brixton, o Dave, que era meu vizinho. O nome de artista dele é TTT — Turn Table Terrorist. Ele é um gajo do hip hop. Em ’81, acho que a crew dele ficou em segundo lugar num campeonato mundial de breakdance. Ele também era um grande DJ, com uma grande colecção. O gajo é que me levou para altos concertos, no Subterania ou no Brixton Academy. Fora ele, não fiz assim nenhum contacto…

E quando regressas a Portugal, vens para Lisboa ou voltas aqui para Viseu?

Eu nunca fiquei fixo lá. Devo ter estado uns 10 anos em Londres, mas durante esse tempo eu também passava por Lisboa. Ficava a viver e a trabalhar em Lisboa. Depois cansava-me e… Fazia temporadas. Trabalhava seis ou oito meses cá, num restaurante, e “vou para Londres”. Ficava lá seis meses ou um ano.

Era fácil de arranjar trabalho?

Ya. Nessa altura um gajo podia dar-se ao luxo de largar um trabalho aqui para ir procurar outro à porta do lado.

E quando é que começas a desenhar o primeiro álbum?

Eu tive o convite do AC para entrar na compilação TPC. Ele, na altura, tinha ficado sem o Q-Pid, que era o gajo que o acompanhava. Nós já nos conhecíamos. Ele já tinha escutado maquetes minhas. Convidou-me até para entrar no primeiro álbum dele, o Mandachuva. Existiu essa oportunidade mas eu estava em Londres a trabalhar. Ele tinha os concertos em Portugal e Angola… “Olha, eu estou com um bom trabalho agora e não quero arriscar”. Acabou por não acontecer nada. Mas ainda me convidou para o TPC e foi aí que tive aquela ideia de “posso vir a fazer um CD.” E eu comecei a conceber o álbum depois do meu pai falecer, em 2001. Portanto o álbum é capaz de ter saído em 2002. Era o sonho do meu pai, que eu lançasse um CD ou uma cassete. Porque ele também chegou a lançar as cenas dele com os grupos folclóricos. No meio daquela depressão, em que eu estava completamente alcoólico e acordava todos os dias para beber cerveja, disse para mim mesmo: “vou fazer um disco”. O disco não me demorou muito a sair.



Que ferramentas usaste?

Na altura tinha a MPC 2000XL. A sequenciação fazia na QY700. Tinha uma Groovebox da Roland, que usava mais para synths e linhas de baixo. Tinha a SP-505. As gravações foram feitas numa Roland VS-880, de oito pistas, em que conseguias fazer também aqueles ping pongs. Passei também por uma mesa analógica bué podre, que já nem me lembro da marca, mas que me ajudou a manter aquela cena do analógico. Tudo era analógico. O mixdown era feito para minidisc. E foi assim que concebi o álbum. Gravei com um microfone Sennheiser, daqueles de palco. O disco nem demorou muito a ser feito. Aquilo eram desabafos. Eu não mudei nem uma palavra. Assumi a coisa exactamente como a escrevi. Ligava o mic e boom. Acho que fiz aquele disco em 12 semanas, entre produção e gravação. Eu fazia o beat, escrevia e gravava. Depois, como ficou em minidisc, alguns kicks e baixos ficaram com alguma distorção. Mas era aquela distorção saudável [risos]. Nada de grave. O gajo que me masterizou o álbum era amigo de um amigo, um gajo do metal. Ele tinha o primeiro Logic, que na altura ainda pertencia à Microsoft. Foi ele que me tirou o mixdown do minidisc e masterizou aquilo.

20 anos depois, como é que é a tua relação com o disco? Há pouco tempo reeeditaste-o e tudo. O que é que tu sentes?

Tem sempre aquele sentimento especial porque, no fundo, nasceu de uma questão pessoal. “O meu velho já não está aqui mas de certeza que me está a ver”. Foi o meu luto. Tem aquela capa escura e toda uma carga… Foi o meu luto. Eu adoro ouvi-lo. Fi-lo com 24 e hoje estou com 44. Passaram 20 anos. E adoro aquela ingenuidade e espontaneidade que um gajo tinha. Todos os gajos naquela altura tinham isso. Adoro ouvir aquilo. É algo que eu duvido que consiga voltar a fazer. É magia. No meio da dor também podem surgir coisas super-interessantes.

Na altura em que eu te convidei para uma daquelas noites na ZDB, quem era o técnico de som era o Francisco Rebelo. Lembro-me dele se ter “passado” contigo. Veio falar comigo no final do concerto, “este gajo é incrível!” E ele nunca tinha feito um comentário desses a seguir a nenhum dos outros concertos que demos lá. Ou seja, este álbum foi mesmo muito especial. Mas, apesar disso, tu demoraste a dar-lhe uma sequência.

Foram complicações da vida. Anos complicados… Uma separação, dois filhos, ainda estava tentar a superar a cena toda do meu pai, tive uma sobrinha de seis anos que morreu de uma doença super rara, daqueles casos que são um num milhão. Era a filha da minha irmã mais nova e estava a ser criada pela minha mãe. Como eu estava presente, também a criei, em parte, desde bebé. Foi como perderes um filho. No meio disso, sei lá… Andei por Londres e Lisboa mas passei mesmo por uma fase em que tinha perdido a vontade. Eu desisti várias vezes da música. Desisti, mesmo. Mas a música não desistiu de mim [risos]. Lembro-me de ter pensado “que se foda. Eu nunca mais quero fazer música na vida. Vou para Londres”. Mal lá chego, liga-me um amigo a dizer “tenho aqui um gajo que te quero apresentar.” Apresenta-me o amigo, “ele é um grande engenheiro de som! Tu não estás bem a ver, ele passou-se com o teu disco e quer que tu lhe expliques como é que elaboraste isto. Diz lá qual foi o material todo que usaste”. “Não quero mais saber de som. Caguei para a música”. “Não faças isso! Vais ter o melhor curso da tua vida!” Isto foi numa zona com uns business complexes, uns prédios dedicados ao broadcasting. Só no andar em que esse gajo estava deviam de existir perto de 150 estúdios. De repente, vejo-me ali naquele mundo, com os músicos de sessão nas escadas a contar a guita que fizeram. Pensei, “sei tocar percussão, pronto!” Fui lá mostrar ao gajo como é que tinha feito o álbum, mostrei-lhe a MPC e ele nunca tinha trabalhado com aquilo. Ele gravava de tudo um pouco — desde rock, a pop, whatever. Como também toco bateria, umas cenas funky, o gajo pergunta-me “então o que é que tu fazes?” “Toco umas percussões. Se quiseres, bateria, baixo…” Acabei por ficar músico de sessão do gajo. Passei a ir lá duas vezes por semana. Era tipo, ganhava 280 libras por semana a fazer sandes e ali, às vezes, chegava a tirar mais do que isso pelos trabalhos de músico de sessão. Depois, fui conhecendo outro pessoal que ia lá espreitar. “Preciso de uma malha de bateria assim. Preciso disto e daquilo.” Isto tudo como músico de sessão, sem pôr o meu nome em nenhuma das merdas que iam saindo dali — desde electrónica, house, trance, hardcore… Fiz de tudo. Quando dei por mim, lá estava eu a fazer som. Foi só em 2011 que eu comecei a conceber o segundo disco, quando fui morar para Madrid. Em Madrid, concebi o Motivo e parte do que viria a ser o Frequência. Só que, quando lancei o Frequência, alterei a roupagem dos beats, porque na altura era uma cena mas, depois, senti que já não estava aí em 2014. Mas sim, foram nove anos sem lançar nada.

E nessa altura, em 2011, quando tu tentas retomar o teu lugar, apercebes-te de que o panorama do hip hop nacional se está a alterar? Até porque tu tens essas memórias, dos tempos da ZDB e do Trópico, de que fazer hip hop em Portugal era uma coisa para minorias, quase invisíveis aos olhos dos media. Hoje é a força dominante na indústria da música. Isso surpreende-te?

Surpreende-me, claro, mas isso aconteceu globalmente. Noutros sítios isso já acontecia com mais força. Mas sim, as coisas facilitaram-se. Virou uma moda. Depois vieram estas novas vertentes — do grime ao trap — e há um grande público que aprecia essas tendências. É malta que aprecia uma moda, não é propriamente malta que vai seguir a cena do graffiti ou do DJing. Mas surpreendeu-me o boom que se deu aqui. Recordo-me que, quando voltei de Londres, já estava o Sam The Kid prestes a explodir, o Regula também já andava lá perto. Já tinhas muito mais malta a ouvir, muitos mais concertos, mais público.

Tu fazes parte de um clube restrito — em que está o Bambino, o Sam ou o Mundo — de pessoal com mais de 40 anos e que continua a fazer este tipo de música. É importante haver uma velha guarda para uma cultura se manter?

Então não é?! Um gajo olha para o Premier, o Method Man, o Busta Rhymes… Esses gajos estão aí em força. E eles têm o quê? Uns 50 e picos. Muitos deles estão nos 50s. Aliás, tu ainda tens aquela outra velha guarda — Big Daddy Kane, por aí — que ainda tocam. Tinhas o Biz Markie, que faleceu recentemente, mas que estava aí, no activo. O Kurtis Blow já deve estar nos 60s e anda aí! Está mais em forma, se calhar, do que alguma malta de 40 e tal.

Mas, quando se tinha 20 anos, não havia essa perspectiva de que isto fosse uma música que desse para fazer carreiras tão longas.

A nós nem nos passava pela cabeça. O tempo simplesmente foi passando. Quando demos conta… “Malta! Estamos quase com quarenta!” [risos] E sinto que o pessoal que está com a mesma idade que eu está a fazer coisas interessantes. É a maturidade. Mas a malta está com pica. É super importante para não deixar de existir aquele real hip hop.

Tens recebido feedback, destas coisas que tens feito nos últimos anos, dos outros membros desse tal clube ao qual eu disse que tu pertencias?

Sim. Eu vou falando com a malta. O Bomberjack tem os meus discos à venda. Eu trabalho com ele. Vou falando com o Sam. Às vezes tou a criar cenas e mando-lhe, naquela da picardia. “Mano, olha aí. Tens aqui um tema novo, vê lá se lanças uma cena, pá!” ‘Tive com o Regula quando fui a Lisboa. ‘Tive com o Tekilla e com o Kronic, quando lancei o Pain Killer e fui lá dar uns concertos. É só para dizer, “olha, ’tou aí. ‘Tou vivo”. Não tenho assim um grande feedback deles. Tenho mais feedback do pessoal que acompanha a minha cena. Mas o pessoal está lá. Eu sei que a malta acompanha.

Há uma coisa que eu acho extraordinária, para quem vem dos decks duplos de cassetes e agora faz finger drumming no iPad. É um arco tecnológico muito extenso! Por outro lado, foste daqueles que melhor percebeu como é que se pode ser independente, na minha opinião, durante os tempos que correm, abraçando o Bandcamp como poucos artistas desta área, em Portugal, abraçaram. Ainda por cima vives no interior, um bocadinho afastado dos grandes centros onde as coisas acontecem, mas estás completamente em sintonia com as novas possibilidades da tecnologia.

Ya. Eu apaixonei-me pela cena do finger drumming porque, na altura, eu queria…

É um bocado como voltares ao início e seres baterista?

Ya. Mas, em parte, foi também o facto de eu querer comprar uma MPC e não estar com guito. “Eu quero ‘aquela’ MPC. Não quero uma qualquer”. Dou por mim a pesquisar no computador e a descobrir isso da iMPC. “Isto tem aqui pedaleiras! Tens tudo aqui!” E pronto, abracei o iPad. Foi para aí em 2015, quando bazei de Lisboa. Andei a dar uma volta. Passei por França, Espanha, fui parar a Londres outra vez. Quando cheguei a Londres, o pessoal já andava nas universidades a estudar essas cenas de fazer música no iOS. Aquilo é um mundo! Eu apanhei a cena da iMPC e digo-te que aquilo tem um tempo de resposta incrível. Lembro-me de ver o AraabMuzik a malhar nos pads… “Espera lá. Nós podemos apresentar-nos como músicos com isto”. Ali eu toco a bateria, solto os samples, meto efeitos. No iPad tenho efeitos que me “seguram” o beat e consigo fazer a transição para outra canção. Os sets que eu fiz em Lisboa foram assim, tudo live. Claro que há uma parte que pode ser programada no computador, umas edições e uns cortes para mandar para os pads.

Sentes que isso te libertou como músico? Abriu-te novos horizontes?

Abriu. Agora tenho a MPC Live e ligo-me a ela mais vezes. Mas não desligo do iPad. Volta e meia lá estou eu a comprar mais um pluggin. Tenho imensos.



O Madlib tem dito que tem programado álbuns inteiros num iPad.

Sim, sim. Até tive, no Instagram, malta que me identificou num post a falar disso. Do tipo, “nós já temos cá um em Portugal a fazer isso primeiro do que tu” [risos]. Mas isso de elaborar álbuns inteiros lá eu nunca cheguei a fazer. Mas é possível.

Dessas marcas de pluggins que tu utilizas, já alguma vez tiveste algum feedback devido aos vários vídeos de finger drumming que partilhas? Achas que alguma dessas pessoas já viu os teus vídeos ou já há muita gente a fazer a mesma coisa?

Hoje em dia pesquisas “finger drumming” e aquela porcaria quase que não acaba. Nunca tive nenhum feedback desse género.

E a tua relação estética/artística com o jazz? É uma coisa que te apaixona?

O jazz, para mim… É o jazz, man! [risos]

É a fonte?

Um gajo vai ver as influências de A Tribe Called Quest, Digable Planets, Native Tongues, D’Angelo, J Dilla ou Pete Rock… Se vais a ver, o jazz e a soul estão lá sempre presentes. Mas do jazz, em específico, sou um grande apreciador. Tenho uma pequena colecção, mais em CDs, porque é mais acessível. Também já tive imensos vinis mas acabaram por ficar em Londres. Deixei-os com malta amiga. Porque lá também é mais fácil de conseguires reaver tudo, em segunda mão. Lá, as pessoas por vezes até deitam fora. Vais a um mercado qualquer e encontras lá pérolas baratas. Inspira-me bué para samplar, o jazz e a soul.

Quem é que dirias que estão no teu top três de produtores, daqueles que mais te ensinaram e inspiraram?

O primeiro gajo que me fez saltar a tampa foi o Pete Rock. Até hoje lhe tenho o máximo respeito. Mais tarde apareceu-me o J Dilla. Foi quando eu comecei a lançar as cenas que o pessoal me disse “tu és bué parecido com o J Dilla”. “Mas quem é esse gajo? Já és a terceira pessoa a dizer-me isso. Tenho de ir pesquisar”. O gajo quase que dá ali seguimento à cena do Pete Rock. O terceiro é um bocado difícil de decidir. Podem ser vários. Pode ser um Timbaland, pela loucura e originalidade do gajo. Ele é daqueles gajos que começa a fazer beatbox e depois é que se vira para a produção. Eu elogio isso, essa revolução. O Premier também sempre teve nos meus favoritos. Mas não acaba por aí.

Tens dado atenção a esta nova geração de produtores em Portugal? Já alguém te surpreendeu?

Volta e meia, sim. Cheguei a colaborar com uns putos, os Mobb Beat, que convidavam malta. Às vezes, há pessoal que me vai mandando um link do YouTube. Os nomes é que não me lembro. Mas eu vou picando. Vou-te ser sincero: ultimamente não tenho estado com muito tempo para sequer ouvir música. Acabo por ouvir música quando pego no telemóvel e nos phones e vou dar uma volta por aí. De resto, um gajo está sempre a fazer outras coisas. Agora tenho de dar bué atenção ao meu puto. Ele exige cada vez mais atenção. Vou vendo mais pelos feeds das redes sociais. Um post aqui e ali. E sim, tenho escutado cenas incríveis, não apenas ao nível de produtores. Numa das vezes que fui a Lisboa, passei no Tokyo e vi malta nova a tocar malhas que nós, há 20 anos, nem sequer sonhávamos. Isto deu um boom, ao nível da facilidade com que tu consegues aprender, através da Internet. Isso reflecte-se no dia-a-dia. Vais a Lisboa e, de repente, estão ali uns putos de 20 anos a tocar de tudo e mais alguma coisa, à maneira deles. É incrível. Os nossos tempos foram diferentes. Nós tínhamos de inventar e ver de alguém que nos desse acesso àquele vinil ou àquele disco. Se não tinhas aquela música em formato físico, não tinhas acesso.

Tu lançaste um novo disco e até já falaste sobre ele com o Rimas e Batidas. Neste momento, já tens mais coisas alinhadas? O teu futuro vai manter-se ultra-activo e agitado?

Sim. Entrou o COVID-19 e a malta ficou um bocado incerta. “Isto dura uns meses? Acaba este ano? Vai passar?” Lancei o Rotulado e o Nem Sei. Mas eu nunca fiz álbuns. Vou é fazendo canções e depois tenho de organizá-las de forma a fazerem sentido para mim. Agora lancei este, o Fyah Like Flame, que já tinha tocado em Lisboa ao vivo. Toquei-o no Park, no Copenhagen e em mais uns quantos clubes. Passei o disco ao Camboja Selecta e o gajo é que fez a elaboração disto. Mas tenho aí uma compilação que editarei em Setembro. Sou eu, enquanto produtor, a fazer beats de finger drumming. E convidei uma data de malta para rimar. Entra o Sanryse, o Bambino, o Cálculo, o Brain, o Bully e o Splinter dos Cazota, o Tom, a Lady N, a Sitah Fyah, o Profas dos Crewella, o Tarzan… Vai chamar-se Bússola Vol.1. O design foi feito por um puto que é o Gonçalo Oxo. Já tenho o segundo volume também, para o qual vou convidar outra malta. Aproveito esse embalo para ir convidando cada vez mais malta, para que hajam mais volumes no futuro.

Estares em Viseu não te coloca nenhum tipo de barreira para criares esses projectos?

Não, porque fazemos tudo pela Internet. Hoje em dia qualquer pessoa tem um computador, uma placa de som e um mic. Ou tem um amigo que tem um estúdio. Há mais facilidade em gravar. Para este ano, tenho essas duas compilações. Tenho depois um outro projecto, um EP com o Youth One aka Ridículo. Ele também está a viver cá, apesar de passar algum tempo fora. Até ao final deste ano lanço o Bússola Vol.1, em Setembro. Isso é certo. Provavelmente lanço o EP no final do ano. O meu objectivo é lançar três ou quatro discos por ano. É possível. E acho que a malta que anda a fazer som deveria de apostar mais nisso também.

Nos tempos áureos do jazz era assim. O Miles e o Coltrane lançavam cinco ou seis álbuns por ano. Era uma coisa normal.

Exacto. E eu também quero fazer discos com malta do jazz. Estou à espera que isto abra e possa ir até Lisboa. Aí já é necessário estar pessoalmente com os músicos.

Já há contactos nesse sentido?

Há, porque eu comecei a fazer tributos de jazz lá no Lisbon Jazz Sessions e, quando dei por mim, já ia ao Outjazz, já tinha programação para 11 ou 14 tributos. Foi a partir daí que fiz uma data de amigos. Não são contactos, é mesmo malta amiga. De sopros, guitarra… Há imensa gente. E a minha ideia é essa: convidar pessoal de outros estilos de música, fazer fusões; um pouco aquilo que o Stereossauro está a fazer. Olha, ele também é um dos que entra nesta minha próxima compilação e meteu lá um grande scratch!


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