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Fotografia: Rafael Farias
Publicado a: 04/09/2021

A diferentes velocidades.

Karma É’21 – Dia 2: da necessidade de improvisar

Fotografia: Rafael Farias
Publicado a: 04/09/2021

No segundo dia de Karma É o destaque foi para as sonoridades jazz (e aproximações) em português: dos Club Makumba, que nos trouxeram ao vivo o seu próximo projecto, a editar em Janeiro de 2022, até YAKUZA, o grupo português que editou em 2020 AILERON, e que garantiu, entre outras coisas, breaks de bateria à luz das velas.

Mas foi o conjunto liderado por João Doce e Tó Trips que protagonizou o ponto alto do festival, até agora, levando cerca de 120 pessoas à mata do Fontelo, em Viseu, ao cair da noite. O concerto abriu com sons quase “baleiescos” presentes na introdução de “Migratória”, que deixou imediatamente perceber a complexidade da secção de percussão da banda, entregue a Doce. Com uma chapa de metal foi possível recriar o som da água do mar enquanto Gonçalo Prazeres, no saxofone, convocava todos os apreciadores de animais marinhos da região para o festival.

Mas a calmaria dura pouco num concerto de Clube Makumba, seja pela energia dos protagonistas (que têm em João Doce a verdadeira alma) ou porque a música assim o exige, e “Med Swing”, o segundo tema da noite, provocou os primeiros bater de pé. Daí em diante, Club Makuma cingiu-se às novas criações (ainda por editar) e proporcionou grandes momentos ao som de “Jimmy Habib” – uma música sobre “aquela vez em que Jimmy Hendrix foi a Marrocos”, brincou Prazeres -, e “Crazy Lizard”, ambos temas mais mexidos (e a última chega mesmo a ser pesada), que provocaram algumas gotas de suor na testa do membro dos Dead Combo.

Para além de um set comum, o percussionista chegou a pegar numa variedade de maracas e a tocar tambores, címbalos e congas para dar, lá está, alma ao conjunto. O grupo mistura ainda fortes influências de jazz através do contrabaixo de Gonçalo Leonardo e do saxofone de Gonçalo Prazeres, com a guitarra densa e, por vezes, frenética de Tó Trips que, sem desprazer, traz nostalgia para o grupo que se despede em definitivo nos últimos dias de 2021.



Apesar de Club Makumba ter reunido a maior plateia, a de YAKUZA era, sem dúvida, a mais fiel, e, nem quando as luzes da Mata do Fontelo se apagaram, abandonaram o concerto mais frenético do festival. Talvez pelo frio que se fazia sentir e que pedia que se abanasse o pé, talvez pelo culto de que o grupo é já alvo.

O concerto em Viseu será um que a banda não vai esquecer tão depressa, depois de uma falha de energia que deixou o baterista Alexandre Moniz (Galgo) entregue a si mesmo e sem qualquer apoio do resto da banda. E como um verdadeiro artista, mesmo sem luzes, improvisou ao som das palmas que o apagão provocou também no público.

Daí por diante, foi sempre a subir. A falha de energia acabou por ter um efeito colateral e despertar o público. Alguns (poucos) espectadores abandonaram o recinto: quem ficou, ficou em família. Com um sentimento diferente do de antes, o público começou a mexer-se mais na cadeira e acompanhar o ritmo com palmas (quando dava). E parece quase certo dizer que até a banda começou a tocar com mais vontade.

Não é difícil descrever a que soa a música dos YAKUZA, mas é mais complicado atribuir-lhe rótulos e, por isso, nunca fica mal dizer que é jazz. Mas as referências são muitas e vão daí até à musica electrónica graças aos, pelo menos, cinco teclados presentes em palco – a maioria a cargo de Afonso Serro. Já a guitarra de Pedro Ferreira, que usa mais pedais que cordas, parece vir do espaço, enquanto a bateria forte nos címbalos de Alexandre Moniz e o baixo sempre a tempo de AFTA3000 nos transmitem sonoridades mais próximas do estilo-mãe. À mistura, há ainda muitas máquinas e luzes a piscar.

O ponto alto do concerto foi o tema mais popular da banda. “TUNING” caiu nas boas graças do público e disputa o momento mais forte da noite com os breaks de bateria à luz das velas.

No fim do dia, YAKUZA não deixou nada por tocar e até mostrou um tema por editar que deve fazer parte do próximo projecto de estúdio, mas fica o sentimento de que teria outro gosto escutar a banda numa sala pequena, cheia de fumo e com muitos lasers. Afinal, não há tuning sem neóns.



Já o primeiro concerto do dia ficou a cargo de Marlow Digs. Foi o viseense que, munido de um teclado MIDI e um gira-discos, deu início à festa pelas 19 horas num palco que, ainda que dentro do mesmo pequeno recinto, tinha como fundo o passeio e quem ali passava, o que levou a que vários transeuntes se juntassem do lado de fora.

Com referências jazz mas com espaço na sua sonoridade para boom bap e mesmo house, a música de Marlow Digs serviu para abrir o apetite para o que aí vinha, e enquadrou-se perfeitamente no óptimo fim de tarde, mas pedia talvez uma cerveja a acompanhar.

No lugar das tradicionais cadeiras amovíveis estiveram tapetes em frente ao palco, onde o ambiente solene da noite passada desapareceu para dar azo a uma vibração mais casual em linha com os planos originais para o festival e que a pandemia veio estragar. A vontade da organização sempre foi aproveitar ao máximo o espaço da Mata do Fontelo, com mais palcos e comes e bebes, mas infelizmente o enquadramento pandémico e do poder local não deixaram fazer mais.

De qualquer forma, o músico de Viseu não desiludiu e “apesar de não ser música que favoreça uma actuação ao vivo” – palavras do próprio – foi capaz de montar (com pouco) uma actuação interessante. Enquanto disparava samples no teclado, o gira-discos servia para trazer skits de A Guerra dos Mundos, de George Wells, e trechos do seu trabalho de 2020, Come Home, que, juntamente com temas de DRIMS Listen, fizeram a grande maioria da setlist que acompanhou o pôr do sol na Mata do Fontelo.


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