pub

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 23/07/2023

Um mar de gente circundou o coreto para ver o músico inglês em acção.

Kamaal Williams no Matosinhos em Jazz: jardim não é pista de dança

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 23/07/2023

Começo por remeter quem agora possa ler estas linhas para o parágrafo inicial do texto que deu conta da passagem de Susana Santos Silva e Kaja Draksler pelo gnration, em Braga, no passado dia 14 de Julho. Um par de dias mais tarde, há exactamente uma semana, portanto, Kamaal Williams apresentou-se no cartaz do Matosinhos em Jazz, na tarde seguinte à que viu Yazmin Lacey desempenhar idêntica tarefa (e, nesse caso, um fraco domínio dos poderes da ubiquidade não nos permitiu marcar presença).

Kamaal Williams tem sido nome central na presente geração que tem insuflado nova vida na ideia de “jazz britânico”, embora seja, confessadamente, a pessoa menos interessada em rótulos do mundo. Sob o seu nome verdadeiro, Henry Wu, lança música electrónica alinhada com o pulsar do house e do broken beat. Criou a Black Focus, editora que resgatou o seu nome ao trabalho mítico que lançou em parceria com Yussef Dayes, e com Wu Hen reafirmou uma visão em que um lado mais refinado do jazz é apenas uma das coordenadas de um som em que se cruzam também diferentes pulsares da electrónica com tudo vergado a uma abordagem francamente modernista — como vários dos seus pares envolvidos nesta mesma aventura de reinvenção, Kamaal Williams rejeita de forma enérgica qualquer tentação de revisionismo, qualquer deslize para terrenos “retro”.

Foi sob um sol generoso e perante uma ultrapreenchida plateia (a entrada é livre) parcialmente sentada e amplamente disposta em modo picnic nas zonas relvadas do jardim Basílio Teles que o teclista britânico se apresentou. O público resultava de uma curiosa mistura entre locais já adiantados na vida (que chegam cedo e ocupam as cadeiras disponíveis) atraídos pelo carácter gratuito do evento e a activação de marca que distribuiu muitos copos de rosé e também de um alargado número de visitantes (viu-se muita gente do Porto, de Braga e mais além) que sabiam perfeitamente ao que iam. 

Ladeado pelo saxofonista Quinn Mason e pelo baterista Arthur “Easy” Stevens — ambos de Atlanta, como fez questão de frisar — e ainda pelo synth bassist Javier Santiago, Kamaal apresentou um concerto largamente improvisado, onde, aqui e ali, assomaram melodias que se reconhecem dos seus trabalhos já editados, sobretudo do mais recente álbum, o já mencionado Wu Hen.

O concerto arrancou em modo etéreo, com a nuvem electrónica criada pelos sintetizadores de Kamaal Williams a darem a sensação de que o saxofone de Quinn Mason flutuava acima das árvores, com o som da folhagem agitada pela brisa tardia a adicionar camada extra de textura orgânica ao barulhinho bom gerado pelo quarteto. O tema foi evoluindo em toada livre e os primeiros solos arrancaram efusivos aplausos. Quer dizer, quando tal era reconhecido. Quando o baterista, aparentemente em modo circular, descartando a típica expansividade dos solos do seu instrumento em contexto jazz, retendo o groove, mas criando derivas quase microscópicas que lhe acentuavam as capacidades técnicas — combinando os elementos acústicos do seu kit com um pad de onde extraía sons percussivos electrónicos — teve o seu momento, os aplausos não apareceram porque simplesmente se supôs tratar-se de um simples keeping time enquanto os solistas se preparavam para nova ronda. Não era.

Todos os músicos no palco do coreto naquele dia eram sólidos e detentores de amplos recursos técnicos, ressalve-se, mas a música ali apresentada poderia ter outro impacto em contexto de clube: algo estranho ver Williams a conduzir o seu combo por temas de declinação broken beat e house tendo diante um público maioritariamente sentado ou deitado. A vibração que uma plateia mais “mexida” poderia fazer chegar ao palco não existiu ali e isso sentiu-se. Ainda assim, Kamaal esforçou-se, foi ultra-comunicativo, agradeceu o espírito de comunidade que jurou sentir existir ali, confessou-se tocado com o facto de as pessoas se juntarem ajudando dessa forma os músicos a superarem os efeitos ainda presentes do COVID e foi meditativo quando quis, justificando a presença dos banners da Smooth FM com um som bem suave, orgânico, planante. Mas, deste lado pelo menos, não se sentiu o “clique” que acontece quando uma plateia e um conjunto de artistas se elevam até um mesmo plano e vibram numa mesma frequência. Nada que se lhe possa imputar a ele ou sequer ao público, mas talvez ao conjunto de circunstâncias exteriores a ambos: o horário de fim de tarde e o local talvez expliquem isso, já que a música parece seguir em direcção oposta e soar declaradamente nocturna e “interior”.

Ainda assim tivemos todos a possibilidade de escutar material do novo álbum que editará ainda antes do final do ano — uma peça bem interessante e intrincada com o título “Strings” — e de ver em acção um músico que rejeita fronteiras (bom), que se está a marimbar para noções balofas de tradição (melhor ainda) e que tem na ponta dos dedos uma criativa sensibilidade capaz de arrebatar — e notou-se isso muito bem quando puxou pelo Grand Piano que também existe dentro do Nord Lead. Feitas as contas, valeu bem a pena. A repetir, evidentemente.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos