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K-Dot: A mensagem é mais importante do que o mensageiro

[TEXTO] Diogo Santos [FOTO] Direitos Reservados

Hoje, os problemas do mundo ocidental – e isto é tão feio de se escrever, que o Mundo é só um – são semelhantes. As classes médias e as gerações mais jovens, tanto aqui pela Europa como lá pelos Estados Unidos, enfrentam os mesmos dilemas. Sobretudo, o da falta de representatividade. A falta de símbolos. De ídolos. De mensageiros. De figuras que despertam curiosidades e que nos desafiam. Personagens que baralham e voltam a dar. Seres que não flutuam na maré mediática, nadam sobre ela. Kendrick Lamar tem sido uma destas figuras. Podem ser só rimas, batidas, flow e swag. Mas pode também ser muito mais do que isso!

À sua maneira, Beyoncé, Kendrick e outras tantas e outros tantos, são artistas de intervenção. Beyoncé é um ícone feminino. Talvez o mais mediático exemplo de que “Mulher” se escreve mesmo com M maiúsculo. E K-Dot é o rosto e a voz de uma geração que busca sinais tão simples como os da esperança, da solidariedade, da justiça… Na música, sobretudo na música, sempre me fizeram alguma confusão as conotações com alguns ideais políticos ou de outra índole qualquer. Mas hoje sabe-me tão bem ouvir uma malha rock dos Japandroids sobre um gajo que curte uma gaja, como depois fico a dissecar as rimas da “How Much a Dollar Cost”. Entendo, por esta altura, que há espaço para as duas coisas. Que, um dia, nos apeteça a canção fácil de encaixar. E, no outro, a faixa que até nos ajuda a canalizar as frustrações para uma coisa qualquer.

 



Kendrick Lamar teve o condão de aparecer, em grande, à hora certa e no local apropriado. O facto de ter sido apadrinhado pelo anterior Presidente dos EUA também ajudou, sobretudo a penetrar nos públicos onde o rap não entrava. Parece mais ou menos unânime que K-Dot é um dos melhores rappers da última década. Desde a escrita um pouco à lá contador de histórias, ao flow com que dispara rimas, à construção meio conceptual dos álbuns. Com To Pimp A Butterfly, uma obra sublime, Kendrick aproveitou – nem sei se esta é a palavra certa – a boleia da nova maré de violência racial nos Estados Unidos e, sobretudo, a divisão de um país que estava, então, à beira de entrar num dos processos político-mediáticos mais ridículos da sua história recente. Kendrick deixou, e parece continuar a deixar, que a mensagem seja maior do que ele. Tarefa lixada nesta cultura de egos. E sim, pelo meio assinou acordos com marcas desportivas. Vendeu muitos discos. Deu muitos concertos. Se ainda não era, ficou milionário. Faz parte.

E o que também faz parte, e este é o brilho de Kendrick Lamar, é a ideia de que muito poder traz consigo uma grande responsabilidade. K-Dot abraçou, sem grandes rodeios, o papel de mensageiro. Há qualquer coisa de diferente no rapper de Compton. O ar de miúdo pode ajudar a criar empatia. Talvez. Partindo do seu bairro, fala para uma audiência global, como muitos dos seus ídolos haviam feito, outrora, só para Compton e para Los Angeles. Outros tempos.

E são muitos os que assumem o papel de mensageiro. Atletas, actores, rappers, etc. Não faltam exemplos de figuras mediáticas que andam, dia após dia, a utilizar as suas redes de influência para passar mensagens. Pois, a cerimónia dos Óscares acontece só uma vez por ano. Um disco, um livro, um filme ou uma pintura… Estes podem acontecer a qualquer altura.

 



Noutras órbitas, o basquetebolista LeBron James até teve uma aparição meio ridícula num comício de Hillary Clinton, é verdade. Mas nunca teve problemas em se chegar à frente para denunciar o racismo e a violência. Sendo uma das vozes que mais alto se levanta sempre que o tema ganha tracção. Ainda nesta mesma modalidade, Jason Collins teve a coragem para assumir a homossexualidade, e dar a cara pela sua comunidade. Houve colegas de profissão que expressaram atrocidades como “jamais partilharia balneário com pessoas dessas”. Estão a ver o quão importante é ter mais seres humanos como o Jason Collins? Ou Colin Kaepernick, jogador de futebol americano, que tão vilipendiado foi por ter protestado contra o racismo e a violência, dando importância mediática ao tema. Trata-se, sempre, de utilizar a plataforma que cada um tem ao seu alcance para passar mensagens. Para, no limite, inspirar os outros. E, nos dias de hoje, não faz sentido que olhemos à nossa volta e nos encontremos meio despidos de referências. Seja no local de trabalho, onde os experientes foram trocados pelos dinâmicos. Seja na política. Seja na rua. Seja no desporto. Seja na música. Seja no cinema.

Kendrick Lamar, provavelmente, não vai alterar a rotação da Terra. E nem sabemos se ele próprio não acabará por mudar. Cá estaremos. Mas certo é que, para já, merece todo o apreço por não se esconder. Por ser mensageiro e abraçar esse papel. Por permitir e aceitar que a mensagem seja muito maior do que ele. Lançou o primeiro single do novo disco há 2 semanas e parece que amanhã haverá mais novidades. A mim, já me convenceu.

We gonbe alright.

 


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