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Fotografia: Iris Maximiano
Publicado a: 09/02/2024

Nação crioula.

June Freedom no Lisboa ao Vivo: chuva de estrelas lusófonas numa noite tardia

Fotografia: Iris Maximiano
Publicado a: 09/02/2024

7 SEAS é o trabalho que serve de mote à tour e consequente concerto que se realizou ontem no Lisboa ao Vivo. Depois de ter passado pela Alemanha, a digressão europeia de June Freedom passou pela capital portuguesa com a ideia não só de nos apresentar o seu novo longa-duração, mas ainda de revisitar o primeiro projeto no qual contou com a ajuda de vários artistas lusófonos e que trouxe ao palco da capital.

Em Lisboa, onde a língua não é uma barreira, a sala do LAV enchia-se pouco para lá de metade com um dos públicos mais diversos que presenciámos nos últimos tempos, isto até à hora marcada do concerto. Talvez devido à azáfama da quarta-feira, o certo é que mais fãs acabaram por chegar e a sala encheu. Notou-se no espaço que cada um tinha para pisar (cada vez menor), na temperatura e na própria acústica do Lisboa ao Vivo, que não sendo uma das salas mais especiais da cidade, muito melhorou desde que se deslocou da Rua da Cintura do Porto de Lisboa em 2019. Ainda assim, mal sabiam os curiosos menos pontuais que chegar a horas não seria requisito para ver um concerto do artista cabo-verdiano radicado nos Estados Unidos da América.

Bebemos uma cerveja enquanto esperávamos, fomos à casa de banho, viemos cá fora fumar um cigarro e demos por nós aborrecidos ao som de um DJ que, por melhor que execute o seu trabalho de warm-up, não substitui o artista principal. Quando olhamos para o relógio percebemos que estivemos à espera de June 59 minutos exatos quando o protagonista da nossa noite decide subir ao palco. Que os atrasos são comuns no mundo artístico, são sim senhor. Mas temos que nos perguntar porquê e olhar aos contextos: uma coisa é um concerto em nome próprio para um par de milhares de pessoas; outra é um festival, cujos horários das atuações estão dependentes da pontualidade dos artistas anteriores, das equipas de palco e da logística própria de um grande evento. Mas, enfim, não descriminemos.

Quando finalmente subiu ao palco, June apresentou-se e cumprimentou o público em inglês, e nem mesmo em português foi capaz de pedir desculpas pelos 59 minutos exatos de atraso. Em vez disso, e talvez fosse mesmo a melhor emenda, abraçou as horas e focou-se em dar ao público aquilo que ali tinham vindo para ver e experienciar — a sua música.

Dançável e de aroma africano, com batidas que nos remetem para kizomba ou kuduro, a música de June mistura-se com os aspetos mais desejáveis da pop. A mesma mistura no que ao público diz respeito, já que este som atrai tanto os ouvintes mais cosmopolitas como os das periferias, com bastantes adolescentes a marcar presença em pequenos grupos dispersos na multidão, composta maioritariamente por descendentes cabo-vedianos. Compreensível, já que as origens do próprio June Freedom remontam ao orgulhoso arquipélago africano.

Ao vivo, esta música é infinitamente mais crua, beneficiando da instrumentação live com guitarra, baixo e bateria. Notamos o funaná mais ao de cima, sem que esteja enterrado em camadas de filtros e de produção musical, e também o rock é inevitavelmente evocado pelos solos de guitarra e as secções que rítmicas que a acompanham numa atuação em que só as vozes de apoio não parecem ser produzidas ao vivo.

Tudo isto confere às atuações de Freedom uma forte componente propícia a este tipo de espaços. A música e o seu ritmo beneficiam do calor humano de um club como o LAV, mas apenas à custa da experiência da audição, da qual perdemos mesmo muito. Em suma, para este artista em concreto, uma atuação ao vivo e um disco não são, de forma alguma, experiências semelhantes.

Ao longo da atuação, June provou-nos que a sua tour só peca por tardia. Visivelmente contaminado pela sua própria música, a atuação transcende a experiência de audição mais clean que advém da escuta do álbum. Conversador, explicou ao mais desatentos as desumanidades e desigualdades pelas quais o mundo vai passando fora desta sala.

Infelizmente, fruto do ócio e do largo atraso de June Freedom, não conseguimos acompanhar a maior parte do espetáculo, e deixamos por isso as nossas desculpas. De entre o largo e convincente rol de convidados anunciados — Nelson Freitas, Loony Johnson, Dino D’Santiago e Djodje — apenas ouvimos o primeiro em “Dor D’um Kriolu”. E para aqueles que, melhor que nós, souberam ficar e agora lêem este texto até ao fim, fica a confirmação de que o novo projeto do holandês de origem cabo-verdiana tem data de lançamento marcada para 23 de fevereiro. A fonte não podia ser melhor — foi o próprio Nelson Freitas, em cima do palco, quem o disse.


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