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Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Theatro Circo
Publicado a: 12/07/2025

Música para colorir espíritos.

Julho é de Jazz’25 – dia 5: fantasmas que não assustam

Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Theatro Circo
Publicado a: 12/07/2025

A segunda e última semana da edição deste ano do Julho é de Jazz arrancou na passada quinta-feira, 10 de Julho, sob a batuta de Zoh Amba, que esteve ao leme do seu Sun Ensemble. O Rimas e Batidas juntou-se novamente à festa ao dia de ontem, 11 de Julho, para retomar a missão de reportar mais uma ronda de concertos que decorrem na cidade de Braga, agora ligeiramente mais alegre por, nas redondezas das duas salas que acolhem este ciclo, o Theatro Circo e o gnration, estar montado o Vinho Verde Fest, que providencia o néctar perfeito para acompanhar estas sessões de jazz ao vivo.

Do Jardim da Avenida Central desce-se para a Avenida da Liberdade, rumo a centenária casa de espectáculos bracarense que tantos grandes nomes dos diferentes quadrantes da música — nacional e internacional — traz até à cidade minhota. Por esta altura, o jazz é quem mais ordena, e Mary Halvorson é a estrela da noite, uma daquelas que tem cintilado imenso nos últimos anos, especialmente desde que criou o sexteto Amaryllis, o projecto que a traz de volta a Portugal. A história começou em 2022, quando este grupo fez a sua primeira aparição em disco — o homónimo Amaryllis, selado pela Nonesuch Records —, tendo sido a primeira vez que Halvorson compôs para um conjunto de músicos tão grande, aplicando a sua intrincada e vanguardista técnica de criação a uma sonoridade mais próxima da das big bands. Três anos se passaram, com muita estrada e mais um álbum, Cloudward (Nonesuch, 2024) no currículo, até ter chegado, há precisamente um mês, ao seu mais ambicioso registo até à data, levando o sexteto a evoluir para octeto numa boa parte das malhas contidas em About Ghosts, selado uma vez mais pela Nonesuch. Em entrevista ao Rimas e Batidas, Mary Halvorson falava da importância de “não estar constantemente a fazer o mesmo tipo de álbuns”, e por isso desafiou-se a protagonizar um step up ao seu jogo de cintura ao nível da composição, adicionando um par de saxofones à equação sem comprometer o equilíbrio sónico, até porque, ao vivo, Amaryllis continua a ser um sexteto e as apresentações não podem ficar reféns dos sopros que Immanuel Wilkins e Brian Settles protagonizam em disco.

No Theatro Circo, a ausência dos dois saxofones não foi nenhum fantasma que viesse assombrar a performance. Mesmo com o recém-lançado About Ghosts a servir de principal fonte de matéria sonora para o espectáculo, os seis músicos em palco preencheram todas as zonas do espectro do som com a respectiva mestria em cada um dos seus instrumentos. As baquetas de Patricia Brennan pareciam patinhas de aranha pela forma ágil com que percorriam cada tecla do vibrafone, enquanto a artista efectuava uma espécie de dança da cintura para baixo para reposicionar o seu corpo e ter os seus braços ao alcance as diferentes notas. Quase em transe, Nick Dunston ia abanando a cabeça de olhos semi-serrados, completamente embrenhado pela música para a qual contribuía com sequências de graves bem ritmadas e nada repetitivas no seu contrabaixo. Tomas Fujiwara é um verdadeiro monstro na bateria, com um leque de recursos técnicos que parece infindável e uma maleabilidade que lhe permite groovar em todo o tipo de ritmos. Adam O’Farrill e Jacob Garchik, no trompete e trombone, respectivamente, foram cirúrgicos sempre que eram chamados a participar no som da banda, capazes de embelezar os temas com pequenos apontamentos e nuances melódicas ou de lhes dar uma força redobrada quando sopravam a plenos pulmões. Halvorson, de vestido comprido verde a fazer lembrar Luigi na mansão assombrada do famoso jogo da Nintendo, capturava todos os espíritos em redor e dava-lhes cores, fazendo especial recurso de bendings para produzir sons realmente fantasmagóricos, mas sempre num sentido bem alegre da coisa.

Num Theatro Circo talvez a meio da sua lotação total, a plateia manteve-se atenta ao longo de mais de uma hora de actuação, e mesmo perante as muito poucas palavras da artista principal, deu sinais de estar completamente ligada ao que se passava em palco. Uns abanavam-se na cadeira, como que presos ao assento de uma montanha russa a vibrar sempre que a música era mais mexida, outros gritavam e aplaudiam sempre que detectavam um climax por entre os temas — em especial nos solos, onde brilharam particularmente Brennan, Fujiwara e Garchik. A viagem começou expansiva, mais abstracta e dada à exploração de cadências menos ritmadas, e foi-se tornando cada vez mais concreta à medida que o tempo passava, ganhando uma musculatura que adoptou formatos próximos do rock, com algumas nuances de funk ou até drum & bass.

Ainda tocaram “Amaryllis”, do primeiro disco, antes de partirem para a derradeira composição, que fez todos os presentes se levantarem para aplaudir os músicos na despedida. As palmas duraram talvez um par de minutos até que todos voltassem às suas posições para o habitual encore, mas este nem parecia propriamente estudado. Entre sorrisos, Halvorson disse que não tinham sequer a certeza de qual das faixas do seu repertório iriam repescar desta vez, mas após uma breve reunião lá tomaram a decisão de nos dar aquela que foi, provavelmente, a proposta menos efusiva de todo o alinhamento. Problemas com isso? Zero. Já estávamos de papo bem cheio por ter tido a oportunidade de ver músicos deste calibre a desbundar ao som das criações de uma das mais reputadas e inventivas guitarristas e compositoras da actual era do jazz. Só podemos aplaudir uma vez mais.


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