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Fotografia: Joseph Bishop
Publicado a: 27/06/2022

Como se tivesse regressado aos tempos do SoundCloud.

Jordan Rakei: “A terapia ajudou-me a confiar muito mais nos outros e a não julgar tanto todas as decisões no processo criativo”

Fotografia: Joseph Bishop
Publicado a: 27/06/2022

Jordan Rakei tem estado ocupado desde a última vez que se sentou à conversa com o Rimas e Batidas, em Fevereiro de 2020. O multi-instrumentista, cantor e produtor australiano, radicado em Londres há vários anos, aproveitou o momento pandémico para olhar para si mesmo. A introspecção, ajudada pela sua incursão no universo da terapia e da psicologia positiva, resultou no seu quinto longa-duração, What We Call Life, lançado em Setembro de 2021 pela icónica Ninja Tune, naquele que é o disco mais introspectivo e expansivo da sua carreira. 

Mas Rakei não se limitou apenas a lançar o melhor trabalho da carreira nos dois últimos anos. Em 2020, meros meses depois de se iniciar a quarentena, colocou o seu alter-ego para fazer música de dança, Dan Kye, a trabalhar com o (excelente) Small Moments, foi um dos artistas convidados para fazer parte da compilação Blue Note Re:imagined, obra em que vários artistas contemporâneos das cenas de jazz, soul e r&b britânicas abordaram canções da ilustre Blue Note Records, e começou um Patreon onde descobriu a sua vocação para o ensino e para a partilha de truques e dicas de produção e composição. Em 2021, além do lançamento de What We Call Life, foi convidado para fazer curadoria de uma edição da Late Night Tales (e por lá incluiu uma canção da “nossa” MARO), e, já em 2022, regressou aos lançamentos com Bruises, um curta-duração em que explora sonoridades como o dub e o reggae, voltando a lembrar a versatilidade que é sua imagem de marca desde os tempos do SoundCloud.

Para recuperar o tempo perdido e preparar o regresso a terras portuguesas com a sua passagem como uma das cabeças de cartaz da próxima edição do EDP Cool Jazz – sobe a palco a 28 de Julho, o mesmo dia que Moses Boyd -, o ReB sentou-se, remotamente, à conversa com o artista para conversar sobre tudo o que aconteceu nos dois últimos anos e ver o que ainda virá no futuro.



O teu mais recente EP, Bruises, lançado em Março, é um trabalho discográfico que prova – mais uma vez – o quão versátil és como artista, bebendo influências de estilos como o dub e o reggae. O que te inspirou a criar o EP e a trabalhar em torno dessas sonoridades?

Eu penso sempre no EP como uma forma muito mais divertida de lançar música porque é menos rígido, ou seja, não precisas necessariamente de coesão de som como tens de ter num álbum. E com o EP [Bruises], eu queria mostrar sons diferentes. “Bruises”, como disseste, é reggae, e a “Defection” é mais soul e jazz, e depois a “Lightning” é… não sei, rock, electrónica. Mas de uma forma estranha, por causa da minha voz, fica tudo coeso, porque estou a cantar de uma forma semelhante em todas. E eu fiz o EP [Bruises] porque queria mais música para tocar nos meus concertos. Quando fiz o meu último álbum [What We Call Life], só 11 faixas foram incluídas, mas eu escrevi para aí 25. Então, eu queria lançar mais música, basicamente. [Risos]

Disseste que um EP, para ti, é só uma forma mais divertida de lançar música. Essa abordagem para com EPs alterou-se desde os teus dias no SounCloud?

Mais ou menos. Eu era jovem e não conhecia a indústria e não tinha ainda lançado um álbum também. Nesses tempos [do SoundCloud] estava a fazer música por diversão e só fazia aquilo que gostava. Quando faço um álbum agora, é muito mais focado, tudo para mim tem de soar semelhante, as letras precisam de estar alinhadas. E acho que EPs são uma excelente forma de colocar mais música cá fora. Tens muito mais liberdade e estás-te a divertir, um pouco como nos tempos do SoundCloud. Para mim, este EP [Bruises] foi o equivalente a lançar quatro faixas no SoundCloud! [Risos]

Dizes que um álbum, para ti, tem de ser focado, pensado. O teu mais recente longa-duração, What We Call Life, lançado em Setembro do ano passado, é interessante nesse sentido, porque além de soar ao culminar de tudo o que fizeste para trás, soa também ao mais pensado. Na última entrevista que concedeste ao Rimas e Batidas, há dois anos, dizias que querias que as pessoas entendessem que os teus “álbuns não são apenas alguns beats nos quais eu canto”. Sentes que conseguiste passar essa mensagem com What We Call Life?

Definitivamente. E como disseste, eu sinto que o What We Call Life é, de certa forma, o final de uma era. Eu fiz recentemente 30 anos, mas vejo esta era [até What We Call Life] como os meus 20s. E What We Call Life é uma espécie de colecção de música soul, música electrónica, com elementos de jazz e percussões mais abstractas. De certa forma — e eu brinco com a minha banda a dizer-lhes isso – é o meu álbum mais estranho, mas ainda sou eu a dar corpo a todos os sons que explorei ao longo dos anos, mas de uma forma mais intensa. O álbum é, de algum modo, bastante intenso comparado com as minhas cenas mais antigas, que são mais felizes, divertidas e fáceis de ouvir. O novo álbum tem muitas mais camadas, muita coisa a acontecer ao mesmo tempo.

Há muitas texturas ao longo de What We Call Life que me lembram algo do In Rainbows, o disco dos Radiohead.

Isso é um grande elogio! Vou aceitar de bom grado! O In Rainbows é, tipo, top 5 de álbuns para mim. E, novamente, eu brinco muito com a minha banda, a dizer-lhes, que se conseguirmos trazer o wall of sound que os Radiohead conseguem fazer para qualquer estilo, seja este indie, indie rock, folk ou jazz… Simplesmente [o wall of sound] eleva a qualidade da música, percebes? E, de certa forma, a música que lancei é uma espécie de soul electrónica, mas com elementos da música dos Radiohead em cima. Isso é que a torna diferente [à sua música].

Há alguns momentos de What We Call Life em que exploras caminhos sonoros que não tinhas explorado antes, como “Illusion” e a faixa que dá título ao disco [“What We Call Life”], que puxam influências do synthpop dos anos 80. Como é que esse estilo surgiu no teu estilo?

A ”Illusion”, especialmente. Eu fiz muita da música [do What We Call Life] – não as letras, mas sim a música em si – no estúdio com amigos, no meio de uma zona rural, para onde trouxemos todos os nossos teclados e sintetizadores. E a “Illusion” surgiu numa manhã onde estávamos todos frescos, cheios de energia, muito felizes e a fazer piadas, e começámos a tocar o arpeggio [que se ouve na “Illusion”] num dos sintetizadores e lembro-me que começamos todos a rir e a dizer que aquilo não soava ao Jordan, mas sim ao The Weeknd – mais synthpop, como disseste. Mas houve qualquer coisa naquele dia, naquela sessão de gravação, que foi tão divertido que acabou por ir parar ao álbum porque representa, de alguma maneira, como foi todo o processo de o fazer. Muito do álbum é bastante escuro e cinematográfico, enquanto isto [a “Illusion”] é o contrário. É synthpop pujante, que tem uma vibe que lembra os The Police ou Gotye, algo desse estilo. Eu adoro esse tipo de música também, mas enquanto Jordan, o artista, nunca tinha feito nada assim antes, e achei que foi bastante divertido colocar isso no disco.

What We Call Life é também o teu disco mais introspectivo. O que te fez olhar mais para dentro neste teu mais recente disco? No seu antecessor, Origin, fizeste quase o contrário, olhaste para aquilo que te rodeava e contemplaste os efeitos de tecnologia na sociedade.

Eu terminei toda a música [do What We Call Life] antes da pandemia ter acontecido. Mas eu abordei este disco de forma diferente comparada com outros que fiz no passado. Geralmente, eu compunha as músicas no piano e escrevia as letras ao mesmo tempo e só depois eu iria produzi-las e gravá-las. Para o What We Call Life, isso não aconteceu. Eu escrevi todas as músicas como instrumentais primeiro e depois fiquei fechado em casa durante um ano por causa da pandemia. E é muito mais sombrio e deprimente estar fechado em casa e isso inspirou-me a pensar sobre a minha infância, os meus pais, a minha relação, a minha família – essas coisas. Tornou-se num disco [o What We Call Life] muito mais introspectivo, a nível lírico, porque era só isso em que estava a pensar durante a quarentena porque não havia mais nada em que pensar. Não estás a fazer nada durante os teus dias, e acabas a escrever sobre isso. É uma espécie de diário, até certo ponto.

A primeira faixa do disco, “Family”, coloca-nos imediatamente perante esses temas. Sei que durante o processo de criação de What We Call Life, estiveste a fazer terapia. De que forma é que fazeres terapia impactou a escrita do álbum?

Bem, [a terapia] fez-me pensar sobre… Eu reflicto muito. Quando medito estou sempre a pensar em como me sinto, sobre o que estou a pensar. Mas a terapia ensinou-me a aceitar elementos da minha infância porque eu sinto que através dela aprendi que coisas que me afectaram na minha infância afectam como eu sou agora como pessoa. Então, quando tu voltas atrás e redescobres coisas que aconteceram, podes agora confrontá-las de uma forma mais positiva. Podes abordá-las com um olhar mais positivo e superar muitas dessas coisas. Eu aprendi muito [na terapia] sobre mim mesmo, sobre as minhas fobias, os meus medos, esse tipo de coisas. Então, quando aprendi sobre essas coisas, inspirei-me a escrever sobre isso, acho eu. E a “Family” foi uma cena em grande porque tem uma letra mesmo pessoal sobre o divórcio dos meus pais. Nessa altura, isso não me incomodou porque era ainda um adolescente e estava só a jogar videojogos [risos]. Mas quando és um adulto, olhas para trás e começas a pensar o quão difícil deve ter sido para os teus pais passar por isso. E foi isso que fez. Eu reflecti sobre isso e escrevi uma canção sobre o tema.

Relaciono-me com o que dizes e com o que cantas em What We Call Life porque comecei a fazer terapia mesmo antes da pandemia e acabei a passar muito do tempo da quarentena a reflectir também.

Oh, obrigada! Isso é o que eu adoro sobre escrever música. Eu às vezes nem sei bem pelo que estou a passar, mas acabo por descobrir quando estou a escrever a letra. Há uma faixa no disco – a faixa título [“What We Call Life”] – que escrevi sobre uma experiência que tive quando era criança, talvez com 7 ou 8 anos de idade, e senti que estava preso na minha própria casa. Havia uma festa na minha casa e eu era uma criança tímida e ansiosa e estava cheio de medo de ir cumprimentar toda a gente [risos]. Então, essa canção é sobre isso. O refrão – “Is this what we call life?/ Is this anything I ask for?” – é uma espécie de pergunta existencial importante à altura que significa algo do estilo: “Vou ter que viver com este medo, de ficar preso por causa de interacções sociais, o resto da minha vida?” E agora, enquanto adulto, ao reflectir sobre esse momento, foi algo como ir ao encontro do Jordan em criança e dizer-lhe que “está tudo bem, vais ultrapassar isso, continua a jogar os teus videojogos”. Mas, sim, a terapia ajuda-te a perceber o quanto estás a guardar para ti e escrever sobre isso ajudou imenso.

Isso lembra-me uma das minhas sessões de terapia, quando a minha psicóloga me disse para visualizar-me em criança e dizer-lhe que ia ficar tudo bem. Chorei imenso com isso.

Também eu! [Risos] Também eu.

Estive a ver o documentário que acompanha What We Call Life e reparei que contaste lá que nunca pensaste deixar outras pessoas liderar sessões para um disco. A terapia também ajudou a alterar a forma em como abordaste a composição neste álbum?

Talvez, porque quando tu falas com alguém e tornas-te vulnerável acabas a deixar cair certas barreiras que tens. E acho que isso ajudou-me a abrir-me mais e a confiar muito mais nos outros e a não julgar tanto todas as decisões durante o processo criativo. No passado, eu envolvia-me em todas as camadas de cada faixa. Mesmo se contratasse outro guitarrista, eu dizia-lhe: “Quero que toques exactamente assim”, esse tipo de cenas. Mas, neste disco, eu coloquei pessoas que respeitava no interior de um só espaço e todos tínhamos esta ideia em comum de para onde iríamos. Eu não fui extremamente perfeccionista nem pensei demasiado. Deixei toda a gente fazer a sua própria cena e foi incrível. Foi uma experiência criativa incrível porque tu percebes, quando deixas os outros falar criativamente, que tanta coisa acontece. Acho que, de certa forma, é uma espécie de metáfora. Quando reprimes a criatividade de alguém da forma como as pessoas reprimem os traumas que têm dentro delas, também vai te prender da melhor forma que encontrares.

Este “novo” processo criativo também ajudou a encontrar as novas camadas para o som do Jordan que se ouve em What We Call Life?

100%. Neste novo disco, há tantos sons loucos de sintetizadores. E muita da produção das baterias electrónicas também foi feita em conjunto por mim e pelo meu baterista [Jim Macrae]. Mas ele tem uma mente…! Ele tem uma coisa chamada sintetizador modular, que é uma forma absolutamente louca de fazer produção de baterias. E eu estava a vê-lo a trabalhar e tudo aquilo que podia fazer, já que não o usava [ao sintetizador] assim tanto, era fazer beatbox de algo e ele recriava. Há uma faixa em específico do álbum – quer dizer, há várias que utilizam baterias moduladas -, mas a “Wings”, que aparece na parte final do álbum, é muito abstracta com aquela produção eletrónica, e o meu baterista fez muitos desses beats.

Algumas das partes mais electrónicas deste disco, e algumas passagens vocais já agora, lembra-me algo que o James Blake poderia fazer.

Sim. Antes de mudar-me para Londres, ele [o James Blake] era o meu ídolo absoluto. Eu estava a mudar-me para Londres para estar mais próximo do James Blake [risos]. Mas ele ainda é um dos meus ídolos. Ele explora os limites da cena com sua voz e a sua música extremamente abstracta.

Gostaste do disco dele do ano passado [Friends That Break Your Heart]?

Gostei, mas pensei… Eu tento não fazer isto, porque sei que as pessoas fazem isso comigo também. Estão sempre a dizer-me, “Jordan, gosto muito da tua música antiga!”, e eu respondo: “O meu novo disco é muito melhor!” [Risos] Mas ele [o James Blake] está a fazer agora música sobre a qual não sei muito sobre esse mundo, o do trap americano. Eu gostei muito de parte dele [de Friends That Break Your Heart], mas achei que a outra parte não era bem exactamente aquilo que gosto. Mas, ainda assim, sempre que ele lança um álbum, eu vou ouvir cinco vezes para aprender algo. É uma espécie de educação.

Ele está a fazer coisas bem distantes da electrónica revolucionária com que começou a década de 2010.

Concordo. É mais minímo e bonito, quando antes era épico e exuberante.

Mas gosto muito da voz dele nestes discos mais recentes. Soa belíssima.

Acho que ele melhorou como vocalista!

O documentário que acompanha What We Call Life também me surpreendeu porque, no final, acabei a ver os vídeos assinalados como mockumentary também. De onde surgiu a ideia de incluir esse segmento?

[Risos] Isto é bastante engraçado até. O humor britânico é bastante seco e sarcástico e, então, quando lancei esses mockumentaries primeiro, eu não lhes chamei mockumentaries. Eram só chamados de documentários. Então, muita da minha audiência americana achou que era real porque humor seco na América não é bem uma cena. Então, muitas pessoas ficaram a acharam que eu era um líder sem escrúpulos e esse tipo de cenas, que eu era um falhado desagradável. Mas eu adoro comédia. Comédia é uma grande parte da minha vida e quisemos fazer o mockumentary para mostrar a vibe de família que eu e os meus amigos tivemos a fazer este disco. E foi por isso que o fizemos e foi mesmo engraçado.



Durante a pandemia começaste uma página de Patreon onde fazes tutoriais e arranjaste novas formas de conectar com os teus fãs. Com o reiniciar dos concertos, como estás a gerir esse projecto lado a lado com os teus restantes esforços para fazer música?

Tem sido muito muito fixe. Quando comecei [o Patreon] tinha a ideia de construir uma comunidade de pessoas onde se ensinavam umas às outras e, agora, é uma comunidade gigante por si só. Mas eu aprendi, desde que comecei isto há dois anos, que adoro ensinar e partilhar truques e dicas. Em Maio de 2020, eu fiz uma cena grátis no YouTube, uma espécie de tutorial, e correu muito bem. Muitas pessoas enviaram-me mensagem a dizer que as ajudou muito. E foi por isso que criei todo este lado de ensino da cena, porque adoro fazê-lo. Há também muitas cenas de bastidores e muito conteúdo onde eu aprofundo sobre faixas do novo álbum e de álbuns mais antigos e falo das decisões criativas a um nível mais avançado. Não é só, “eu escolhei esta guitarra porque soa bem”. É mesmo falar de detalhes e decisões de produção. E tem sido muito divertido porque me manteve alerta para o que posso partilhar a seguir. Isso pode ajudar as pessoas a crescer como produtores e compositores e a perceber como se pode ter uma carreira sustentável enquanto músico enquanto negócio, –porque isto é um negócio complicado para as pessoas que ainda estão a começar. 

Em 2021, foste convidado para fazer curadoria de uma edição da compilação Late Night Tales. Como surgiu essa oportunidade?

Eu sou fã [das compilações Late Night Tales] há anos e eles entraram em contacto comigo e perguntaram-me se eu queria fazer curadoria da próxima edição. A ideia toda para mim, da compilação, foi seleccionar música que se assemelhasse a estar na “late night”, e para mim, isso é música que é, de certa forma, relaxante. Então, muitas das canções são de amigos meus e de pessoas de quem eu sou um grande fã. Mas foi algo complicado de se fazer, porque estás a colocar muitas canções diferentes de artistas diferentes numa compilação e é suposto que soe como um álbum só. Então, eu achei muito complicado construir uma narrativa e um encadeamento sonoro, de electrónica para indie, de coisas mais atmosféricas para coisas com vocais. Então, foi mesmo complicado escolher as músicas e a ordem delas. Mas diverti-me muito a fazer a compilação porque ajudou a desenvolver o meu talento como tastemaker e agora, não sei, mas gostava de ter um programa de rádio ou ser um DJ, porque é mesmo divertido escolher canções para tocar.

Não pude deixar de notar que a compilação incluía uma faixa da MARO, uma artista portuguesa. Como é que te deparaste com a música dela?

Eu fui, e estou a tentar lembrar quando foi, mas foi para aí há uns três anos ou quatro, ver um concerto do Jacob Collier e ele tinha a MARO a tocar teclas e guitarra e a cantar. E ela deixou-me no chão. O Jacob Collier é incrível. Há tanta coisa a acontecer na música dele e ela conseguiu acompanhar durante todo o concerto e ainda cantava. Louco. E eu só pensava: “Quem é esta pessoa?” E desde aí sigo-a nas redes sociais e ouvi todos os discos dela. Ela tem uma voz incrível, muito calorosa e é super relaxante. Lembra-me uma espécie de José Gonzaléz misturado com um bocado de Laura Marling. Mas ela é uma artista incrível. Ela é muito abstracta, gosto muito dela. Ela é portuguesa, obviamente [risos], mas adorava trabalhar com ela um dia.

Sei que és um grande fã do Jeff Buckley e a tua compilação Late Night Tales inclui uma cover tua da “Lover, You Should’ve Comer Over”, uma das faixas do Grace. Como é que foi gravar a tua versão?

Foi assustador porque ele é o meu vocalista favorito de todos os tempos! E eu antes dizia à minha banda, há anos, que nunca faria uma cover de uma canção do Jeff Buckley, sentia que não lhe conseguiria fazer justiça porque ele era tão incrível. Mas tentei à mesma [risos] e decidi não fazer à maneira dele para conseguir que funcionasse com a compilação e com a forma como eu canto. Então, fiz-la muito mais atmosférica e espaçosa, como uma balada, para a tornar mais emocional. E é uma espécie de cover e remix ao mesmo tempo, porque a minha versão acaba a fluir para se tornar a “Codex” dos Radiohead, que são outro dos meus artistas favoritos – em termos de bandas. Então, foi como combinar duas das minhas pessoas favoritas numa só uma canção! E foi assustador. Quando estava a tentar gravar, sentia, para aí na 50ª tentativa, que não estava bom o suficiente, que o Jeff não ia gostar. Mas acabei por voltar à minha segunda tentativa e manter aquela energia. Soa bem o suficiente! [Risos]

 A “Lover, You Should’ve Comer Over” é a tua música favorita do Jeff Buckley?

Não. A minha música favorita do Jeff Buckley é outra do Grace, a “Dream Brother”. Mas todas as canções do Jeff Buckley são a minha canção favorita do Jeff Buckley.

Há uma canção do teu segundo disco [Wallflower] chamada “Lucid”, que me lembra muito os maneirismos do Jeff Buckley a cantar no Grace.

Definitivamente. É engraçado, porque eu cresci a ouvir Jeff Buckley e depois fui para a universidade e comecei a ouvir hip hop e esse tipo de cenas. Mas quando estava a escrever o Wallflower, voltei-me a apaixonar pelo Grace, e essa faixa, a “Lucid”, é uma canção que assenta numa guitarra acústica e a forma como o Jeff Buckley oscila melodicamente foi extremamente inspiradora para a sua criação – quer dizer, influente e inspiradora [risos] – porque é assim tão bonita. Não sei, é muito carregada de emoção. Eu costumava ser um vocalista bastante rítmico e soulful, mas depois tive a minha redescoberta do Jeff Buckley [risos] e, além de fazer essa cena rítmica, também tenho este estilo mais emocional, de lamento, quase a chorar. Isso é a influência do Jeff Buckley, e o Thom Yorke também tem isso. A “Lucid” ainda é uma das minhas canções favoritas que já fiz. Gostava de a fazer outra vez e adicionar um par de coisas [risos], mas continua a ser das minhas favoritas.

Podes sempre tocá-la ao vivo e adicionar essas coisas que queres!

Sim, isso é verdade! [Risos]

No teu primeiro disco [Cloak] consegue-se ouvir mais esse estilo soulful, e do Wallflower para a frente ouvimos muita mais emoção nos teus vocais. Há uma evolução notória.

Definitivamente. E gosto de pensar que, agora, é uma mistura de ambos os estilos, tanto em estúdio como ao vivo, porque toco música nova, mas também antiga. Há momentos do meu set onde estou a cantar percussivamente, como o D’Angelo ou o James Brown, e depois passo para uma balada emocional e estou a cantar como o James Blake ou o Jeff Buckley. Mudo o meu registo consoante a emoção que estou a tentar transmitir.

Essas mudanças ajudam a trazer dinâmicas extra aos teus concertos, não?

Sim, e é por isso que o gosto de fazer. Mantém as cenas interessantes. Se não era só uma hora e meia de hip hop soulful e podia ficar aborrecido. É fixe variar.

Com o abrir das cenas e dos convívios, dei por mim a voltar ao disco que gravaste em 2020 como Dan Kye, o Small Moments. Com a vontade das pessoas a querer voltar a dançar, é de esperar um regresso triunfante deste alias em breve?

Honestamente, eu adoro fazer música enquanto Dan Kye. Sinto que isso é o que quero fazer a seguir, porque quando fiz esse álbum [Small Moments]… Eu fiz esse álbum no primeiro mês da quarentena em 2020, em Março. Então é engraçado, fiz um disco de club com os meus headphones dentro de um quarto frio [risos] e não o pude ouvir numas colunas gigantes até ao Verão de 2021, quando o Dan Kye – bem, quer dizer, eu enquanto Dan Kye – tocou num festival. Mas desde que toquei nesse festival, fiquei “caraças, esta música é feita para isto!”, sabes? Pessoas só a dançar, a sorrir e a acenar. Então, é isso pelo qual estou excitado para fazer a seguir. Quero fazer um disco de Dan Kye a seguir, mas, novamente, não quero nada pensar demasiado nisto. Com os discos do Jordan, eu sou mesmo meticuloso, estou só a pensar em como quero soar e no que quero falar. Mas como Dan Kye eu só quero fazer música que é divertida. Escolho as 8, 10 melhores faixas, e é isso que vai parar ao álbum.

Falando em música de dança, este ano colaboraste com o Bonobo numa das faixas [“Shadows”] do seu novo disco, Fragments. Como é que essa colaboração surgiu?

Nós já nos conhecemos há algum tempo e eu cheguei a abrir para ele em 2018, em Londres. Desde aí que andamos os dois a fazer a clássica dança da conversa através das redes sociais e, eventualmente, ele [o Bonobo] começou a fazer este disco [Fragments] e eu era um dos vocalistas que ele tinha em mente. Mas quando surgiu o convite ainda estávamos em quarentena e, então, ele enviou-me o álbum. E como eu estava excitado com a ideia de participar na faixa [“Shadows”], enviei-lhe três versos e refrões diferentes, e acabou por ser engraçado, porque ele disse que adorou o verso da primeira versão mas o refrão da terceira. E acabou a combiná-los, sabes? Ele podia escolher o que curtisse. E foi uma forma bué fixe de trabalhar, porque geralmente, quando faço uma colaboração, estamos no estúdios e é muito mais fácil trocar ideias. Mas como havia uma quarentena tinha de ter a certeza que lhe dava opções suficientes para ele ficar feliz.

Antes da pandemia, tocaste em Portugal quatro vezes em dois anos. Há alguma história desses concertos que ficou contigo para relembrar?

Sim. O primeiro concerto que dei [em Portugal] foi no EDP [Cool Jazz] em 2018. Eu estava a abrir para a Jessie Ware, acho, e íamos tocar neste espaço ao livre, que era incrível. E nós – eu e a minha banda – nunca tínhamos vindo a Portugal e adorámos tudo do build-up para o concerto. Quando estávamos a fazer o soundcheck, estava tanto calor. Era suposto estarmos em palco, a fazer o soundcheck, mas estávamos no meio do público a apanhar sol [risos], sentados ali no meio. É a minha memória desse concerto, porque foi a vez em que estávamos mais relaxados quando subimos ao palco. E depois o público foi super simpático e caloroso, e sinto que as pessoas portuguesas são muitos amigáveis e simpáticas. Às vezes, quando andas em digressão pela Europa, as pessoas podem-te dizer, “bom concerto!”, mas é um bocado frio, entendes? Mas as pessoas que conhecemos no meio do público estavam do tipo: “Oh meu Deus!” Estavam mesmo felizes. Nesse concerto estavam lá muitos estudantes de jazz também. Conheci muitos músicos, isso também foi muito fixe. E agora vou voltar para ser headliner, por isso mal posso esperar para voltar a repetir a experiência.

E o é que podemos esperar desse teu regresso ao EDP Cool Jazz como cabeça de cartaz no próximo dia 28 de Julho?

Como já passaram uns anos desde que toquei em Portugal pela última vez, vou tocar música mais recente mas também coisas mais antigas. Vão poder ouvir música de todos os lançamentos que já fiz. Adoro fazer coisas desse estilo e tocar música mais antiga para garantir também que é divertido para todos em palco e que haja variação. Há muitos medleys, porque agora tenho muitas canções. Tenho cinco álbuns já, não é? Então, às vezes colocamos quatro canções de seguida num medley gigante. Isso é muito divertido, fazer esses medleys. E também tocamos versões ao vivo de canções de Dan Kye, que é mega divertido também. Vai-se ouvir isso também. Vai ser muito divertido e espectacular.


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