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Publicado a: 28/10/2017

João Retorta: “O videoclipe é uma ferramenta para me fazer crescer enquanto realizador”

Publicado a: 28/10/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] João Retorta

Loyle Carner é, sem sombra de dúvida, um dos nomes mais relevantes da nova geração do rap britânico. Dono de uma segurança e genuinidade incomum, o MC é artista completo que vingou “à primeira” com Yesterday’s Gone, álbum de estreia editado este ano. No entanto, o foco aqui não é ele, apesar de ser uma “ponte” importante para o nosso destino.

Para consumar a sua visão para Yesterday’s Gone, o rapper do Sul de Londres convidou João Retorta para criar a extensão visual de dois singles, “Sun Of Jean” e “Ain’t Nothing Changed“. Com trabalho feito para artistas portugueses como Branko e Vhils, o realizador e fotógrafo português saiu de Portugal para se estabelecer em Londres e conquistou o seu espaço na produtora Bullion, a casa que lhe permitiu dar o salto profissional que necessitava.

Loyle Carner e Wretch 32 foram os dois MCs mais mediáticos com quem trabalhou até agora, mas João Retorta não quer ficar por aí e revela que Allen Halloween, ProfJam, Mike El Nite, Giggs ou J Hus estão na lista de nomes com quem gostaria de colaborar.

“Não estou interessado no vídeo pelo vídeo”, conta ao Rimas e Batidas. A ideia do processo criativo enquanto laboratório é algo inerente à sua arte. É ver para crer.

 



O vídeo e a fotografia. Qual é o interesse que surge primeiro? Ou foi em simultâneo?

O meu primeiro interesse foi pela fotografia, mas algo muito breve e que não levei muito a sério. Depois, por volta dos 15/16 anos, veio o vídeo, que dura até hoje. Começou por brincadeira, muito por culpa do skate. O meu pai tinha uma câmara. Eu e os meus amigos víamos o Baker 3 de manhã à noite e filmávamos na palhaçada. E o bichinho pegou. Gradualmente, fui levando a coisa mais a sério. Depois voltou a fotografia, por volta dos 18/19 anos.

Quando é que decidiste que o teu percurso profissional iria passar pela foto/vídeo?

Tenho 3 anos de curso de cinema, que não foi acabado. Mas foi ainda nesta fase do skate, Baker 3, pai, 18 anos. Nada mais me interessava em termos profissionais ou académicos sem ser filme. Quando acabei o 12º ano entrei para um curso na Lusófona.

Entretanto partes para Londres. Achaste que aí existiriam mais oportunidades de trabalho?

Sim, isso teve um peso grande, obviamente, mas também foi uma decisão um bocado naive na altura, se calhar. A minha namorada transferiu-se para um curso em Londres e eu não gostava do curso da Lusófona. Sempre tive uma ideia romântica em relação ao Reino Unido. Portanto, acho que foi mais um conjugação destes factores todos do que uma decisão puramente estratégica.

Começaste logo a trabalhar na tua área?

Mais ou menos. Fazia vídeos, mas não posso dizer que trabalhava na indústria. Muito longe disso. Quando cheguei fazia alguns vídeos para uma revista, que se chama VNA, e mais umas coisas aqui e ali. Mas olhando para trás, nada de muito sério.

Quando é que começas a trabalhar na indústria? Quando é que começa a ficar “muito sério”?

O meu primeiro contacto com a indústria foi quando estagiei com uma produtora pela primeira vez, a Bullion, que agora me representa como realizador. Eu até ai fazia vídeos e já tinha feito bons projectos (como o Atlas com o Branko e a Red Bull ou um filme com o Vhils no Brasil), mas só quando tive esta primeira experiência com a produtora, vá, uma primeira experiência mais institucional, é que comecei de facto a perceber como é que as coisas funcionavam na indústria. Foi um abre-olhos incrível. Sinto que até lá não sabia bem como as coisas se processavam.
Portanto, se calhar, foi a partir daí que as coisas se tornaram “mais sérias”.

 



Queria falar sobre os trabalhos com o Branko e o Vhils. Estiveste envolvido em projectos de dois dos nomes mais relevantes dos últimos anos na cultura urbana portuguesa. Como é que surgiu o convite para trabalhar com ambos? 

Já era fã do trabalho deles. Eu acho que o convite do Vhils está relacionado com os vídeos da VNA, que era uma revista de street art, e também com o facto termos alguns amigos em comum. Já nos tínhamos conhecido e falado umas vezes. Depois surgiu o convite para ir com ele ao Brasil. Quanto ao Branko, eu acho que a primeira vez que o conheci também foi através de umas pessoas em comum. Também filmei umas imagens para um vídeo dele aqui em Londres, isto antes do trabalho com o Vhils, se não estou em erro. Depois passou algum tempo, fiz esse trabalho com o Vhils, continuei o meu trabalho em Londres e surgiu o convite para o Atlas. Já agora deixa-me mandar um abraço ao Vhils e ao Branko. O que fiz com eles foi dos trabalhos mais especiais que já assinei.

Ultimamente, o destaque vai para o trabalho com músicos ingleses. Para começar, conta-me mais sobre a tua relação profissional com o Loyle Carner. Já trabalharam duas vezes juntos.

Eu conheci o Loyle através da minha representação para music videos. O “Ain’t Nothing Changed” foi das primeiras músicas que eles me enviaram para eu “pitchar” uma ideia. Eu era completamente viciado no EP dele, A Little Late, e eu escrevi isso com a ideia que apresentei. Acho que deve ter causado impacto e fui a uma reunião com ele. E pronto, nasceu aí a relação. Acabei por fazer esse vídeo com ele e agora, mais recentemente, o último vídeo da campanha do álbum, “Sun of Jean”.

Como é que é trabalhar com ele? Nota-se que existe uma sinergia, até porque os vídeos conseguem, de forma incrível, diga-se, captar o ambiente da canção.

Ele é incrível. Ele é das pessoas mais genuínas e reais com que já trabalhei. Para começar ele tem sempre o início da ideia. Quando recebo um brief para um vídeo dele, vem sempre com uma ideia inicial. Ele sabe de filme e gosta do processo. Portanto, a partir daí, acaba sempre por ser uma coisa mais colaborativa do que simplesmente eu dizer uma ideia e ele dizer sim ou não. Basicamente, sou eu a desenvolver uma ideia dele que depois se torna nossa. E ele é diferente. Ele não quer saber de futilidades nos vídeos. Ao ponto de me pedir para ter menos dele a cantar neste ultimo vídeo porque ele não queria ofuscar as mães. Reparos desse género.

 



Nota-se isso, sinceramente. Continuando a falar de artistas com quem trabalhaste: outro excelente vídeo é o “Whistle”, do Wretch 32. Também já acompanhavas o trabalho dele ou o Loyle Carner era caso único na tua playlist, falando de hip hop britânico?

Obrigado! Mais ou menos. Nunca amei o som do Wretch, sinceramente. Mas não, o Loyle não é o único. Gosto muito do Rejjie [Snow], por exemplo, se bem que ele não é bem britânico. 808 Ink, Jehst. A malta do grime como o Giggs, principalmente agora com a tape nova.

Existe alguém do grime com quem gostasses mesmo de colaborar? Já existiu essa possibilidade?

Neste momento, o Giggs e o J Hus. Já fiz uns quantos pitches, sim, mas acabei por não ficar com nenhum dos trabalhos.

Olhando para os teus vídeos, e comparando com o que se vai fazendo em Portugal, parece ainda existir um défice de criatividade no vídeo hip hop, por exemplo. O foco continua a ser o MC e os estilos de videoclipes acabam por não se diferenciar muito. Concordas? Acompanhas o que se vai fazendo em Portugal?

Acompanho mais ao menos. Concordo, na maioria dos casos, com o que ’tás a dizer. Mas não sei se a culpa é necessariamente de quem faz os vídeos. Pelo que sei, os meios que existem para fazer um videoclipe no UK e os que existem em Portugal são dois mundos um bocado distintos. Para além disso, acho que também tem a ver com a forma como abordas um music video. Para mim, é uma ferramenta para me fazer crescer enquanto realizador. Para experimentar coisas, continuar a aprender e melhorar. Faz parte de um crescimento meu dentro do filmmaking, vá. Não estou interessado no vídeo pelo vídeo, se isso faz sentido. O music video faz parte de uma “agenda” maior.

Existe algum artista em Portugal para quem gostasses de realizar um vídeo?

Há um mais que todos os outros: o Halloween.

Porquê?

A música e as dimensões da música dele. É perfeito para filme. Para além do mais, gosto da música.

Tirando o Halloween, quem é que são os músicos portugueses que te cativam? (sem pensar na parte de realizar vídeo para eles)

Pá, existem vários, mas o Prof[Jam], o Mike [El Nite], o Branko, a Enchufada, o Vil… Tudo muito boa gente.

Gostava de saber o que é que tens no horizonte para o futuro. Vamos ter mais vídeos com a tua assinatura num futuro próximo?

Filmei uma curta em Lisboa no início deste ano que está para sair em breve. É um filme não-narrativo, mas completamente diferente do meu trabalho de music video. Vou filmar um documentário agora em Novembro que vai sair a meio de Dezembro e talvez mais um music video ou outro antes de fechar o ano.

Podes revelar mais sobre a curta e o documentário? 

Posso. [A curta] é basicamente um retrato da noite lisboeta, visto de vários pontos de vista completamente diferentes, mas que se passam em simultâneo. O título é Uma da Manhã (01: AM).

Na tua opinião, quem são os realizadores e fotógrafos portugueses que as pessoas devem ter em conta?

O Filipe Penajóia, o Franciso Gomes e o André Santos. Tudo bons rapazes. Ah! E a Daniela Monteiro.

 


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