Digital

JID

The Forever Story

Dreamville / Interscope / 2022

Texto de Paulo Pena

Publicado a: 17/10/2022

pub

Se The Never Story foi uma ambiciosa apresentação de JID num primeiro álbum de estúdio, e DiCaprio 2 a confirmação definitiva do que desde o respectivo primeiro volume se fez notar, The Forever Story chega como um fim para um novo começo. Primeiro, porque, obviamente, representa o fechar de uma história aberta já há cinco anos — apesar de The Never Story (2017) a The Forever Story (2022) só haver um capítulo, pelo menos em nome próprio, pelo meio. 

Depois, porque por vezes do “nunca” ao “sempre” vai uma distância bem mais curta do que se pode esperar. Por outras palavras, deixar para sempre o que nunca se adivinhou. “I’ve always known that there was greatness in him”, diz o pai. Coisas que só os progenitores conseguem ver, antes mesmo dos filhos sequer o suspeitarem. “But I didn’t know that greatness would be shown during my lifetime”, acrescenta o patriarca. Ver para crer. E, em concreto, é de um legado de família que tudo aqui se trata. No fundo, tudo mudou e tudo continua na mesma. E, nesse aspecto, JID é bem menos ambíguo do que aqui se tem vindo a fazer parecer.

Cultivado no seio da família musical formada em Spillage Village, rodeado por fervorosos e incrivelmente talentosos criativos de Atlanta, JID deixou bem claro a partir de 2017 que, não fosse a sombra dominante de J. Cole, seria ele a figura máxima da turma Dreamville. Claro que há espaço para os dois, mas o estatuto estratosférico do fundador do colectivo tem ofuscado, invariavelmente, a real dimensão do potencial de JID (que, se calhar, até está artisticamente mais próximo de um K-Dot). Se um é melhor do que o outro? Não é isso que está — nem deve estar (nunca) — em causa. Mas em cada tribo só há espaço para um líder, mesmo quando haja noutro(s) sérios indícios dessa capacidade de liderança. O contexto, nestes casos, é tudo. Para o bem e para o menos mal. E a verdade é que a influência do carimbo Dreamville tanto pode ter alargado horizontes a JID — “He should be good, man, he signed to Cole” — como o peso do próprio legado de J. Cole pode ter imposto algumas barreiras. No entanto, talvez The Forever Story seja mesmo o buraco, largo o suficiente, pelo qual JID há-de partir (ainda mais) essa parede, até onde o seu talento o levar.



Talento versus trabalho é, aliás, uma dualidade facilmente desmistificável em relação ao nascido Destin Choice Route. Talento é coisa que não lhe falta, flagrante a olhos vistos, factor determinante que o distingue desde logo dos demais. Ainda assim, esse talento — que em JID se manifesta directamente na forma como escreve e interpreta, com invulgar elasticidade, um sem número de versos constantemente irrepreensíveis e surpreendentes — vê-se sempre suportado pelo trabalho que emerge em cada linha que constrói com habilidade ímpar. É mesmo como se diz: o talento dá muito trabalho a desenvolver. E trabalho é coisa que não falta ao rapper que apresentou novo trabalho em finais de Agosto deste ano, mais uma edição dividida entre Dreamville e Interscope.

Vimo-lo nestes últimos anos a estabelecer ainda mais pontes, mesmo para lá das que já tinha sedimentado. A sua participação em Spilligion sentiu-se subtilmente dominante ao lado de músicos incrivelmente dotados. Pelo meio trabalhou em faixas soltas, algumas das melhores que já ouvimos do seu repertório, com Conway The Machine, Kaytranada, Kenny Beats, Denzel Curry, Kenny Mason, IDK ou Smino, para mencionar alguns. Marcou presença em memoráveis actuações nas montras do A Colors Show e do NPR Music Tiny Desk Concert. Destacou-se, mais uma vez e em larga medida, dos seus pares no projecto de turma apresentado no terceiro volume de Revenge Of The Dreamers. Somou páginas e páginas à sua história, cuja discrição do autor não diminui a grandeza da obra.

E nesta obra que, agora sim, se apresenta grandiosa à partida, o virtuoso rapper volta a abrir portas a novos e velhos talentos: James Blake, monte booker, JD Beck, BADBADNOTGOOD, Thundercat, Lil Wayne ou Yasiin Bey (de quem herdou, com assinalável propriedade, o intransmissível sample eternizado em “Ms. Fat Booty”), para mencionar alguns. Até Quincy Jones foi citado nesta história, designadamente em “Can’t Make U Change”. A lista ambiciosa de músicos envolvidos reflecte-se, por isso, no produto igualmente ambicioso. A miscelânea de sons, influências, registos com os quais se desenvolveu a partir da identitária Atlanta alastra-se pelos múltiplos intervenientes neste trabalho. Até a família de Destin — de “destined to be here”, segundo a mãe — tem forte participação ao longo do processo, não fosse esta uma história puramente biográfica. 

Mais uma vez, tudo mudou e tudo continua na mesma. JID continua a falar de onde vem, apesar de onde está; continua a privilegiar a escrita e a interpretação ao seu estilo tão próprio, mais a apurar do que a inovar; continua a ter na família a âncora da sua travessia. E, aqui, faz da expansão da união a sua força. Até porque, individualmente, já não restavam dúvidas acerca do seu poder artístico. Mas um homem só não vale lá grande coisa. E o homem por detrás desta história continua o mesmo miúdo introvertido, na mesma casa — agora sua — onde cresceu rodeado pela família, com queda para as palavras. Essa é uma possível moral desta história. E, para JID, a história ainda agora começou.


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos