Bem sabemos, até porque já ouvimos João Próspero mencionar tal facto quando marcámos presença no último festival Porta-Jazz, que foi a obra de Haruki Murakami que inspirou Sopros, álbum lançado pela Carimbo Porta-Jazz, mas depois do concerto de ontem na quinta jornada do Jazz em Agosto apetece-nos antes inverter o título português de uma das mais conhecidas obras de outro bardo de outro tempo, Muito Barulho Por Nada de William Shakespeare, para dizer que o quarteto nortenho preferiu fazer muito silêncio por tudo.
Este concerto representava talvez a grande incógnita do festival que tem sucessivamente apresentado concertos esgotados, ou quase. Afinal de contas trata-se de uma formação afiliada com uma cena que não tem assim tanto alcance a sul do Mondego, muito jovem — e portanto ainda com provas para dar — e sem o reconhecimento mediático dos outros nomes nacionais no cartaz. Ainda assim, o Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, apresentou-se com surpreendente moldura humana e Próspero poderá até gabar-se de ter tocado perante uma animada claque, o que não será coisa comum.
Mais do que reconhecer palavras de um escritor (que quem assina estas linhas nunca leu) no som de João Próspero (contrabaixo e composição), Miguel Meirinhos (piano), Joaquim Festas (guitarra eléctrica) e Gonçalo Ribeiro (bateria), reconhece-se isso sim uma ligação ao minimalismo e à melancolia que são marcas que se associam igualmente a alguma arte japonesa. O quarteto reduziu ao mínimo o seu discurso, optando por haikus em vez de sonetos, por discretas miniaturas em vez de grandes esculturas harmónicas, e isso, admita-se, exigiu muito de quem o escutava. A música que o quarteto de João Próspero ontem apresentou faz-se de uma íntima relação com o silêncio, com a contenção, com a redução, e isso é sempre desafiante.
Meirinhos consegue, ainda assim, brilhar quando pressente na pauta o espaço para se libertar um pouco mais, mas pouco se afastou das teclas centrais do seu piano. E Próspero só na fase final do concerto é que soou mais expressivo, com o seu contrabaixo a soar demasiado “pequeno” durante boa parte da prestação. Com música de tal minúcia, talvez o Auditório 2 tivesse servido melhor as intenções de Próspero e companhia, porque ali, no Anfieteatro, o silêncio a que estes Sopros aspiram está sempre ameaçado pelo roncar dos jactos que nos sobrevoam e pelo coaxar dos sapos que, como já todos percebemos, adoram Agosto e amam jazz.