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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/09/2025

Pediu o tempo que o fora se fizesse dentro.

Jazz ao Largo’25 — dia 1: encontros Rahman nascentes

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/09/2025

Barcelos tem no festival Jazz ao Largo um motivo mais de encontros, este ano para uma redonda décima edição. A cidade que celebra mais um dia de feira, como o são todas as quintas desde há séculos. No campo de paralelepípedos, coberto de lonas, as gentes se encontram, indo ao encontro do que precisam, e nisso estabelecem a cultura popular, semana após semana. Estão lá as novidades para o próximo ciclo na terra, mas ainda os frutos do Verão… onde ainda há quem venda melão casca-de-carvalho. Para além da muita roupa, há lugar a algum do figurado de Barcelos, do Galo ícone de ontem ao de hoje em dia, com as mais variadas plumagens estampadas. São outras figuras, desalinhadas em grande parte do sonho criativo da artista genial que foi Rosa Ramalho na cerâmica e escultura do barro.

Voltando ao jazz, que tal como a feira, se faz e celebra nem que chova. Em que o nome lhe veio do local, do Largo onde por esta altura do ano se faz palco para esta música. Um local privilegiado, confluência da casa dos espectáculos da cidade — o Theatro Gil Vicente, com as ruas do comércio. O teatro abre as suas portas e o programa passa para o interior. Este ano todos os nome escolhidos são ou relacionam-se com quem já por cá passou, reforça a ideia a propósito o músico e programador Pedro Oliveira, que continua a idealizar o festival desde o primeiro momento até hoje. Uma edição comemorativa em jeito de fazer voltar quem já por cá foi feliz. Precisamente, um dos nome com passagem recente pelo ciclo anual do jazz em Barcelos, a pianista Zoe Rahman. Fez parte do programa anual em 2024, e nesse Maio tocou a solo. Volta desta feita em formato de trio acrescentado, convidando o seu irmão Idris Rahman

Um trio de quatro, ou um quarteto de três, e até mesmo um duo entre os demais — o concerto possibilitou associações e combinatórias múltiplas entre músicos. Como ponto de sustentação esteve sempre o piano de Zoe. Ela que tem uma soberania maior e independência na sua música. A propósito, edita em selo próprio — Manushi Records, editora que criou no início do milénio para albergar apenas a sua música até ao momento. O seu último longa duração, Color of Sound, de 2023, teve a colaboração de vários músicos. É entre eles que estabelece o trio que aqui apresenta contando com Alec Dankworth no contrabaixo e Gene Calderazzo na bateria. Este último colaborador desde cedo na discografia da compositora, constando desde o seu segundo registo Melting Pot, tal como o é junto ao clarinetista e saxofonista Idris dos Ill Considered, com quem tem editada uma gravação no marcante café londrino Mu. Esta é uma formação mais versátil para viajar. Apresenta-se em Barcelos condensada em número e possibilidades, quando comparada com a policromática que João Morado reportou, aquando do deslumbramento do que viria a ser esse último registo da música de Zoe, apresentado então no Turner Sims de Southampton em 2023.

Colour of Sound continua a servir a maior parte do alinhamento da compositora em palco. Os primeiros temas abordados recalcam o alinhamento encontrado em disco. “Dance of Time” e “For Love” trazem de pronto a envolvente entre a lírica e o vibrar no pianismo de Rahman. Um requinte e cuidado que procura estabelecer além da música, que dispensaria tradução linguística, que ainda assim Zoe pretenda encontrar em palavras. O que se recebe prontamente e se mantém até final é uma cumplicidade melódica generosa entre os irmãos Rahman. Idris, numa presença imbricada na música de Zoe, mostra-se num registo divergente do nervo explosivo que lhe reconhecemos em Wildflower ou Ill Considered, mas sem perda alguma de fervor. Tem uma estante por diante, embora abra espaços para se amparar numa leitura de improviso dentro da música interiorizada de Zoe. Após a abordagem a “Sweet Jasmin”, um dos dois temas de Colour of Sound dedicados e inspirados nos filhos, o concerto acentua esse duo em palco, mesmo que em quarteto. Rahman em piano e Rahman em clarinete imergem no universo musical bengali e procuram firmar as suas raizes, tal como trazido nesse ano em que gravaram Where Rivers Meet, abordando com arranjos seus o remanescente dessa herança recebida. 

Com “Roots” e “Peace Garden” há um trio nuclear em palco, de volta aos temas do último longa-duração. E as frases desse piano ainda a ecoar na dosimetria das palavras escolhidas para esta crónica. E um trio que possibilitou escutar quase um piano solo nesse jardim pacificador. Calderazzo mostrou-se menos implicado na orgânica do trio que Dankworth, que esteve bem mais ligado e sustentando o tempo dos Rahman. Com o irmão de volta, e ao clarinete, para uma abordagem quase derradeira ao concerto, numa “Conversation With Nellie” do álbum Kindred Spirits e um empolgante e exploratório “Red Squirrel” que abre esse Dreamland de 2016. 

O final foi como uma mensagem para levar para casa. Como bem fazem os bons comunicadores, os irmãos Rahman e cúmplices, sem verdadeiramente saírem de cena, votaram para emanar mais perfume ancestral do Bangladesh. Uma música evocativa, e de sabor a perseverança e resistência —  explicitamente dedicada ao Povo da Palestina. Um dos temas preferidos do pai Rahman, tocada com grande alma, como o que nos resta também.


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