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Ize Cream Man

Edição Independente / 2021

Texto de Gonçalo Oliveira

Publicado a: 18/10/2021

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O dia está cinzento mas, num ápice, rapazes e raparigas saem porta fora e rodeiam o vendedor ambulante que surge ao som de “Intro (Ize Cream Man)”. Este é ize, traficante de sorvetes minados que poderíamos encontrar a percorrer o bairro se a vida real estivesse alinhada com os universos de Chucky, A Nightmare On Elm Street, It ou Friday The 13th. Tal como “Ring Ring” é uma chamada vinda directamente do inferno para nos dar conta da triste nova. E aqui é tal e qual The Ring — quem assiste entra automaticamente no jogo. “Tens mais seis faixas”, subentende-se.

Já “Wonka” não esconde qualquer segredo: ize é dono da Fábrica de Gelados Envenenados e usa o seu produto como chamariz; atendendo ao isco, somos Charlie de mãos dadas com o autor, numa viagem alucinante cujo final garante fornecimento vitalício de LSD para a casa onde vivemos e que dividimos com pais e avós. Em “Sugar Spice”, veste a pele de um Mojo Jojo irado e a gritar com uma das três meninas — interpretada por Eartheater — num episódio nunca autorizado de Powerpuff Girls.



Isto é o quão diabólico o rapper sediado em Brooklyn consegue ser numa viagem pelas alas mais leftfield das masmorras do hip hop. Apesar do vanguardismo, Ize Cream Man assenta fundamentalmente num dos pilares que fomentaram a cultura, o break, aqui servido na sua forma mais selvática possível, a uma velocidade semelhante àquela que encontramos em rodas de b-boys, nem sempre a ideal para rimar mantendo um certo fio de raciocínio.

A mestria do “vírus porto-riquenho”, conforme se descrevia há um ano numa entrevista/perfil para o ReB, contorna a tendência e facilmente nos consegue esculpir cenários de terror completos com recurso a poucas palavras e ad-libs, envoltos numa tensão que é constante nas suas cordas vocais. Mas há excepções, como a faísca que rapidamente vira incêndio premeditado em “Hoopty”. “This is not a drill” dava conta no poderoso single que o levou a entrar no radar da nossa publicação. E não é mesmo ensaio nenhum. O álbum é um exercício de chacina daqueles que não vêm explicados nos manuais, feito dos mesmos fragmentos que compuseram a matéria sombria que sondou DMX, os Mobb Deep ou até mesmo 2Pac na sua fase mais psicótica.

A produção levou-o a rodear-se dos produtores certos para dar o trabalho como feito. Em especial destaque esteve AceMo, raver discípulo daquela corrente da electrónica usada como combustível para o cérebro em pistas clandestinas, ele que foi o autor do primeiro par de orelhudos avanços, “This Is Not A Drill” e “Come Up”. Além de ize, que também meteu as mãos na massa neste capítulo, também surgem o não menos cirúrgico Color Plus ou ainda Pablo, o chauffeur que aciona a melodia da faixa introdutória para montar o engodo fatal. Sorte a nossa, que sobrevivemos para contar a história.


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