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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 29/10/2025

Sem papas na língua.

Infinity Knives & Brian Ennals: “Ou se ama ou se odeia a nossa música. Não há meio-termo”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 29/10/2025

Oriundos de Baltimore, o produtor/compositor Infinity Knives (Tariq Ravelomanana) e o rapper Brian Ennals formam uma das colaborações mais intrigantes e desafiadoras do hip hop contemporâneo. A sua música é, ao mesmo tempo, devastadora e sarcástica, sombria e eufórica: canções que falam de dor pessoal e colapso social, mas que são pontuadas por humor negro, auto-ironia e uma recusa sistemática em suavizar mensagens. Ao longo de discos como Rhino XXL (2020) e King Cobra (2022), até chegarem ao mais recente A City Drowned in God’s Black Tears (2025), têm esculpido um universo em que orquestrações com densidade cinemática se encontram com beats DIY e versos que não escondem raiva contra o imperialismo, o racismo sistémico ou a violência institucional.

Mas se no estúdio a música mergulha em força e peso, ao vivo o resultado é outro: os concertos de Infinity Knives e Brian Ennals são marcados por uma energia leve, quase festiva, que contrasta com a escuridão das letras. Provocações, piadas, cumplicidade e improviso transformam os espectáculos numa experiência catártica e imprevisível, em que o riso pode surgir no mesmo instante em que se fala de desespero. Essa capacidade de virar o jogo, de transformar a crítica feroz em comunhão e vitalidade, é parte do que torna a dupla tão singular.

Na conversa que se segue, Brian Ennals fala sobre esse equilíbrio entre sombras e luz, sobre a coragem de escrever sem concessões, em faixas como “The Iron Wall”, sobre o processo criativo que mantém com Infinity Knives desde os tempos de Rhino XXL e sobre as galáxias musicais que ainda querem explorar. Uma conversa que revela tanto a dureza como a humanidade por trás desta muito criativa parceria.

E é com este arsenal de fúria, sarcasmo e experimentação que chegam agora a Portugal para o Mucho Flow’25, em Guimarães — um palco perfeito para comprovar como a música de Infinity Knives e Brian Ennals pode ser, em simultâneo, ferida aberta e festa colectiva, denúncia e catarse.



A City Drowned in God’s Black Tears traz uma combinação pesada de dor pessoal, crítica política e experimentação sonora. Quando vocês tocam essas músicas ao vivo, como traduzem essa tensão e peso emocional para o público?

Como as músicas podem envolver muita escuridão, tentamos contrariar isso durante os espectáculos ao vivo. Não quero que ninguém saia da apresentação a sentir que está a ser seguido por uma nuvem de chuva gigante. Por isso, a energia é sempre leve, com muitas brincadeiras. Muita provocação entre nós e piadas sobre o que está a acontecer no cenário infernal em que vivemos actualmente. As músicas já são sombrias o suficiente, então as apresentações precisam de ter um ritmo animado e quase alegre. É um contraste que tem funcionado muito bem, para ser sincero. As pessoas sorriem e riem enquanto falo sobre esconder garrafas de vodka. Isso é uma vitória. 

A vossa música é frequentemente franca sobre questões como imperialismo, guerra, racismo sistémico e o colapso dos sistemas sociais. Em Portugal, o público pode ter diferentes contextos culturais e políticos. Como é que adaptam — ou resistem a adaptar — a vossa mensagem quando actuam no estrangeiro, especialmente em locais com contextos históricos e políticos diferentes?

Quero dizer, as músicas são as músicas, então não há como ajustar ou adaptar isso. O lado bom é que o mundo está tão ruim agora que todos se podem identificar com o desespero, mesmo que não possam identificar-se com as causas específicas. Portugal pode não estar a passar pela mesma merda que nós. Mas ainda assim é uma merda. É aí que entra a semelhança. Além disso, como afirmei na última resposta, a energia é tão viva que torna a mensagem contagiante de qualquer maneira. Pelo menos, esse é o objectivo. 

Na sua entrevista de 2025 com a Cabbage Hip Hop, descreve como a faixa de abertura “The Iron Wall” confronta imediatamente a questão do genocídio palestiniano e enquadra a sua posição como “anti-imperialista”. Como lida com o risco de reacções adversas ou mal-entendidos, especialmente em temas difíceis, enquanto tenta manter a honestidade e a urgência na sua arte?

Eu tinha um pouco de medo da “The Iron Wall” e de algumas “barras” em músicas como a “Baggy”. Mas, sem querer ser pretensioso, a cobardia não pode existir no mesmo espaço que a arte. Então, em vez de navegar, decidi simplesmente fazer um kamikaze com o avião, em vez de manobrar tecnicamente para evitar o caminho. Estou aqui apenas para explodir com tudo. Se é assim que sai da minha caneta, é assim que fica no estúdio. É a única maneira de conseguir dormir à noite, sabendo que não houve concessões. Além disso, estamos numa pequena editora independente (a Phantom Limb). Se estivesse numa grande editora, talvez o dinheiro adicional me fizesse andar um pouco mais com pés de chumbo. Mas espero sinceramente que não. Gostaria de pensar que permaneceria firme independentemente disso, mas isso pode ser apenas uma ilusão. Se tivesse milhões à minha frente, é possível que estivesse a escrever uma música chamada “Charlie Kirk Was a Hero”. 

Infinity Knives falou sobre fazer grande parte da produção e da experimentação sonora sozinho ou em ambientes DIY. Como é que a sua abordagem à colaboração mudou ao longo dos lançamentos e o que procura agora nos colaboradores (vocais, mistura, instrumentação) que sente que não pode ou não quer fazer sozinho?

A técnica de colaboração entre mim e Knives tem sido praticamente a mesma desde Rhino XXL. Ele começa com uma batida, nós temos uma ideia vaga ou concreta sobre o que queremos que a música diga; e a partir daí, construímos tanto a letra quanto a produção. Esse processo também envolve muitos fatores intangíveis, como discussões sobre música, discussões sobre a nossa música, criar laços em torno de ambos e (geralmente) uso excessivo de álcool e drogas. A depressão e o comportamento maníaco também desempenham um papel importante na forma como criamos esta música rap estranha, malvada e engraçada. No que diz respeito à parte da produção da colaboração, ela tem-se tornado mais abrangente a cada lançamento, mas terias de perguntar ao Knives para saberes os detalhes, pois geralmente estou de ressaca quando essas coisas acontecem. 

Em entrevistas anteriores, Infinity Knives menciona o equilíbrio entre o caos e o controlo, deixando os sons “encaixarem-se” no lugar certo e trabalhando com a imperfeição. Alguma vez sentiu tensão entre querer precisão técnica/polimento e abraçar a desordem? Como decide quando se deve inclinar para a crueza em vez do refinamento?

Isso é mais coisa do Knives. O meu estilo de escrita vai ser praticamente o mesmo, independentemente disso. É sempre uma ferida recente, crua. O Knives decide, nas últimas fases, o quão bonitos ou feios esses sentimentos devem ser.

Os festivais muitas vezes exigem causar uma impressão forte num curto espaço de tempo, às vezes enfrentando restrições ambientais (som, tempo, expectativas do público). Qual é a sua filosofia ou estratégia ao entrar numa apresentação num festival como o Mucho Flow? O que é que pretende deixar as pessoas a sentir ou pensar quando vocês saem do palco?

O nosso show ao vivo é um dos nossos maiores pontos fortes, temos muito orgulho dele. Descobrimos logo no início que nossa música é incrivelmente propícia para isso. Quero que as pessoas sintam que assistiram a uma apresentação completa. Desde o rap e a musicalidade até as piadas internas. A única estratégia é dar o máximo o tempo todo. Seja em um festival ou num barzinho. Só queremos que seja bom. E as pessoas ficam felizes quando vêem algo bom. E se elas não estiverem familiarizadas connosco, quero que saiam um pouco chocadas também. Como se tivessem sobrevivido a um bombardeamento no supermercado.

Olhando para o futuro, para além deste ciclo do álbum, como imagina os seus próximos passos criativos — em termos sonoros, temáticos ou estruturais? Há lugares ou ideias que sente que ainda não explorou, mas que gostaria de explorar em trabalhos futuros?

Há tantas coisas que ainda não explorámos. A música é um universo e, até agora, temos tocado num único planeta. Há tantas outras galáxias para explorar. Tantos outros sistemas solares para conquistar. Já discutimos isso e até começámos a brincar com essas ideias. Mas não quero estragar a surpresa. Posso dizer que, como a maior parte do nosso trabalho até agora, ou se ama ou se odeia. Não haverá meio-termo.


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