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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/03/2019

Hugo Vinagre, Diogo Vasconcelos e Caroline Lethô criaram uma nova editora.

INFINITA: “Queremos chegar a toda a gente”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/03/2019

A indústria musical é, como muitos outros, um corpo em constante mutação. O desenvolvimento de uma cultura cada vez mais digital permitiu o acesso ao que se faz nas artes por via da Internet, democratizando, em parte, a forma como se consume e cria música. A redução da importância do middle man trouxe novas e interessantíssimas dinâmicas na produção cultural.

A INFINITA, nova editora portuguesa, tem uma palavra a dizer sobre este assunto. Com o objectivo de “atenuar” divisões, o selo afasta-se de condicionantes estilísticas, permitindo que todos os públicos (e géneros musicais) se aproximem de si.

A estrutura humana da label tem Hugo Vinagre, produtor que assina como Miguel Torga ou Turista, Diogo Vasconcelos, DJ e director da revista PISTA, e Carolina Mimoso, mais conhecida como Caroline Lethô. O primeiro lançamento da editora, o EP Nós Vimos Em Paz – amálgama electrónica por via do house e do dub – pode ser escutado via Bandcamp e SoundCloud.



No vosso manifesto podemos ler que a democratização da cultura é uma linha importante para a INFINITA. Mesmo com os avanços tecnológicos que alteraram os panoramas de consumo e de produção, ainda sentem que é preciso trabalhar muito nesse sentido?

Enquanto existirem pessoas com acesso desigual à produção cultural, sim, sem dúvida que agentes como nós fazem falta. A tecnologia existe, mas o acesso continua a não ser livre e igual para todos. E atenção que motivos de ordem económica não são a única causa para não se ter acesso a algum tipo de produção. Muitas vezes, os impedimentos são de ordem social. É necessário ter-se nascido num determinado contexto para conseguir acesso a algumas coisas. Os públicos estão extremamente segmentados. Queremos atenuar essas diferenças, queremos chegar a toda a gente. Não queremos fazer música underground.

Musicalmente, em Nós Vimos Em Paz, e também no manifesto, referem o house e o techno como centro da INFINITA. São pontos-de-partida ou pretendem que sejam os géneros que definem este vosso movimento?

Temos quatro ou cinco EPs prontos em estilos que vão desde o ambient ao house, passando pelo techno, drone e noise. Dentro desses EPs este era o que abordava temas e conceitos que melhor se adequavam a um pontapé-de-saída de uma editora. O Nós Vimos Em Paz, de certa forma, define a forma como chegamos a uma cena musical já existente e a segunda faixa, a “Declaração de Intenções”, funciona como uma extensão do manifesto da INFINITA – começa com um discurso a defender estilos de vida experimentais que não se relacionem com negócio. São dois temas techno, mas poderiam ser noutra estética qualquer. Não queremos fazer do techno a nossa bandeira. Penso que é um género que já está a ter muita atenção. Talvez até demasiada. Está a ser explorado de uma forma que o está a esgotar e embora existam sempre coisas interessantes a ser feitas em qualquer género, de uma forma geral, penso que é um género que está a ficar gasto. Para além disso, esta exploração excessiva do techno está a ter consequências para outros géneros que não são nada benéficas. Há estilos que estão a ser completamente negligenciados. Actualmente, por exemplo, não há ninguém a fazer eventos disco/garage em Lisboa. Antes tínhamos o ELA – East Lisbon Afters, mas agora nem isso há. Mas mesmo havendo uma promotora a fazer um evento mensalmente de disco/garage não acho que seja significante se pensarmos que temos vários eventos com techno todos os fins-de-semana.

Têm já em vista produtores com quem pretendem trabalhar?

O primeiro projecto editado, de Sétima Dimensão, foi criado para funcionar como um colectivo mutante, sempre comigo na formação. A ideia é explorar sonoridades dub dentro da pista de dança. Na primeira edição a colaboração aconteceu com o Nuno Costa (ViL). Reunimos em minha casa, bebemos umas cervejas e fizemos uma música. Comigo as coisas têm de acontecer assim, de uma forma natural. Não me conseguiria ver a colaborar com alguém com quem não tenha uma relação de amizade e confiança. Discos pedidos é uma coisa para que nunca tive jeito. Ir para um estúdio forçar-me a fazer música com um desconhecido está completamente fora de questão. Para além do Nuno tenciono, eventualmente, ter na Sétima Dimensão o Ângelo Santos (Audiopath) e a Carolina Mimoso (Caroline Lethô). São pessoas com quem tenho facilidade em comunicar e que acho que se enquadram bem nesse projecto. Para além da Sétima queremos, obviamente, editar outros projectos. Temos em vista gente como o Diogo Vasconcelos – que faz o grafismo da INFINITA e corrige os meus erros –, Terra Chã, Moreno Ácido, Miguel Torga e gente que ainda nunca editou nada e nem sequer deu um nome ao que faz.

Embora apenas consiga fazer música com amigos, no que toca a editar as coisas já seguem outras regras. Queremos editar tudo o que acharmos que seja relevante, venha de onde vier. Não nos queremos limitar a Lisboa ou a Portugal. É natural que editemos mais música feita por cá porque é com esta realidade que estamos em contacto, mas estamos abertos a tudo. Enviem demos para infinita1961@gmail.com.

É interessante que, logo na vossa festa de inauguração, queiram, além dos DJ sets, receber uma conversa com este tema que vos orienta. Pretendem também trazer uma variedade na tipologia de eventos? O que se pode esperar?

Este tema de conversa faz todo o sentido no âmbito da INFINITA. Vamos editar música de forma gratuita, é completamente natural que nos sentemos à mesa a discutir a democratização do acesso à música e as novas formas como a mesma está a ser distribuída. No que toca a eventos futuros não sabemos o que vai acontecer, ainda não está nada definido. A ideia é irmos dançando conforme o baile. Este primeiro evento vai-nos mostrar em que direcções podemos seguir.

Já têm algum lançamento em vista de que nos possam falar?

Há um EP de Miguel Torga com que estou bastante satisfeito. Captura uma certa aura latina num registo entre o drone e o ambient espacial que é bastante invulgar. Ambiente Latino, assim se intitula, será a segunda ou terceira edição da INFINTA. Há também um EP de Terra Chã a ser terminado que me está a entusiasmar bastante.

Confessaram à Cabine que este projecto surge um pouco de uma necessidade específica (o Hugo queria lançar música em formato físico, mas teria de esperar dois anos para o fazer). Tendo em conta os problemas que têm surgido com grandes figuras da música (como os recentes casos dos De La Soul ou de Kanye West), a INFINITA é, mesmo que estejamos a falar de universos totalmente diferentes, uma resposta a uma indústria musical que precisa de uma actualização urgente. Como se vêem no meio deste panorama?

Entregamos a música directamente a quem a ouve através do Bandcamp. Pelo caminho perdeu-se a distribuidora como intermediário e também descartámos o tempo de fabrico do objecto. O processo foi tão agilizado que podemos fazer uma música hoje e amanhã tê-la editada, a passar na rádio.

Relativamente a questões legais que possam atrasar uma edição, como usar samples não autorizados, penso que pouco seremos afectados por isso. Posso estar enganado, mas dificilmente alguém consegue causar algum tipo de constrangimento legal a música distribuída de forma gratuita. Isto não é um negócio. Com isto não quero dizer que estamos dispostos a samplar outros artistas. Essa é uma questão ética e criativa que deixamos à responsabilidade de cada artista que editarmos.


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