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Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 26/02/2022

Uma janta de música.

ID_NOLIMITS’22 – Dia 2: paz, amor e casca grossa

Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 26/02/2022

A ordem é para dançar desde o primeiro momento. Foi assim anteontem, com stckman, e a receita repetiu-se no segundo dia com SOLUNA, a primeira artista a subir a palco no ID_NOLIMITS, o festival que está a acontecer no Centro de Congressos do Estoril depois de uma pausa de dois anos.

Ao contrário daquilo que aconteceu na última edição do Super Bock em Stock, a artista já conta com dois temas cá fora, “Flaca” e “Negra”. Porém, o formato manteve-se: Kami nas costas, a disparar os instrumentais e definir os balanços que são, maioritariamente, afro-latinos, localizando-se especificamente entre reggaeton e o tarraxo, enquanto a cantora se desdobra entre línguas e diferentes formas de entregar as letras (do mais cantado ao mais rappado). Àquela hora, mesmo tendo em conta que os passes diários se encontravam esgotados, a sala ainda se estava a compor, mas quem respondeu à chamada não resistiu aos ritmos quentes. A temperatura começava a subir aí.



“Hinu digra” abria as portas ao mundo de Tristany. Gradualmente, Blackfox lançava e fazia crescer uma batida, o habitual numa típica jam, à qual se juntaria, numa primeira fase, Ariyouok, que acendeu incenso para acentuar a toada espiritual inerente a um concerto de Tristany. À medida que toda a banda se sintonizava nesta jam, o cheiro a incenso chegava-nos, transportava-se pela sala e, no pico catártico deste tema introdutório, Tristany começava a dirigir este quinteto que se via completo com Suzana Francês, Ariyouok, Blackfox e Célio.

“AMOR DE JINGA ..” foi o primeiro vislumbre, depois da introdução, de MEIA RIBA KALXA, mas, como Tristany nos tem vindo a habituar, a maior certeza dos seus concertos é a incerteza. Os instrumentais, entre outros pormenores estéticos, levam novas roupagens: surgiria um lento, mas visceral beat de kizomba — não valia estar sentado, mas o público ainda estava tímido. A expressão desse “amor em forma de matéria”, como nos confessava, desaguaria em “RAPEPAZ ..”. Enquanto Blackfox distribuía abraços pelos seus irmãos de armas, Tristany surpreendia-se por um público participativo, que em coro entoa a música na íntegra. 

O artista incitou desde o primeiro momento à participação de todos os presentes. Em “VERDE ..”, mais solto e em pé, o auditório do Centro de Congressos ajudou a cantar o refrão, já totalmente envolvido na dimensão de Tristany. Prestes a terminar, o incenso anunciava o fim desta viagem emotiva com “MÔ KASSULA ..” na sua versão ao vivo, numa comunhão dançada e cantada. Quem lá esteve sabe: irrepetível e inesquecível, tal como Tristany nos habituou.



Pedro Mafama abriu as hostilidades no palco principal — três anos depois de ter actuado no Auditório do mesmo festival, evidenciando a sua clara ascensão. O concerto, claro, foi centrado em Por Este Rio Abaixo, o álbum que o artista lançou em 2021. 

Ao longo dos anos, e para quem o acompanha, tem sido notória a evolução de Mafama em palco. A sua presença sempre foi bastante enérgica, mas a sua forma de cantar e de estar em palco foi-se refinando. Além disso, a transição do live act com DJ para uma formação com instrumentos (ainda que minimalista) é algo que faz todo o sentido para a evolução do artista e, sobretudo, para palcos grandes como este.

Mafama é cada vez um nome mais consolidado na música urbana portuguesa e este tipo de actuações são essenciais para conquistar um público maior — até porque Mafama tem essa capacidade evangelizadora ao vivo, com toda a narrativa, boa disposição e originalidade que apresenta.



Se antes da pandemia começar já não era assim tão comum apanhar Tiago Lopes na estrada, o vírus tornou cada evento desses ainda mais incomum. No entanto, a fome deu em fartura: o concerto no Auditório apresentou-nos um Regula com vontade de garantir, mais uma vez, que não é fast fashion, mas peça rara, sendo recebido em apoteose por um público que, aparentemente, não o deixa passar de moda.

Num estado de espírito mais descontraído que até nos garantiu alguns passos de dança aqui e ali, Don Gula desfilou êxitos (com um catálogo como o dele não é complicado fazê-lo), tocando os mais recentes “Júlio César” e “Futre” ou outros como “Casca Grossa”, “W.O.M.B.” e “Langaife”, todos do álbum Casca Grossa (2015). Não faltou, claro, “Memo a Veres” e “Casanova”, os seus temas mais “desbunda na pista de dança”, ou “Solteiro”, momento para deixar a plateia fazer-se ouvir (bem alto).

Entre introduções personalizadas e criativas para cada faixa e espaço para DJ Kronic acrescentar “cortes” precisos — ou a constatação entristecida que seria impossível abrir garrafas e largar os copos (que também tinham de estar vazios), o autor de Gancho (2013) chamou apenas um convidado a palco, Dillaz, para tocarem “Wake n Bake”. Não tínhamos acabado de acordar, mas talvez o próprio rapper do Catujal tenha despertado durante o espectáculo de ontem para o facto de existir gente que quer mais música e concertos da sua parte.



Apesar de não ser o rapper mais tradicional do panorama, Rejjie Snow apresentou-se no formato convencional de MC-DJ. No grande palco do ID_NOLIMITS, e perante uma multidão, os braços no ar voltaram a balançar e as cabeças a abanar, num registo típico de concerto de hip hop.

Contudo, entre os graves dos instrumentais e as rimas, o lado mais melódico do repertório de Rejjie Snow – nomeadamente os refrões – não teve oportunidade de se destacar. Apesar de entusiasmado e bem humorado, o artista natural de Dublin não parecia estar em plena sintonia com o estado de espírito dos seus temas e, ao vivo, não se conseguiu elevar ao nível do que é capaz de fazer em estúdio.



Sippinpurpp começou por sofrer com aquilo que muitos concertos em festival sofrem: a transição entre salas abre sempre a possibilidade para um público mais desatento, mas o rapper não baixou os braços. A sua energia, aliás, apenas cresceu e demonstrou como a metamorfose do artista levou a um Sippinpurpp muito certo e dedicado na sua missão, de microfone em riste, e barras “no bolso” — e desde os primeiros temas, “Não me Venhas Chatear”, “Never Walk Alone” e “Extravagante”, que se mostrava preparado para enfrentar este segundo dia do ID_NOLIMITS.

A audiência, a crescer em tamanho e energia, cantou todos os refrões, mas acordou finalmente com a entrada de Mike El Nite para se entoar “Dr. Bayard”, mas também “Avião” e “Havana” – a primeira vez da noite em que sentíamos a falta de ProfJam. Ainda ouvimos “Maravilhoso” ou “Tudo Pago”, mas foi em “Sauce” que Sippinpurpp fincou o pé e electrizou a Sala Eristoff. “Um clássico”, afirma o artista sem qualquer tipo de reservas.

Para lá disso, “1000 Jogos” foi um momento obrigatório e imperdível deste concerto. Sippinpurpp rimou, sem voz na backtrack, segurou a faixa com fervor para uma plateia que tinha nomes como xtinto, Holly Hood, Here’s Johnny, Dillaz e Regula atentos. Equipado a rigor, o rapper fechou a sua actuação com o tema mais aguardado pela plateia. “Fato treino do City”, em todo o esplendor do seu beat com cadência drill (obrigado, benji price), foi celebrado e cantado de uma ponta a outra pelos presentes. Brincar é no parque…



Outro ex-elemento da Think Music subiu ao palco de seguida. Lon3r Johny chegou para manter os níveis de energia em cima e não lhe foi difícil deixar a plateia a esbracejar, a fazer moshs e a cantar (o flow melódico é o seu ponto mais forte). 

O alinhamento centrou-se no projecto A Nave Vai em Tour, editado no ano passado, mas também noutros singles que ajudaram a popularizar Lon3r Johny. Ousado e disruptivo, o artista tem o estofo necessário para uma actuação de qualidade, mas o uso excessivo de backtrack – e as diferenças de voz entre a gravação e o que se ouvia ao vivo, vindo do microfone – prejudicaram a performance. Certo é que não há dúvidas de que Lon3r Johny é um artista cheio de qualidades cujo potencial não foi ainda aproveitado ao máximo.



Existem várias constantes na programação do ID, e uma delas é a ligação directa ao canal de YouTube COLORS: NENNY, Jarreau Vandal, Lex Amor e Poppy Ajudha já por lá passaram, mas quem conseguiu retirar mais dessa montra foi mesmo Greentea Peng, algo que se notou na afluência à única sala com lugares sentados (muitos deles ignorados antes do início para se ocupar completamente a linha da frente, um “problema” resolvido com a total ocupação no decorrer do concerto).

MAN MADE, o seu álbum de estreia, dispôs um cruzamento entre “dub e neo-soul, hip hop e jazz, drum n’ bass e funk” com a voz e a escrita de Peng enquanto guias xamânicas de uma certa forma de se estar, procurando amor e boas vibrações na hora de encarar o negativo. Como tal, a primeira mensagem (de paz) foi mesmo para os acontecimentos que envolvem directamente a Rússia e a Ucrânia, mas que metem o resto do mundo em sentido.

Com cinco músicos à sua volta a darem todo o espaço para brilhar — sinal inequívoco da qualidade dos mesmos, interprete-se assim –, Aria Wells, mais uma filha de Londres, essa cidade que não se cansa de nos dar fascinantes artistas, fez-nos esquecer o que estava lá fora, espalhou charme (não foram raras as vezes em que tocou e se debruçou para interagir com as pessoas que estavam na frontline) e deu-nos a oportunidade de perceber que é possível estar sempre no controlo, mesmo quando se trata de um som psicadélico — que é mais teraupêtico do que outra coisa qualquer. Um chá que cura todos os males, pelo menos enquanto o bebericamos. A plateia, a mais feliz e animada que vimos nestes dois dias, pode confirmá-lo.



Entre os bangers de rap e as sonoridades mais melosas de r&b, T-Rex tornou-se um dos grandes nomes do meio ao longo dos últimos anos. O público está conquistado, T-Rex é um dinossauro que claramente se sente confortável em palco — e cuja energia natural é um trunfo — mas ainda há espaço para polir a sua ocasional crueza.

No palco principal do ID_NOLIMITS, as suas óptimas canções eram conhecidas por grande parte do público, que pareceu satisfeito com a ginga angolana e estética urbana made in Linha de Sintra. 

E chegamos hoje ao último dia do festival. Shygirl, entretanto, cancelou a sua passagem por Portugal, mas há nomes que cheguem para compensar a sua falta: cktrl, Poppy Ajudha, Mazarin, YAKUZA, Pedro da Linha, Branko, Moses Boyd e Major League DJz são garantia de qualidade.


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