Francisco Couto volta, depois de lançar alguns singles esporádicos ao longo do ano de 2019, aos projectos mais longos. Depois do homónimo lançado no fim de 2018, It Spreads Underground é o terceiro álbum de HIFA, com chancela das Edições Fauve. Marcado pelo regresso do produtor a Portugal, este novo revela um par de ouvidos mais atentos à cultura rave. E o músico resume o disco da seguinte forma: “um pézinho na lágrima, outro num barracão abandonado”.
A batida 4-to-the-floor marca todos os momentos mais ritmados do álbum, apostando constantemente na pista de dança e variando nos arpejos, melodias e ambientes das músicas. “ROKAS MOKAS” é mais submersiva e reverberada – como um Vangelis DIY modernizado –, lado a lado com “Alcohol Can Always Betray”, numa proposta mais relacionada com Sensible Soccers e o easy listening que lhes caracterizou o ultimo trabalho – é o kick que desvia a faixa para uma pista de dança mais soturna. “Don’t Repress It Baby Use It” puxa para uma regularidade mais típica dum house lo-fi que favorece o álbum, por não estar muito presente ou repetido, mas tornando-o um pouco mais club friendly. Hoje, o produtor apresenta o seu disco no Musicbox, em Lisboa, com Hangloser aka DWARF, Drvgzila e Old Manual.Voltaste da Holanda e, em menos dum ano, já lançaste o teu EP homónimo, vários singles e agora um álbum, um projecto mais exigente. Sentes que essa mudança influenciou o teu processo de criação e de compilação deste trabalho?
A Holanda serviu muito para me dar espaço para organizar as coisas na minha cabeça, longe de concertos e menos focado na música, tanto que apenas duas faixas do álbum é que foram criadas lá. Mas com esse tempo aprendi a ser mais paciente, a ter calma em relação a dar músicas praticamente por acabadas em menos de dois dias, e a ser mais selectivo em relação às coisas que meto cá para fora. Foi a primeira vez que decidi não meter todas as músicas que fiz, pensar no álbum mais enquanto uma peça e não uma compilação (senão este também teria umas 18 músicas e nem eu tenho paciência para ouvir aquilo tudo).Já estavas ligado à Fauve, mas este é o teu primeiro trabalho de maior relevo com a editora, certo? Como se deu a ligação e qual foi a relevância que teve para este registo?
A ligação deu-se muito naturalmente numa conversa com o Francisco Oliveira, da Fauve. Por sermos amigos e termos gostos parecidos, as coisas acabaram por colar perfeitamente, principalmente porque esta editora é sempre bastante ambiciosa nos seus projectos, e gosta de inovar em cada disco que faz, sempre de acordo com a sonoridade e estética deles.É um trabalho mais abrangente e heterogéneo que o que fizeste no passado. Também mais abrasivo, com um techno mais uptempo, mas com texturas ambient harmónicas constantes ao longo do disco. O que está por trás de It Spreads Underground? O que quiseste dizer com este álbum?
Por acaso, enquanto criador, sinto mais homogeneidade neste álbum do que nos restantes projectos, pelo menos a nível de cores e de ideias. Eu não sei porque é que faço música; faço só, portanto, acima de qualquer conceito por detrás de cada faixa, estas são sobre as experiências que vivo, a música que oiço, a cultura que consumo, etc., e a forma como processo isso em mim e devolvo em formato mp3. A Holanda permitiu-me explorar muito mais a cultura rave, e acho que isso se reflecte nos beats do sons. Não tenho propriamente uma mensagem a passar, pelo menos por agora, estou só a expressar o que me vai nas entranhas.Usaste o sample da “Só Que Sim” na “Shamanic Sales” desta vez. No teu EP foi o cómico sample do Future na “King’s Dead”. Vês estas inserções como parte dum carácter humorístico, ou os objectos musicais perdem para ti esse contexto quando os samplas?
[Risos] Achava que não era assim tão fácil de perceber de onde vinha o sample. Faço-o com carácter humorístico para mim próprio, porque também não consigo desligar esse lado quando estou a produzir, mas não é uma sensação que queira passar ao público. Se está lá é porque me soa bem e não porque tem piada.Além disso, há aqui muito mais sampling, ou é maioritariamente à base de instrumentos MIDI? Como se dá o teu processo criativo?
Eu gosto bastante de pegar no Serum e começar a fazer synths do zero, mas tenho sentido uma necessidade maior de criar texturas mais orgânicas e loucas, por isso tenho pegado mais nos samples. Percebi o poder que eles tinham quando reparei que a maioria das principais texturas dos Death Grips eram samples, dão uma outra dimensão ao projecto. E como não canto, gosto de samplar vozes para dar um toque mais humano à coisa.Tens uma relação especial com o mundo dos jogos? A “Oysh” e a “Shamanic Sales” vão um pouco de encontro a alguns temas de vídeojogos.
Acho que isso já é mais coincidência. Gosto de videojogos, venero muito a minha PS2, mas não tenho grandes referências de bandas sonoras ou da aesthetic videogame.Quem é a Carolina – tão mencionada durante este lançamento – e qual é a sua influência para este projecto?
A Carolina é uma grande amiga que morreu recentemente e que sempre teve um impacto enorme na minha forma de consumir e viver cultura. Era um ser com uma positividade do outro mundo, que arranjava sempre tempo para ouvir ou ver projectos novos, que tinha sempre muitas ideias a correr na cabeça e que, acima de tudo, me empurrou bastante para começar com este projecto. Ela teve também impacto no desenvolvimento da Fauve e tinha uma relação muito forte com o Francisco e com a Diana , então fez todo o sentido dedicar-lhe este projecto que nunca chegou a ouvir e que acima de tudo celebra a nossa amizade.Existirá formato físico ou vídeo para este trabalho ou já o vês como um objecto fechado?
Estou a pensar em fazer videoclipes, mas isso ainda é uma ideia muito crua. Já o formato físico está em andamento e não vai demorar muito a chegar, com a ajuda dos amigos da FauveO que podemos esperar do teu concerto no Musicbox?
O foco continua a ser a música, mas agora vou ter umas projecções muito giras feitas por dois amigos meus, a Beatriz Freitas e o Rodrigo Nogueira, para a coisa ficar mais interessante. Mas o que se quer é festa e dança.HIFA: “Portugal está a rebentar de criatividade por todos os cantos”