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Fotografia: Rita Malaca
Publicado a: 16/01/2023

Enchente na Parede.

GUME na SMUP: um novo paradigma

Fotografia: Rita Malaca
Publicado a: 16/01/2023

Poucos grupos, em Portugal, identificados com o jazz conseguem encher uma plateia. Pelo que se verificou na passada sexta-feira, 13 de Janeiro, na apresentação dos GUME de Yaw Tembe na SMUP, este é um deles. Não havia cadeiras no salão da Sociedade Musical União Paredense: quem foi ou ficou de pé, dançando, ou sentou-se no chão, simplesmente ouvindo. E a magia aconteceu… 

Se a performance do público conta para a melhor ou a pior performance de uma banda, esta diferença (complementar) de comportamentos já por si definia o que estava a acontecer em termos de usufruto colectivo: uns estavam lá para sentirem os ritmos de GUME com o corpo (africanos, hispânicos, de funk, de hip-hop, de rock, todos mixados pelo dito jazz), outros para absorverem as nuances que também caracterizam a escrita de Tembe.

O repertório era o do álbum DOBRA, saído em 2022, mas com a formação utilizada excluindo as cordas de Maria do Mar, Gil Dionísio e Joana Guerra, e integrando dois saxofonistas ao núcleo duro constituído por André David (guitarra eléctrica), Pedro Monteiro (contrabaixo), Sebastião Bergman (bateria) e David Menezes (congas): eram eles André Murraças no tenor e Francisco Menezes no barítono, este por ocasiões alternando com a flauta. Tal facto fez com que a música tocada estivesse muito próxima da sonoridade de uma big band de bop ou de free jazz.

O arranque fez-se num registo mais pausado e jazzy, concentrando-se no jogo entre os sopros, com espaço para que todos os três pudessem solar e improvisar sobre o que estava nas pautas. Se alguém achou que era um começo frouxo, depressa percebeu que a estratégia estava na elaboração de um crescendo, com as polirritmias a fazerem-se cada vez mais presentes e a percussão a assumir um papel fundamental. Os GUME foram voando cada vez mais alto, até atingirem um clímax explosivo na última peça e no encore que se sucedeu, exigido por uma assistência muito claramente entusiasmada.

Do disco foi recuperada a voz da poeta e declamadora Raquel Lima, agora a residir em S. Tomé e Príncipe. Já os vocais de Yaw Tembe foram em tempo real, uma vez ou outra sem se conseguir entender plenamente o que dizia. Pudera, pois com ele estavam mais seis músicos a tocar. Pressentia-se alguma referenciação no pan-africanismo retro-futurista e cosmológico de Sun Ra, mas também na Chris McGregor’s Brotherhood of Breath, no Fela Kuti dos tempos da banda Africa ‘70, no Ambrose Akinmusire de Origami Harvest ou no novo jazz aparecido recentemente nas ilhas britânicas, a exemplo de Nubya Garcia. Ainda assim, nenhuma dessas influências se revelava por inteiro ou havia receitas apropriacionistas – estavam lá, mas digeridas no estilo muito pessoal de Tembe.

Foi em ambiente de festa que o lançamento de DOBRA na Parede decorreu, numa enchente que só acontecera antes com os Lokomotive de Carlos Barretto. E isto tem mais que se diga: Barretto e os seus parceiros nesse trio, Mário Delgado e Alexandre Frazão, são veteranos do jazz nacional com muita estrada percorrida, enquanto os GUME são formados por jovens músicos. Caso para afirmar que a nova geração desta área musical está a conseguir o que antes era impensável: um público numeroso. DOBRA marca o início de um novo paradigma e isso é extraordinário.


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