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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/02/2023

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George Silver sobre Inocente Indecente: “Neste disco tive acesso a mais formas de me expressar”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/02/2023

Estivemos à conversa com George Silver a propósito do seu último álbum Inocente Indecente (2022, bolsa de criação OUT.RA) e do seu mais recente projecto George Silver & Gold. O diálogo foi-se expandido e foram abordados diversos assuntos, desde composição musical a asteróides.

George Silver é dos artistas mais hiperactivos e com mais urgência da cena metropolitana de Lisboa. Está constantemente presente na cena cultural portuguesa, seja como DJ, músico, performer ou radialista. Além dos álbuns lançados, Lagoa (2019), Santo André (2020), UNIVERSOU (2020) e Coisa Ruim (2021), está permanentemente a desenvolver alter egos em outros projectos — faz parte de Lunnar Lhamas, Barata Cósmica, Em Missão e é co-criador das editoras Linha Amarela e Panama Papers.



A melhor maneira de ouvir o teu último álbum, Inocente Indecente é deixá-lo correr do início ao fim. Há uma coerência de faixa para faixa que afirma este objecto como um todo em vez de um objecto construído através de partes isoladas. Como foi a produção deste disco?

Sempre que penso em fazer um disco, penso-o na sua totalidade. Certas coisas no entanto podem ter sido fruto do acaso, ou realizadas em outros momentos. Com este material, recorro ao meu imaginário e componho um conceito, uma história. Com este disco quis juntar e contemplar uma variedade de coisas. A coerência de que falas vem da necessidade de criar um objecto que seja ouvido do inicio ao fim.

Dá-me a sensação que este disco tem algo tribal. Esta sensação vem da percussão que usas… Senti que há bastante presença da tarola, por exemplo. A percussão no disco é tocada com elementos acústicos, drum machines, ou é um híbrido? 

É um híbrido. Neste disco tive acesso a mais formas de me expressar, pela primeira vez consegui gravar certos elementos que no primeira disco não tive hipótese.

Ou seja, instrumentos acústicos e não máquinas?

Sim, instrumentos acústicos. A bateria é de facto o meu instrumento, foi aí que comecei. Durante muito tempo não gravei nada porque (não só, mas também) é dos instrumentos mais difíceis de gravar e misturar. As máquinas são por vezes um elemento tranquilizador na produção: já está tudo lá.

Percebo, os volumes e as equalizações de cada instrumento dentro de uma drum machine estão já parcialmente equilibrados e balanceados.

Neste álbum tentei fazer com que a mistura do acústico soa-se a algo electrónico… Queria algo electroacústico, expansivo, tentar encontrar o equilíbrio entre estes dois mundos. A procura deste equilíbrio é das coisas mais desafiantes musicalmente para mim.

Na vertente acústica, é muito notório as nuances e a melodia do jazz. Se não me engano, vens dessa escola, certo?

Sim, comecei a estudar jazz aos onze anos na escola de jazz do Barreiro. Foi lá que aprendi a tocar bateria e piano.

A última faixa deste álbum é só piano. Em todos os teus álbuns exploras sempre o piano, a sua presença é sempre significativa.

Como sabes, o piano é um instrumento de percussão e é absolutamente complementar à bateria. A bateria e o piano complementam-se um ao outro. O piano traz melodia e harmonia às composições. Tocar piano é terapêutico para mim, tenho uma muito boa relação com o piano. Porém, na pesquisa pela música electrónica afastei-me um pouco do piano. Só agora é que estou a fazer as pazes com o jazz! Devido à música electrónica, estou muito mais feliz com a minha escola em jazz.

Gostava de destacar a faixa “O Bom Petisco” em colaboração com Bruno Conteira, está incrível.

O Bruno é um grande amigo meu. Ajudou-me a conhecer as máquinas, constantemente ia a sua casa tocar com todos os seus instrumentos e máquinas, deixava-me à vontade. Comecei posteriormente a investir nas minhas máquinas. A minha relação com as máquinas, por exemplo, vinha muito do jazz, da improvisação. Experimentava várias coisas sem saber bem como fazer de forma muito orgânica.

Ao longo do disco sente-se uma atitude punk, uma atmosfera dark, distorcida… As vozes que aqui surgem são tuas?

Sim, são minhas. Gosto de pegar no microfone e mandar bitaites [risos]. Há também vozes escondidas dos alter egos malucos da Panama Pappers e coisas da Em-Missão. O álbum Insultório também tem a minha voz, a minha e a da Camila. Quando gravei a faixa “O Bom Petisco”, convidei o Menino da Mãe para cantar, mas depois nunca aconteceu… Estávamos muito ocupados e desencontrados. Portanto, assumi cantar eu acompanhado da guitarra do Contreia. O meu próximo disco vai ter muito mais voz!

Este álbum tem uma energia muito positiva. O groove é cativante… Mesmo nos elementos punk que surgem aqui e ali. É um album para dançar, de pista. Pegando nas tuas palavras, é um objecto que pretende fazer uma narrativa.

Tenho alguma dificuldade em sair da positive area porque sou uma pessoa muito positiva [risos]. Por vezes quero ir ao dark side e custa-me. Há sempre um lado Apollo… Dionisíaco… Enfim. Apollo está sempre lá. Quando procuro as trevas acabo numa onda nostálgica e onírica. A faixa “Pessoas são ilhas” veio de um sentimento (meio) de saudade, que acaba por ser positivo… Eu queria ser dark mas não dá.

Disse que o Inocente Indecente era um álbum de pista, no entanto não se limita nesta categoria.

Não se limita nessa categoria porque não é um álbum de pista organizado por faixas, mas sim um objecto para ser ouvido do início ao fim. Eu compro discos, oiço-os, gosto de ter discos em casa. Gosto de ouvir um disco do inicio ao fim, de rodar o disco apenas uma vez.

Queres falar um pouco do teu próximo álbum?

Serão dois [risos]. O próximo álbum sairá em CD e vai chamar-se Asteróide. Um asteróide é uma espécie de planta mor… um elemento que gravita e que está um tanto sozinho no universo. Não tem vida, mas tem a capacidade de destruir a vida dos outros planetas. Foi um asteróide que extinguiu os dinossauros, um asteróide sem vida e sem interesse. Sentiu-se atraído pela Terra e booom! Destruí-os [risos].

Quais foram as referências musicais na construção do Inocente Indecente?

No disco agradeço ao Pharoah Sanders. É para mim uma referência incontornável. Descobri-o depois de ter estudado jazz e fiquei apaixonado. É um músico com o qual me identifiquei muito. Muitas das vezes as minhas referências para compor são lugares, em vez de artistas.

Pata terminar, gostaria que falasses sobre o teu recente projecto ao vivo George Silver & Gold. Imaginavas-te a tocar o Inocente Indecente neste formato?

George Silver & Gold é um dos meus mais recentes projectos e de longe o mais plural. É com este projecto que quero andar a tocar por aí. Fui desafiado pelo pessoal do OUT.RA a criar um ensemble a estrear no OUT.FEST 2022, no Barreiro. Decidi então alguns músicos: Impuzzle, no piano, Mr.Volátil, no baixo, Ernesto, na guitarra e o Johnny no saxofone para tocar as músicas dos meus discos. Rapidamente começamos também a criar novas músicas. O espírito é pôr o pessoal a dançar. Sempre quis experimentar fazer uma direção musical inspirada pelo Tony Allen, pelas dinâmicas impulsivas e repetitivas do afrobeat… E claro, a sua relação com a música electrónica. A ver se este ano surgem oportunidades para se dançar mais vezes.


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