CD / Digital

Fred

O Amor Encontra-te no Fim

Kambas / TV Chelas / 2019

Texto de Beatriz Negreiros

Publicado a: 20/06/2019

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Na faixa “O Equilíbrio”, a penúltima no álbum de estreia de Fred, ouvimos o timbre inconfundível de Carlos Nobre, mais conhecido como Carlão, a deambular por uma definição pessoal de balanço — entre amigos, família, palco, discos. E diz essa voz: “O sentido é ‘tarmos bem e fazermos com que os outros estejam bem também”. Parece suficientemente simples, mas é uma conclusão esforçada. Não é por acaso que estas sábias máximas chegam quase no final d’O Amor Encontra-te no Fim, o primeiro disco a solo do baterista, produtor e compositor português Fred Ferreira, que já integrou no passado projectos seminais portugueses e não só, tendo feito parte de Orelha Negra, 5-30 (ao lado de Carlão, entre outros, nem mais…) e Banda do Mar. Mesmo antes do álbum sair, a 3 de Maio, através da TV Chelas (do frequente parceiro Samuel Mira), Fred revelou que teve de procurar o caminho para o bem, refugiando-se numa sala sozinho com dois microfones e uma bateria. O Amor Encontra-te no Fim é o documento da necessária viagem até à certeza da felicidade, temperado com o trato delicado de Fred, num disco que soa espaçoso e íntimo ao mesmo tempo.

A bateria serve de linha condutora e de voz num álbum que parece querer contar tudo sem dizer uma única palavra. Ao primeiro álbum a solo, é já uma extensão do seu braço, do seu corpo, da sua psique. Os samples cuidadosamente curados pela mão do co-produtor Ricardo Riquier são a ponte entre a jornada pessoal de Fred e o ouvido do público, uma jornada caracterizada pelo foco na temática do amor, tal qual indica o título do disco. No entanto, não falamos apenas de amor romântico — apesar de o encontrarmos perfeitamente emoldurado nas palavras de Marcelo Camelo, que dão o pontapé de saída para a lustrosa “Boo” — mas também da grandiosidade do amor platónico e até familiar: em “Geshe”, a voz do falecido Zé Pedro, encostada à agridoce linha de teclado, indica-nos um tributo sentido ao parceiro de banda do pai de Fred, Kalú (Fred já havia explicado, em entrevista à Blitz, o orgulho que sentia em pertencer a uma “família tão bonita” como a dos Xutos e Pontapés).



O Amor Encontra-te no Fim caracteriza-se também pela forma como se aproveita dos seus colaboradores: nesta viagem instrumental tão profundamente sua, Fred certifica-se que os seus convidados estão tão nus como ele, e, ao invés de se apresentarem na qualidade de MCs ou cantores, dão-se a conhecer despidos da sua personagem de profissão, deixando apenas a sua voz, falada, dar corpo a sentimentos e sensações naturais: assim, se esperávamos ouvir Valete a vociferar rimas num ritmo ensaiado em “Amigo”, somos logo ludibriados ao ouvir uma mensagem de voz carinhosa para o amigo e colaborador, no qual não consegue conter o seu entusiasmo para escutar o seu novo trabalho. As colaborações mais costumes acabam por ser a de AMAURA e de Francis Dale, projecto para o qual Fred também já pegou nas baquetas, que se encontram na melancólica “Amor Sincero”, um rafeiro de Ornatos Violeta com o travo a soul tipicamente empregue pela dupla, aqui unidos à voz de Maura Magarinhos, que nos chega filtrada através do pitch shifter.

E vale a pena perguntar: podia ser mais um disco de Orelha Negra, com as suas baterias pujantes e baixos suculentos casados com o scratch, os samples, a atmosfera rica e cinemática que faz os instrumentais crescerem e crescerem numa viagem de poucos minutos? Talvez. Não fosse esta ser, como classificou Fred ainda este ano em entrevista ao Rimas e Batidas, “a banda que mais o representa”. Mas O Amor Encontra-te no Fim transmite-nos uma intimidade que o fecha num círculo atmosférico bem mais contido do que o trabalho do artista ao lado de Sam The Kid, João Gomes, Francisco Rebelo e DJ Cruzfader. No dito “fim”, somos de repente assaltados pela referência confirmada a “True Love Will Find You In The End”, na canção aptamente intitulada a jeito de lembrete pessoal “Para Nunca Mais Cair” — depois de um minuto e pouco verdadeiramente triunfante na sua explosão quase religiosa de êxtase de soul, ouvimos de repente aqueles acordes de escuteiro e aquela letra tão infantil mas tão verdadeira que nos aquece sempre o coração. O teclado de Fred, que parece acrescentar tão pouco, convida confiantemente o tema para servir de moral da sua própria história. Afinal de contas, o amor esteve sempre lá. Só era preciso encontrá-lo, ou ele encontrar-nos a nós.


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