VHS / Cassete / Digital

Folclore Impressionista

Campos Espectrais Vol. II

Nariz Entupido / 2019

Texto de Rui Miguel Abreu

Publicado a: 22/06/2019

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A aventura hauntológica de João Paulo Daniel, Sérgio Silva e António Caramelo, Folclore Impressionista, está de volta com o segundo volume de Campos Espectrais que merece nova edição na Nariz Entupido (cassete e VHS) e Bandcamp (formatos digitais).

As coordenadas sugeridas no curto texto que acompanha a edição na página oficial do trio são vagas: “Campos Espectrais Vol. II é uma incursão audiovisual sobre o pós-pastoralismo, que conjectura a utopia de um mundo pastoral paralelo a partir do poder mágico da gravação vídeo em fita magnética e da manipulação sonora de ecos de Campos Espectrais Vol. I“. Ou seja, um loop. Desta vez, o novo lançamento surge acompanhado não de efémera empacotada (postais, mapas, fotografias, tão relevantes quanto a música que traduzem ou sugerem ou codificam), mas de uma cassete VHS que distorce, em granulosa footage a preto e branco, imagens de paisagens, manipuladas em contrastantes tons que oferecem aos líquidos drones que as suportam uma dimensão gráfica imersiva e hipnotizante. Como se um velho televisor catódico abandonado numa qualquer ruína perdida no meio de uma encosta remota do Douro regressasse repentinamente à vida exibindo trémulas e difusas imagens daquele lugar, mas de um outro tempo.



Em entrevista concedida ao Rimas e Batidas aquando da edição do primeiro volume de Campos Espectrais, João Paulo Daniel confirmava a vertente hauntológica do grupo e a consequente e natural ligação aos universos estéticos explorados por etiquetas britânicas como a Ghost Box e a Folklore Tapes. “Os Folclore Impressionista são hauntologistas que acreditam na existência de espaços hauntológicos próprios, gerados por memórias culturais e geografias específicas, e nas estratégias operativas da Psicogeografia para investigar as espectralidades do lugar”. A investigação prossegue, portanto, em busca de “um mundo pastoral paralelo”, em busca, de um sonho, de um espírito ou do eco de uma outra dimensão. De uma memória de futuro, se quisermos. Ou do futuro que existiu em tempos, ingénuo, num passado mais ou menos distante.

Musicalmente isso traduz-se numa suite de três andamentos — ou três “WALKS”, como indicado nos títulos — composta pelos elementos do trio: um drone carregado ele mesmo de grão analógico, altamente processado, como de resto as imagens que o acompanham, de uma peculiar nobreza monocromática, envolvente e cativante, como um qualquer remoinho de que não conseguimos desviar o olhar e em que desejamos mergulhar. Há algo de mágico e até de sobrenatural nesta música, como se o drone contivesse as mil vozes que uma paisagem possa ter testemunhado ao longo de um tempo, sobrepostas até à abstracção, combinadas com um registo do passar do próprio tempo, dos elementos, tudo organizado numa massa disforme, mas simultaneamente familiar (e não apenas porque resulta da manipulação de “ecos” do primeiro volume). Esta é, claramente, música que só “funciona” se escutada com uma bagagem — emocional, cultural, vivencial — própria, ou seja se combinada ela mesma com memórias e experiências de lugares que retenham essa dimensão de ancestralidade e pureza que as cidades parecem ter hoje perdido.


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