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Fotografia: Hugo Sales
Publicado a: 14/03/2023

Estreia de um novo projecto de Marcelo dos Reis.

Flora na SMUP: decibéis no vermelho e hipnotismo sonoro

Fotografia: Hugo Sales
Publicado a: 14/03/2023

Foi no passado dia 10 de Março que se estreou publicamente, na SMUP, a nova banda de Marcelo dos Reis. Com o nome de Flora, o trio do guitarrista e compositor/improvisador conimbricense com Miguel Falcão (contrabaixo) e Luís Filipe Silva (bateria) deixou marcado o entusiasmo do público por este projecto que será editado ainda este ano. O concerto teve uma mise en scéne especial, com uma planta de grande porte ao fundo, tão iluminada quanto os músicos, com sombras a roxo e cor-de-rosa projectadas nos habituais biombos de fundo do já mítico sótão daquele espaço situado na Parede, concelho de Cascais.

A música aí ouvida mesclava e confundia uma série de referências de género e estilo, como o rock (versões prog e punk/metal, com claras influências de Jimi Hendrix e John McLaughlin) e o jazz (entre o bop e o free), introduzindo ainda aspectos do country (característicos em Marcelo dos Reis), da música clássica indiana (por meio de loops iniciados pela guitarra simulando os drones/bordões da tambura) e África. 

Em linha com o típico, no jazz e no rock de garagem, enquadramento da composição aberta a elementos improvisacionais, foi à escuta e à interacção entre os músicos que resultou a impactante actuação. Tudo o que acontecia derivava dos olhares entre os três artistas, de modo a haver um rigoroso entrosamento dos riffs, e dos sorrisos trocados com que os mesmos denunciavam o prazer com que tocavam. E que músicos são estes que vão maiorizando a música criativa na periferia dos circuitos de Lisboa e Porto… 

Marcelo dos Reis ganhou já o reconhecimento internacional dos seus outros projectos, designadamente Open Field (com João Camões e José Miguel Pereira, tendo já tido convidados como Elliott Sharp e Burton Greene), Chamber 4 (com os irmãos Théo e Valentin Ceccaldi e Luís Vicente), duos com Eve Risser e Angélica V. Salvi, Staub Quartet (com Carlos “Zíngaro”, Miguel Mira e Hernâni Faustino) ou Fail Better! (tendo a seu lado Yedo Gibson, Luís Vicente, José Miguel Pereira e Marco Franco), entre outros, para além do formato solo, como em Cascas e o mais recente Glaciar.

Com actividade incidente no ensino do contrabaixo, Miguel Falcão trouxe consigo toda a experiência que teve em bandas de rock e em agrupamentos de improvisação como o PREC (de Projecto Ressonante Experimental Criativo, mas com a ironia de remeter para o, assim chamado, Projecto Revolucionário em Curso dos anos de 1974 e 75) e o Basso3, com Alvaro Rosso e José Miguel Pereira. Aliás, foi ele o eixo do concerto na SMUP, com uma abordagem segura e aglutinante que procurou derivar dos tons mais graves do seu instrumento. Na ocasião, Marcelo dos Reis apresentou o músico como sendo o “sensei” do trio. Admiráveis foram os feedbacks controlados entre contrabaixo e guitarra na estreia destes Flora.

A música da banda implicava o envolvimento de uma bateria que empurrasse todos para a frente e que fosse não de jazz, mas de rock. Essa função foi abraçada por Luís Filipe Silva da melhor maneira, tendo sido ele a grande revelação do concerto. Teve como ponto de partida o death metal, pertenceu ao grupo GrimleT e está presentemente ligado à TurnTable Band e aos Mercury Fall. Compõe também para teatro e tem um disco a solo, Monge Azul. A forma como desmultiplicou braços e pernas surpreendeu o compositor Marco Barroso (LUME), sempre à procura de bateristas com o tipo de abordagem deste, quando Vicky Marques e António Sousa Dias não estão disponíveis. (Um aparte: o ex-Mler If Dada, e protagonista de variadíssimos feitos no domínio da improvisação, Nuno Rebelo foi igualmente à descoberta da nova proposta de Marcelo dos Reis.)

A prestação dos Flora teve duas coordenadas essenciais: uma mais brutalista, com os decibéis a subirem até níveis vermelhos, e outra que podemos definir como psicadélica, mais lenta nos desenvolvimentos e visando a hipnose auditiva ou a sensação de que estávamos em lugares distantes e exóticos. A recepção dos assistentes parece ter sido uma indicação da importância do álbum que aí vem. O Rimas e Batidas não saiu da SMUP sem saber de outra novidade: está na calha uma dupla de Marcelo dos Reis com a violinista Maria do Mar, que nos últimos anos tem ganho uma especial relevância na cena portuguesa. Apesar das dificuldades presentes, a criatividade vai imperando, o que é uma boa indicação de que o futuro destas músicas está assegurado.


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