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Fotografia: Rita Chantre
Publicado a: 29/09/2023

Musicalmente fluida.

Filipe Sambado: “Ao ouvir 100 Gecs ou Dorian Electra fui apaziguando esse lado mais agitado”

Fotografia: Rita Chantre
Publicado a: 29/09/2023

Nos três anos que se sucederam ao lançamento de Revezo, Filipe Sambado atravessou pontos de viragem na sua vida, entre os quais o abraçar da parentalidade e a redefinição da sua identidade de género, o que, conjuntamente com as mudanças significativas que o mundo tem vindo a atravessar nos últimos anos, influenciou as preocupações que a artista traduz no seu mais recente álbum, Três Anos de Escorpião em Touro, editado hoje. Existe também neste álbum uma certa reconfiguração composicional em que Sambado decide dar asas à experimentação de uma forma mais imersiva do que antes, algo auxiliado pelo adoptar de uma estética mais hyperpop, mantendo ainda assim a identidade indie pop presente desde o início da sua discografia a solo ou as evocações do folclore musical português que se têm afirmado no seu repertório mais recente.

Ao Rimas e Batidas, Sambado deixa claro que as transformações que compõem Três Anos de Escorpião em Touro não a distanciam do trabalho do passado e que a maior mudança que se aqui se faz sentir é o ímpeto de explorar diferentes mundos musicais de uma forma mais destemida, numa carreira que sempre se mostrou musicalmente fluida.



Descreveste o período destes Três Anos de Escorpião em Touro enquanto um período de diversas mudanças a nível de género, familiar, e emocional. Considerando o nível de expressão pessoal que sempre se encontrou presente no teu repertório, que peso tem este novo lugar identitário em que te encontras na escrita das canções que compõem este disco?

Eu não acho que é isso que o torna mais íntimo. Isso é um assunto que impacta mais a agitação da minha cabeça e dos meus dias, e daí ser um tópico importante neste período. Na escrita das canções, é um tópico que aparece presencialmente num ou dois temas do disco, mas não é aquilo que te dá mote ou que fundamenta o grande core da temática do mesmo, eu acho que é um disco muito mais emotivo e imediato nas suas letras.

Esses são assuntos muito importantes, e alteram bastante a temperatura com que as coisas são levadas, no sentido em que essa agitação me põe às vezes em lugares de maior ansiedade e coisas assim. Eu escrevi isto num texto de candidatura para alguns apoios a que concorri com o disco e não tenho a certeza de tudo o que foi adaptado para press release, mas falo doutro tipo de assuntos também, como coisas que são muito importantes e alvo de observação e de assunto para o disco: motivos de eco-ansiedade, toda a fase pós-pandémica e pandémica, ter a preocupação financeira de ter uma criança agora e sustentá-la, ter que lidar diariamente com a ideia de que nós corremos para o fim do mundo como o conhecemos, todos os problemas ecológicos que me assustam tanto — não sei bem aquilo que a Celeste vai ter para a vida dela, isso também é uma coisa que me assusta constantemente —, os meus problemas de ansiedade mais elementares… São tudo coisas que acabam por fazer parte de todas estas mudanças, e eu acho que o disco tem muito destas preocupações.

O título do álbum, assim como a descrição que tem acompanhado os respectivos videoclipes, remetem para motivos astrológicos. É suposto esse aspecto transparecer um propósito conceptual para com o álbum de alguma forma?

Sim, o título usa dois signos que são muito relevantes no meu mapa astral, neste caso, o meu vénus em touro, e o meu escorpião, que é o meu ascendente e que também está em saturno. O título é sobre a colisão destes dois aspectos, e depois vai sendo aquilo que segue durante todo o disco, e, no fundo, é sobre estes três anos que separaram o Revezo do Três Anos. E depois, os vídeos pegam neste lado do horóscopo, deste lado esotérico, e eu, ao fazer esta proposta de um álbum visual, achei interessante incorporar descrições que fazem parte do meu mapa astral e que ajudam a descrever aquilo que eu quero dizer com o disco; portanto, uma pessoa que tenha interesse em perceber o que é um determinado signo em determinado astro em determinada casa poderá tentar relacioná-lo com o que a canção e que o vídeo estão a tentar pôr.

Ainda que se encontrem traços de uma abordagem indie presente desde o início da tua carreira ou elementos de música popular portuguesa que se foram acentuando desde Revezo, a incursão para uma estética mais hyperpop é mais que evidente em Três Anos de Escorpião em Touro. Será essa reconfiguração musical também resultante dos três anos de reflexão que definem o disco?

Eu já queria abordar um bocado esse lado no Revezo, mas fui acabando por me reservar mais e tentar, sei lá, manter algum pudor e ser mais tradicional com a abordagem. Mas já na altura eu tinha andado completamente louca com o Pop 2 da Charli XCX, que tinha saído para aí um ano antes do Revezo ou uma coisa assim, e aquilo tinha-me batido imenso. Já andava com imenso interesse em explorar mais daquelas lógicas da PC Music e etc., mas acabei por ir deixando isso um bocado para a frente. Quando entrámos na fase da pandemia, comecei a experimentar fazer umas primeiras abordagens, algumas coisas novas (eu ainda não tinha canções, ‘tava só a explorar sons e coisas assim), e entretanto tinha também saído o disco da Sreya, que o Bejaflor tinha ajudado o Primeira Dama a produzir, e fui-me interessando um bocado por esse lado mais hyperpop do Bejaflor e pela possível contribuição que ele poderia ter no meu disco. Entretanto, fomos partilhando coisas que gostávamos — lembro-me que na altura também me fascinou muito o lançamento do Flamboyant de Dorian Electra, foi uma mudança mais decisiva, foi importante para mim… Não sei se foi quando saiu, aliás, acho que foi quando eu o ouvi, na verdade, porque acho que até saiu na altura do Revezo

Quando o ouvi, foi um bocado esclarecedor o caminho que eu queria seguir, até porque, em parte, a possibilidade de eu imiscuir tantas coisas num objecto só sempre foi uma coisa que eu tentei fazer, mas que de alguma forma me fui censurando por me achar às vezes um bocado incoerente, e acho que em certos momentos ia tendo receio de ir mais fundo com certas coisas. E não é que não tenha ido à mesma, mas ao ouvir este tipo de produções um bocado mais 100 Gecs ou Dorian Electra, fui apaziguando esse lado mais agitado de poder criar momentos mais afastados uns dos outros no mesmo disco, na mesma canção, ir a sítios e universos completamente distantes uns dos outros e ter menos pudor com isso. De alguma forma, sentia mais o peso dessa incoerência como uma coisa má, e agora sinto que essa incoerência é uma coisa muito positiva.



Aquando do lançamento do primeiro single, “Talha Dourada”, referiste num comunicado: “Ao longo dos três anos de criação deste disco permiti-me ir a um número infindável de soluções, que podem ir duma simplicidade sintética ao Rococó e dar às canções a vida própria que elas merecem.” Uma vez que a tua discografia tem vindo a apresentar uma certa pluralidade estilística, o que muda de cenário neste álbum?

Epá, é assim: no seu resultado, nada muda. Agora, na qualidade do resultado, muda o eu permitir-me ir assim tão longe, que eu acho que em certos momentos, noutros discos — e não estou a dizer que é sempre, podem ser só coisas meio pontuais —, às vezes, há uma falta de confiança nessa loucura, porque há sempre algum tipo de amarras formais na criação musical, aquela coisa de ouvir, mostrar a alguém, e perceber que aquilo que estou a fazer poderá ser mais difícil de… Sei lá, há sempre um par de pessoas em quem nós confiamos e a quem mostramos as coisas e que, se nós sentirmos pela reacção da pessoa que as coisas não estão mesmo lá, duvidamos um bocado de nós. Não quer dizer que isso aconteça com um público mais geral, não é isso, mas é aquele conjunto de pessoas a quem nós normalmente mostramos as coisas e que estamos à espera de reacções, etc. E a diferença maior dum disco para o outro é uma coisa muito processual, que é: eu de facto permiti-me ir a um sítio e deixei que as coisas fossem àquele ponto de “não, não, eu não vou voltar atrás com esta cena, é ir até ao máximo da experiência.” 

Claro que continua a haver um compromisso com a estrutura de canção ou da experimentação a que me proponho, mas já aconteceu noutros discos eu ter coisas que achava que eram, assim, mais divertidas e loucas e que eu, depois, a certa altura, achava que era too much e ficou só pela experiência, percebes? E acho que o eu fazer estas experiências continuou a dar sempre, em todos os meus discos, esse lado a que tu te referias. Eu acho que a diferença maior para este disco é que nunca me coibi e nunca deixei de ir o mais longe possível nesse sentido. E, sinceramente, acho que este disco chega a um lugar mais coeso nessas experiências; eu acho que se distingue um bocado dos outros nesse sentido, toda essa experimentação acaba por chegar a um lugar porque acaba por não se diluir. Acho que esse é que é o lugar mais bem-sucedido do disco. 

E porque sentes que essas amarras se encontram menos presentes agora? Será algo simplesmente intuitivo ou que, por outro lado, se processou ao longo da concepção do disco?

É assim, tudo são razões para isso acontecer: ter trabalhado com pessoas diferentes daquelas com quem vinha a trabalhar — se calhar havia um certo tipo de dinâmicas e expectativas que se alteraram, porque as pessoas com quem trabalhava antes se calhar já esperavam certas coisas de mim e então também já criticavam certas coisas; o eu já ter feito um percurso até aqui — o facto de fazeres um percurso dá-te também um certo tipo de segurança ou de convicção, ou de mudança. Portanto, são tudo factores que ajudam ou que me permitem sentir isto, e isso não quer dizer que tenha que passar assumidamente e claramente para toda a gente este meu achievement pessoal, não é? Eu sinto esse achievement com este disco, e isso deve-se a todos estes factores, com dinâmicas diferentes. Por exemplo, foi um disco que foi produzido numa sala diferente, os anteriores foram sempre produzidos numa cave, e este foi produzido numa sala nova, com janelas… Não sei, foi trabalhar com um tipo de produção que desta vez também me incentivava muito à pesquisa sónica e a esta experimentação. São vários tipos de factores.

Dado este turbilhão de emoções e sonoridades vividas em Três Anos de Escorpião em Touro, planeias apresentar o mesmo ao vivo de uma maneira igualmente singular?

Aquilo que eu acho importante conseguir com a apresentação ao vivo é assemelhar a experiência, embora seja uma apresentação live, à experiência de disco, no sentido de ser uma coisa dinâmica, que vá realmente a zonas muito diferentes… E ya, quero que seja também um espectáculo com uma imagem bastante forte e que se torne de alguma forma bastante sensorial e sinestésico nalguns aspectos, de tentar passar temperaturas para as próprias canções, ou cores com as canções, nesse lado mais imediato da palavra. Vai ser uma coisa com muito backing track, naturalmente, mas também com banda, e vai passar muito de momentos de playback puro a momentos à guitarra solo, ou a capella; a ideia é ter vários momentos de ascendência e de queda, coisas muito dinâmicas.

Já tens um line-up de banda delineado para este espectáculo? Que possas revelar, claro…

Neste momento, eu estou a manter o Chinaskee a tocar comigo, convidei também a Joana, que é a baterista dos Galgo, portanto eu vou ter uma cena de duas percussões: o Chinaskee vai estar a tocar percussões e a mandar beats e efeitos, e a Joana vai ‘tar mais na bateria. Depois, a Vera vai estar a agarrar o baixo e alguns synths, e eu vou estar a fazer o restante.


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