A viagem já se faz longa e o comboio vai desaparecendo no horizonte à medida que as horas passam. O que importa é chegar a bom porto e, feitas as contas, a edição de 2025 — a quinta — do Festival Vapor fez por elevar a fasquia face às edições passadas no capítulo da música ao vivo. Abençoados por Selma Uamusse e Expresso Transatlântico no primeiro dia, instigados a marchar e a dançar ao segundo graças aos contributos que Sarah McCoy, Mão Morta, Bateu Matou e forest ofereceram ao evento do Entroncamento. Sem solavancos, o trajecto foi mais ambicioso face à edição passada — não só em termos quantitativos, mas acima de tudo qualitativos. O Vapor respira os sons do agora e não tem medo de arriscar em colocar projectos musicalmente desafiantes diante do seu público. Assim foi nos primeiros dois dias e assim continuou na derradeira sessão do certame que também se destaca pelo foco que coloca numa cultura que tem poucos ecos noutros lados — a do steampunk. O Museu Nacional Ferroviário e o Município do Entroncamento estão de parabéns pela proposta que visa não apenas descentralizar, mas também contribuir para a inovação sem cair na tentadora repetição.
Esse risco corre-se em programar projectos como Memória de Peixe, autores de uma pop-não-pop que se descola do formato tradicional de canção pela inventividade aplicada na hora de compor fraseados e esquemas altamente intrincados e laboratoriais. Musicalmente, apresentam sonoridades vindas dos mais diversos espectros, indo do rock mais experimental aos fundamentos do jazz ou aos grooves dos beats de hip hop. Em 2025, o líder e fundador Miguel Nicolau surge ao leme de um reformulado trio, agora com Filipe Louro (baixo) e Pedro Melo Alves (bateria) ao seu lado, a formação core que levou Memória de Peixe ao seu terceiro álbum, naturalmente apelidado de III. Mas este trio é mutante e vira quarteto em vários momentos do concerto com a adição de João Hasselberg nos sintetizadores. E se a digestão do seu repertório pode não ser fácil para a grande maioria dos comuns mortais, a execução técnica é brilhante do início ao fim e as descargas de energia que emanam são constantes, prendendo todos os presentes. Nicolau, Louro e Alves tocam como se estivessem a resolver a maior das equações matemáticas da história através de uma demonstração musical passo-a-passo, tornando o difícil fácil no que toca à forma como esta música escorrega para dentro dos nossos ouvidos.
Quem lhe seguiu no palco foi Bia Maria, mas o Festival Vapor não se quis ficar pela banalidade deste ser “só mais um concerto” da cantautora de Ourém. O desafio foi o de integrar um coro não profissional na sua formação, indo ao encontro da mensagem que a própria Bia Maria defende — Qualquer Um Pode Cantar foi o statement que usou para intitular o seu álbum de estreia já na recta final de 2024. Desta forma, o Coro dos Comuns juntou-se à festa que foi o derradeiro espectáculo musical deste ano do certame do Entroncamento, subindo ao palco com Bia Maria e a sua banda — Alberto Hernández (aka Luar) na guitarra e Samuel Louro nas percussões — para ajudar a interpretar as primeiras duas canções, saindo depois de cena para regressar já perto do fim, em que ainda tiveram a oportunidade de dar a conhecer um parte de temas do seu próprio repertório. A performance da artista principal foi irrepreensível, a condizer com o estatuto que vem vindo a adquirir de ser uma das maiores promessas que a música portuguesa tem neste momento, combinando a fórmula pop com muita da herança tradicional presente de norte a sul do nosso país.
Antes do último suspiro do Vapor em 2025, fomos ainda presenteados com um belo show de luzes e pirotecnia da companhia francesa eliXir. “Dragon Time” foi mais uma proposta arrojada por parte da organização, fugindo às normas daquilo que frequentemente vemos em palcos de eventos semelhantes. Com muita música electrónica enquanto pano de fundo, este grupo de performers tirou partido da noite para criar inúmeros jogos de cores e edificar um cenário distópico à nossa frente, envolvendo figuras como um dragão ou ciborgues.