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Publicado a: 16/09/2017

Festival Iminente – Dia 1: Valorizar a identidade e a autenticidade

Publicado a: 16/09/2017


 

[TEXTO] Alexandre Ribeiro e Rui Miguel Abreu [FOTOS] Daniela K. Monteiro e Sebastião Santana [VÍDEO] Alexandra Oliveira Matos e Luís Almeida

Ainda bem que não ficámos em casa. Logo à entrada do recinto, a mensagem está explícita, respondendo a um mote da comunicação inicial do Festival Iminente em que, em jeito de provocação, se sugeria que talvez devessemos ficar em casa. E nós, tal como todos os que decidiram marcar presença no Festival Iminente esgotando a sua confortável lotação, levámos a vontade de conhecer e explorar cada recanto de arte no Jardim Municipal de Oeiras, começando pelas instalações artísticas que encontramos a caminho da Pista – o palco secundário – , como por exemplo a peça de Pedro Coquenão, mais conhecido como Batida, que este ano não actuou, mas apresentou uma obra visual com o habitual espírito crítico, mesclado com um pouco de ironia. Paragem obrigatória, para quem ainda vai visitar o recinto.

 



E de Batida para TRKZ, o caminho fez-se rápido. O artista de Maputo, Moçambique, foi o primeiro a actuar e mostrou porque é visto como um artista promissor e singular no vasto panorama do hip hop lusófono, levando Filhos da Terra na mala e Renato Chandre Almeida, Edson “Chino” Rodrigues, Nuno Tavares e Ricardo Canina como banda de serviço. Com uma moldura humana modesta à frente do palco principal, Ailton Matavela “filosofou”, palavra do próprio, e trouxe uma paleta de cores diferente para um arranque Iminente que começou logo a cumprir tudo aquilo que o seu programa prometia.

 


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De seguida, Young inaugurou a pista na edição de 2017, apresentou os dois singles – “Tás a Confundir” e “Sonho” – , fez um freestyle e ainda estreou novo tema. A actuação menos conseguida do dia acabava de acontecer. Depois de ganhar algum buzz na Liga Knock Out, o MC não conseguiu dar o salto artístico que sustentaria a sua presença num festival como este e apresentou um produto com muitos esteróides e pouco sumo.

 


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Depois de uma curta pausa nas nossas deambulações com os You Can’t Win Charlie Brown a fornecerem a banda sonora, Kroniko foi o nome que subiu à pista para trazer o trap português para o centro da acção. Com Farix nas costas e hype man a assisti-lo de forma exímia, Don Zoyde desfilou os bangers de Estigma para um público que vibrou com os graves gordos que saltavam das colunas.

Entre “Dias Cinzentos” e “T-Rex”, o MC chamou Duplex, “um cigano a rimar em crioulo”, um momento em que deu espaço a um dos colaboradores no seu último álbum. “Big Ben”, um dos hits do hip hop nacional em 2017, fechou uma belíssima actuação num ambiente diurno que, à partida, nem seria o ideal para Kroniko, mas que o MC dominou com segurança e traquejo próprios de quem já carrega alguma veterania nos ombros.

 


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Com cada vez mais gente no recinto – numa sexta-feira era natural que algumas pessoas ainda se encontrassem a trabalhar quando começou o primeiro concerto – , Slow J foi o nome que assumiu de seguida o palco principal. Nessa altura, percebemos imediatamente que uma das qualidades do Iminente é podermos ver sem confusão e relativamente perto do palco um concerto bastante esperado num festival esgotado. Conforto que é um luxo no panorama festivaleiro português.

No entanto, a entrada em palco de João Batista Coelho não foi a melhor: a estreia de “Fome” ao vivo não estava bem preparada e o rapper acabou por se esquecer da letra em certos momentos. Apesar desse contra-tempo, o concerto desenrolou-se sem grandes problemas com “Arte”, “Casa” ou “Comida” a serem executadas com o à-vontade e destreza que pudemos ver este ano no Super Bock Super Rock ou no Iminente em Londres.

Como é habitual, Fred Ferreira e Francis Dale acompanharam o artista e forneceram-lhe os instrumentais, mas o destaque vai para os convidados Nerve, Gson e Papillon. O último proporcionou o melhor momento do concerto com a estreia de uma nova faixa produzida por Slow J, juntando-se logo de seguida o membro dos Wet Bed Gang ao principal protagonista para “Pagar as Contas”.

Assunto encerrado e plateia rendida, mais uma vez. A pergunta é só uma: o que é que virá a seguir? É que Slow J já provou que tem asas para voos ainda mais altos.

 


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De regresso à pista pudemos confrontar-nos com a originalíssima proposta de Scúru Fitchadú. Marcus Veiga pode não saber, mas o projecto que desenhou e que encabeça tem tudo para, alinhando-se os astros certos, poder causar forte mossa no panorama internacional: como Death Grips ou H09909, a sua abrasiva proposta industrial encontra eco imediato em quem quer que lhe conceda atenção, mas com a mais valia de a esse condimento especial adicionar um original condimento, o funaná, “verdadeira gangsta shit” de Cabo Verde, como foi capaz de nos dizer. A visão de um punk tatuado, com camisola de Malcolm X e equipado com ferro e gaita tradicional de Cabo Verde pode fazer correr muita tinha no plano internacional: basta-lhe um slot no Afropunk e o rastilho poderá muito bem incendiar-se.

A sua actuação, com covers de Crise Total pelo meio, foi incendiária, polvilhada com mosh pit, gutural e intensa como deve ser. A fórmula técnica precisa de ser apurada, puxando para cima as texturas do funaná que lhe dão carácter singular, mas tirando isso pode dizer-se que Scúru Fitchadú está pronto para ser capa da Fader.

 


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Um dos momentos mais aguardados do dia era a estreia de Unplugueto de Allen Halloween. Sentado ao início, ladeado por guitarra, baixo e bateria, armado com a sua MPC, Allen fez ouvir o seu arrepiante “Cobradores de Impostos”, deu a volta ao “Primeiro Dia” de Sérgio Godinho e depois trouxe Rodrigo Amado para o palco.

este experiente e exímio saxofonista tem a invulgar capacidade de se encaixar na perfeição em qualquer contexto e o único dado estranho terá sido o óbvio desequilíbrio técnico entre si e o resto da banda, a seu favor pois claro, mas a sua tarimba nunca se traduziu em arrogância e Rodrigo complementou, como sempre, a actuação de quem o convidou, dando a “S.O.S. Mundo” alguns momentos de arrepiar.

E cada vez se torna mais nítida a força de Halloween, a sua invulgar capacidade de comunicação com quem o segue, com os palcos mais expostos a revelarem-se afinal de contas habitat seguro para quem passou boa parte da sua carreira nas sombras. O que impressiona é a margem de progressão de que Allen ainda poderá usufruir. Venha o futuro que aqui ninguém parece querer arredar pé.

 


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Preparados para abalar todas as árvores, instalações e, muito provavelmente, o chão, os Throes + The Shine entraram com aquela força inabalável que é o rockuduro, uma invenção dos diabos que é, tal como Scúru Fitchádu ou DJ Marfox, uma coisa “nossa”. Portugal e África de mãos dadas para a criação de sons únicos e carregados de potência rítmica.

Se a festa em Oeiras é com a família, palavras de Slow J, a banda, que lançou o primeiro álbum em 2012, decidiu mostrar os argumentos que os tornam uma das células musicais portuguesas com maior número de concertos pela Europa fora. O final atribulado e repentino não tirou brilho à actuação, que, mais uma vez, comprovou a frescura sonora que teima em prolongar-se no tempo.

 


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E talvez o mais alto dos momentos da jornada inaugural do Iminente tenha sido protagonizado por Mike El Nite. Em absoluto topo de forma, com uma noção apurada da teatralidade que estas coisas devem envolver, com a imagem afinada e uma atenção aos adereços que revela imaginação – o palco de acrílico da responsabilidade de Pedro Gramaxo iluminado revelou-se perfeito para o contexto de uma Pista quase às escuras e cheia como um ovo -, o Justiceiro foi secundado na perfeição pelo seu DJ e produtor Dwarf e encinou uma verdadeira parada de aliados que garantiram a vitória no campeonato do dia.

Nerve, L-Ali e ProfJam brilharam por direito próprio, cada um deles um monstro de segurança a cuspir, e deixaram Mike brilhar ainda mais naquele breu que no entanto pulsou de tanta e tão intensa energia. Todos brilhámos no escuro: sobre beats pouco ortodoxos, feitos de graves mais fundos que as grutas mais fundas e de tarolas mais cortantes que as lâminas mais afiadas, Mike dispôs rimas com a precisão de um cirurgião, acompanhado por uma primeira linha de fãs (e provavelmente por uma segunda, terceira ou quarta que a ausência de luz não deixava perceber) que sabem de cor cada rimas, cada curva das palavras, funcionando como um autêntico amplificador daqueles temas que já todos conhecemos. E no final, um portentoso “Mambo Nº1” com estes “Zona T finest” a darem o litro em “dois mil e iminente”. Mataram.

 


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Um dos concertos mais esperados da noite estava prestes a acontecer, mas antes ainda tivemos a oportunidade de ouvir Capitão Fausto no palco e Yen Sung na pista. A DJ levou a festa hip hop na mala e nomes como Drake, Erykah Badu, Anderson .Paak ou Solange foram escolhas acertadíssimas, dizemos nós, para abrir o apetite para um grupo chamado Orelha Negra

E era dia de natural celebração para Sam The Kid, João Gomes, Francisco Rebelo, DJ Cruzfader e Fred Ferreira, o quinteto que acabara de lançar o terceiro álbum. Numa das maiores enchentes do festival, a receita foi a mesma de sempre: técnica, inovação e groove, muito groove.

Para aqueles que poderiam estar à espera de uma apresentação do disco faixa-a-faixa, tal não aconteceu. No entanto, o que é que isso importa quando temos a oportunidade de ouvi-los a puxar lustro a faixas como “Otis” (Kanye West & Jay-Z) ou “Hotline Bling” (Drake)?

Com a capa do novo disco projectada no fundo do palco, os Orelha atiraram-se a músicas novas como “A Sombra” ou “Parte de Mim”, experiências de laboratório que pedem licença a estruturas pop tradicionais para serem hits sem voz ou, como disse João Gomes em entrevista com o ReB, “com várias vozes”.

Sem falarem com o público durante toda a actuação, o agradecimento é a interacção necessária para uma banda que criou o seu próprio espaço e o alargou para açambarcar todo o território nacional. Não temos dúvidas que estamos perante um conjunto de senhores que irão ser recordados pela obra fascinante que nos têm vindo a oferecer. A nós, resta-nos ouvi-los. Pelo menos até deixarem de ser o que são e transformarem-se noutra coisa qualquer.

A saída para o merecido descanso fez-se ao som de DJ Marfox e DJ Nervoso, dupla que incendiou a pista e colocou os resistentes do primeiro dia a gastar os últimos cartuchos. Hoje, respira-se, mais uma vez, a pluralidade no hip hop português. Ready?

 


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