pub

Publicado a: 22/03/2016

Fat Cap: “Lançar por uma editora estrangeira foi importante para perceber que existe uma janela para o resto do mundo”

Publicado a: 22/03/2016

[ENTREVISTA] Gonçalo Oliveira [FOTO] Di Mo PHO

Fat Cap é, nos dias de hoje, um dos nomes incontornáveis do movimento drum & bass nacional. Começou como DJ e em 2010 começa a trabalhar nas primeiras produções. Este ano celebra a primeira década de actividade mas o bichinho da música já vem de antes disso. Numa troca de e-mails com o Rimas e Batidas conta-nos alguns pormenores da sua história e evolução enquanto músico que o fizeram chegar ao patamar onde se encontra de momento. Leva no portefólio várias distinções e edições, tanto por labels nacionais como internacionais.

Nesta entrevista ao Rimas e Batidas, vamos conhecer um pouco do percurso de Marcelo – nome de nascimento do DJ/produtor – que celebra já dez anos de carreira.


Há dez anos iniciaste uma aventura pelo drum & bass onde adoptaste o nome de Fat Cap. Mas não foi esse o teu primeiro contacto com a música. Quais são as tuas origens?

Exacto. Desde muito novo que tenho um gosto especial pela música. Por volta dos 12 anos comecei a tocar guitarra e aos 13 comprei a minha primeira bateria, que era o instrumento que eu realmente sempre quis tocar. Aos 14 já tinha as minhas primeiras bandas de garagem e pude experimentar de tudo um pouco. Uma dessas bandas manteve-se e ainda existe nos dias de hoje, que são os Sotie Flow. Foi nesta banda que evoluí bastante como músico e onde aprendi algumas das bases musicais que tenho hoje, uma vez que o estilo desta é variado, passando por momentos, por exemplo, rock, jazz, reggae, etc… Tudo isto já era um alicerce musical para o que viria a seguir.

No meio dessas experiências enquanto músico de banda, o que te despertou para começares a trabalhar num formato a solo e num género tão diferente como o drum & bass?

O drum & bass, embora um estilo de música electrónico,  vai buscar muitas características acústicas e rítmicas da bateria e é um ritmo acelerado, algo que criou algum impacto da primeira vez que ouvi. Os baixos, ou basslines, das músicas, também são super destacados e envolventes, algo que num PA de uma discoteca não te deixa indiferente. Ora, estes são os dois instrumentos que mais gosto de tocar: bateria e baixo. Talvez tenha sido aí que houve um trigger e me tenha identificado bastante com este estilo musical. Até meados de 2004 nunca tinha sentido um envolvimento tão agradável e excitante na música electrónica.

Depois de ficar a conhecer melhor o estilo, passado um ou dois anos, experimentei misturar dois discos vinil na casa de um amigo e apaixonei-me completamente pela sensação de misturar. Passado pouco tempo estava a gravar os meus primeiros sets em casa, a partilhar com amigos e os primeiros convites para tocar foram aparecendo.

Houve algum(s) artista(s) que te tenha influenciado mais directamente?

Sim, houve muitos que me influenciaram nos primeiros anos no seio do drum & bass. Alguns DJs que se tornaram amigos foram as minhas maiores influências e ensinaram-me a comportar-me como um DJ de drum & bass. Muitos DJs nacionais que já não estão no panorama foram muito importantes para eu ficar a conhecer de onde veio este movimento e muito mais. O Andy C também já era o “rei” e foi uma grande influência, é claro. Gostava muito do Temper D porque foi dos primeiros a levar a cena da mistura técnica a outro nível, ao misturar com quatro pratos. Era um dos DJs que se destacava muito por isso e também me influenciou bastante na parte técnica. O Nuno Forte foi e continua a ser um mestre nestas andanças, e foi uma das maiores influências a partir do momento que comecei a ouvir drum & bass por volta de 2004.



E no panorama actual, tens algum produtor/DJ que acompanhes com mais atenção?

Devo admitir que já fui muito mais de “escavar” pela Internet à procura de coisas novas, mas hoje em dia tenho fases que gosto de investigar e seguir alguém e outras afasto-me um pouco da pesquisa. A nível de DJing adoro as qualidades que o Uzi ou That German Guy têm e adoro vê-los ao vivo. De igual modo, adoro ver o Blast pois é um dos melhores que há em Portugal e não só. A nível de produção tento acompanhar ao máximo o que se faz por cá. Tento estar a par de novidades e sigo praticamente todos os produtores, como, por exemplo, o Riot, Bass Brothers, HumaNature, DJ Oder, entre outros produtores nacionais…

Apesar de Fat Cap ter surgido em 2006, apenas começaste a partilhar as tuas produções em 2012. Fez tudo parte de um processo?

Sim, fez parte de um processo de aprendizagem e experiência, que foi grande, diga-se de passagem. Até meados de 2010 era unicamente DJ, e toda a actividade como Fat Cap só se baseava nisso mesmo. Já tinha experimentado várias vezes produzir até esta altura, mas não duma forma tão séria como iria ser a partir daqui. Durante estes dois anos estive basicamente a produzir, aprender e evoluir até que chegou uma altura em que me senti confortável com os resultados que estava a ter. Em 2012 comecei a publicar os meus primeiros temas na net e foi o ano em que me afirmei como produtor. O feedback e apoio que tive ajudaram também a perceber que estava a fazer as coisas bem, o que me fez andar para a frente ainda mais convicto de que a produção era aquilo que queria fazer.

O que desempenhavas no movimento do d’n’b até essa altura?

Nesta altura tinha um desempenho semelhante ao que tenho agora a nível de DJ e o que me diferencia é o facto de produzir nos dias de hoje, o que me traz outras coisas. Na cena do drum & bass nacional toda a gente se conhece, e sempre toquei de norte a sul como ainda faço hoje em dia.



Ganhaste, inclusive, um prémio atribuído pela Cows on Patrol logo após um ano de vida em 2007. Foi um prémio importante para ti?

Sim, foi um prémio importante no sentido em que me inspirou e deu muita motivação para continuar a minha actividade. E, de uma forma geral, todos os prémios são bons e importantes a nível pessoal. Tendo sido a Cows On Patrol a promover os “Awards”, e sendo ela na altura o principal foco online de notícias de todos os acontecimentos do drum & bass nacional e não só, naquela altura teve um significado especial.

E mal começaste a lançar os teus temas, mais duas distinções surgiram pela mesma publicação. Um em 2012 e outro no ano seguinte. Sentiste logo o peso que as tuas produções tiveram para a cena nacional do drum & bass?

Sim, de facto isso fez-me sentir o peso do resultado do meu trabalho, porque foram os visitantes do site da Cows On Patrol que nomearam e elegeram os melhores de algumas categorias. Ou seja, foi principalmente o público que me deu este destaque e isso foi resultante do trabalho e empenho em estúdio. Fui nomeado para a categoria de Melhor Produtor Nacional e Melhor Tema Nacional de Drum & Bass em 2012, e em 2013 fui eleito Segundo Melhor Produtor Nacional  e Quarto Melhor DJ Nacional de Drum & Bass.

Como achas que está essa mesma cena nacional de momento? O que mudou desde há dez anos para cá?

As coisas foram evoluindo nestes dez anos. Houve melhores fases e piores fases. Em algumas cidades o movimento nasceu e ficou para sempre, noutras parece que é um pouco por modas, saturam um pouco o movimento e vai-se abaixo durante algum tempo. Todas as cidades passam por fases diferentes no que se diz respeito ao drum & bass. Por exemplo, em Viana do Castelo, há oito anos, havia casas com 500 ou 600 pessoas. Hoje em dia tens umas 200. No Porto tinhas umas 1500 regularmente, agora tens umas 500 ou 1000 de vez em quando. São fases, mas isso sempre aconteceu no d’n’b e a música nunca deixou de existir como alguns achavam que ia acontecer. Antes havia menos DJs e havia festas maiores e com mais qualidade. Hoje em dia temos muitos DJs novos que facilmente são postos a tocar. Com essa facilidade que há em ser DJ nos dias de hoje é normal que algumas festas percam alguma qualidade com tantos DJs novos. É natural que DJs mais experientes façam um trabalho melhor, com sets mais abrangentes dentro do d’n’b. Como o DJ Marky diz, é um pouco cansativo e triste veres todos os dias flyers com um nome que conheces e dez que não conheces. A principal cena que se perdeu nos últimos anos é o facto de já serem poucos os DJs que sabem iniciar uma noite, abrir uma casa ou abrir para um DJ cabeça de cartaz. É uma enorme vírgula no senso comum dos DJs.

Em 2014 estreaste-te pela primeira vez numa editora, a italiana BNC Express. Foi importante para ti dar esse salto?

Lançar por uma editora estrangeira foi super importante para perceber que existe de facto uma janela para o resto do mundo, e essa janela tende a aumentar. Para além da motivação comecei a sentir que “a coisa” era a sério.



A seguir seguem-se lançamentos pela Overcooked Records, Flex Records e, mais recentemente, o EP de remisturas para o Rimas e Batidas. Sentes que o teu som alcançou mais gente em Portugal ou o teu sucesso passou mais pela quantidade de ouvintes no estrangeiro?

Embora o meu EP Bateria e Baixo, lançado pelo Rimas e Batidas, tenha sido criado mais para o público português, uma vez que todas as músicas originais são de artistas portugueses, se for a comparar, a release na Flex Records passou muito mais lá por fora do que cá dentro, e o que passou cá dentro foi semelhante ao que se passou com o Bateria e Baixo, que mesmo assim teve um feeeback muito positivo. Há que salientar que a Flex, embora esteja numa nova fase, já tem 21 anos e já foi uma das editoras mais afirmadas no movimento e o L Double, que é o fundador da editora, é um artista muito conceituado no movimento old school.

Como foi para ti ser seleccionado para o segundo lugar num concurso dirigido pelo DJ Fresh?

Na altura foi mais uma conquista de grande valor. Fomos cerca de 700 participantes, onde havia grandes produtores a competir. Não estava muito convicto de que poderia ganhar qualquer prémio, foi por diversão e para fazer algo que gostasse. A minha maior surpresa foi arrancar logo em primeiro lugar na fase de votação do público. Depois passou pelos ouvidos do Fresh e ele escolheu o meu tema. Uma vez mais deu-me muita motivação e força para acreditar no meu trabalho.

No teu último EP de originais – Final Hour – nota-se uma procura por um tipo de batida mais clássica dentro do género do d’n’b. Ainda assim, os restantes instrumentos têm uma conotação mais futurista e neuro. Como descreves o teu tipo de som actual?

Como produtor de drum & bass tenho dois estados principais: liquid e neuro. Gosto muito de explorar estas duas vertentes embora já tenha experimentado produzir praticamente todas as variantes do d’n’b. Sinto-me muito bem a fazer liquid e dá para transferir outro tipo de emoções, contudo, conto editar mais músicas viradas para o neurofunk e os próximos planos vão de encontro a isso.

Estás a trabalhar em algum projecto novo de momento? Quando podemos contar com novas edições tuas?

Muito em breve, talvez já em Abri. Vou lançar um tema pela editora portuguesa Counterpoint Recordings e de momento estou a preparar um novo EP mais virado para o neurofunk, provavelmente a ser editado pela Flex.



Falaste-me de um momento que viveste o ano passado onde ouviste Goldie ao vivo numa praia fluvial em pleno Verão no Electric Loop. Para quem não está dentro do género provavelmente não imaginaria esse tipo de cenário. Imagino que como esse momento terás tido vários outros ao longo da tua vida. Há mais algum que queiras destacar?

Bem, por ainda ser recente trago muito boas recordações desse festival, que, para quem foi, tenho a certeza que foi histórico. Depois há muitos momentos de muitas festas em muitos locais diferentes, quer seja pelo espírito da festa, quer seja pelo sistema de som, quer seja pelo espaço em si.

Que mensagem tens para passar aos teus ouvintes e ao público do drum & bass no geral?

Basicamente o que já sabem… Aos DJs e promotores digo para educarem bem os ravers e continuarem com força e determinação a trabalhar por este movimento. Aos ravers digo para continuarem a aparecer nas festas e a divertirem-se ao mesmo tempo que apoiam os artistas nacionais, algo que é muito importante. Espero que venham novos produtores a caminho para levarmos cada vez mais o nosso nome lá para fora. Basicamente é isso. Espero estar presente para ver o desenrolar do movimento nos próximos dez anos e continuar a desenvolver a minha carreira dentro desta sonoridade, explorando também os caminhos da bass music.

pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos