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Texto: ReB Team
Fotografia: Justin Abernethy
Publicado a: 05/06/2025

9 faixas de luta, superação e busca de luz.

Faixa-a-faixa: Melodias e Choros de Vanyfox explicado pelo próprio

Texto: ReB Team
Fotografia: Justin Abernethy
Publicado a: 05/06/2025

Três anos após Banzelo e dois anos depois de Sonho Azul, Vanyfox completa uma trilogia de EPs com Melodias e Choros. Composto por nove faixas que incluem colaborações com Ana Moura, Lou Phelps, Boddhi Satva e Martha Da’Ro este é um disco sobretudo construído na estrada, em viagens, de hotel em hotel, de festival em festival. 

“Passei por uma fase muito má e tive de ultrapassar isso para tentar dar o meu melhor na música. O Melodias e Choros acaba por ser eu a expressar-me musicalmente sobre isso”, explica Vanyfox ao Rimas e Batidas sobre o novo trabalho editado pela Moonshine. “Fala também sobre o meu crescimento mental e espiritual, de me aceitar e de encontrar as pessoas que tinham a mesma energia que eu.”

O produtor de origens angolanas e radicado em França fala num disco “mais calmo” e “melancólico”, mesmo que não seja “soft”, que representa uma superação pessoal e a própria música enquanto acto terapêutico. “Por vezes pego na tristeza e faço uma coisa bonita. Durante estes dois anos em que fiz o EP, passei por uma fase em que realmente não estava bem, mas de todas as vezes que fazia música, havia sempre uma dinâmica em que encontrava alguma luz. O nome também é isso: são os meus choros, os meus desabafos, por isso é que também usei a minha voz e trouxe as dos meus convidados.”

Para assinalar o lançamento, descreveu cada uma das nove faixas ao Rimas e Batidas. Metam o cinto de segurança, porque vamos embarcar numa viagem pelas Melodias e Choros de Vanyfox, mais um projecto sólido de um dos produtores mais relevantes do momento associados à batida de Lisboa.



[“Choro Melódico”]

Esta foi uma luta. Não tinha gostado da forma como a tinha criado da primeira vez, então meti de parte, tinha que a esquecer um bocado. E, por acaso, numa das viagens que fiz, decidi voltar a pegar neste projecto. Estava em Montreal, necessitava de melodias e estava a querer estudar como é que eu construo a minha música. Às vezes posso não ter inspiração e faço esse processo. Então voltei a pegar neste projecto e senti-me inspirado. É uma das vezes em que uso a minha voz na música, com auto-tune, porque também me inspiro no trap e no hip hop é algo que influencia muito a melodia da minha música. E esta música, mesmo sem muitos elementos, transmitia muita energia e os elementos podem representar tantas fases da vida. E eu escondo muito isso. Às vezes as pessoas podem perguntar-me se está tudo bem e eu vou sempre dizer que sim, então é nas melodias que me encontro a mim mesmo. De tantas versões que já tinha criado de mim próprio, já estava cansado, não posso criar mais nenhuma. A pessoa cresce, já estou com 25 anos, porque é que vou estar a criar mais uma personalidade? Só para ser aceite nalgum círculo? O “Choro Melódico” é a iniciativa de eu ser eu mesmo. Então é a que representa mais este projecto, é a cabeça e o tronco, é o sangue do projecto.



[“Novo +244” feat. Martha Da’Ro]

+244 é o indicativo de Angola. Eu tenho origens angolanas e isso tem que estar sempre na minha música. A Martha Da’Ro também é angolana e vive em Bruxelas. Ela faz música totalmente diferente de mim ou de outra pessoa da cultura angolana, e tem sido uma artista muito conhecida na cena underground. Fazia todo o sentido ela participar porque a minha música sempre necessitou de uma voz que representasse este mood. E fico feliz de ela ter aceite, porque foi a melhor coisa que aconteceu, estou muito contente com o resultado. É a nova bandeira do projecto. Também tem uma base de funk, mas a sonoridade tem de ser vista como um todo, como as coisas estão no seu conjunto. E ela trouxe a sua energia, um flow mais kudurista, e fez todo o sentido porque eu gosto sempre de colocar a melodia além e trazer elementos agressivos… Pode ser um kick com muito ritmo ou a voz dela mais agressiva, a rappar por cima, só para ter algo diferenciado. Eu estava numa ponta, encontrei a Martha na outra e criámos ali uma estrada de sucesso.



[“Run It Back”]

Esta tem mais a energia de eu mesmo, como sou misterioso. Posso ser muito gentil e as pessoas pensam que eu sou só assim, que não tenho nada de mal. E a “Run It Back” veio daquele sample, como eu às vezes sou quando estou num mundo silencioso, uma escuridão. Crio muitas melodias, com muita força, muitos drums e percussão. Foi feita à última da hora, numa das viagens do ano passado. Eu estava num festival e houve um som tão forte que me impressionou e inspirou. Quando fui para casa fui fazer este som. Peguei na tal energia que tinha e criei a base do “Run It Back”.



[“Assim Querem Quê”]

Esta também foi feita na estrada, nesta maratona, e é mais uma pergunta. Não a vejo de uma forma afirmativa. O que é que as pessoas querem, afinal? O que é que eu também posso querer? Se de tanto fazer algo, às vezes posso não sentir-me confortável com o que faço, então o que é que eu quero realmente? E durante a estrada eu tinha de me perguntar isso todos os dias. Às vezes fica confuso entender o que eu quero realmente, então é uma reflexão, uma pergunta sem resposta. E sempre tive a mania de fazer essas perguntas quando era miúdo. Vocês não estão satisfeitos? Ou eu é que não estou satisfeito? Se calhar até estou, mas será que quero mais? Fiquei contente com aquilo que fiz. Mandei esta faixa a várias pessoas para ver como é que a percebiam, se podia ser agressiva ou ter uma melodia que não tinha nada a ver. Bom, nem tudo a gente pode mudar. Temos de aceitar a criação, todas elas têm a sua forma, a sua personalidade. É como fazer um desenho, e para ser perfeito, tem sempre um detalhe que está fora. A “Assim Querem Quê” representa isso, é um desenho da minha vida onde tento saber o que é que eu quero, se quero mais ou se quero menos. Mas acho que quero mais.



[“Lento” feat. Ana Moura]

Por mais que eu seja um artista electrónico e da batida, oiço muitas coisas e a Ana Moura sempre foi a filha de Portugal, não é só do fado. E sempre fez sentido nos meus ouvidos porque é um choro — o fado é um choro. Não de pedir ajuda, mas de expressar a alma. E as harmonias que a Ana Moura tem são realmente incríveis. Ao fazer o remix da “Mázia”, percebi que a voz dela encaixa muito na minha música por também ser melancólica. Há muito choro na minha música. Então, no ano passado entrámos em estúdio para entendermos a música de cada um. Queria saber como é a criação da Ana Moura, o que ela sente quando canta. Sentámo-nos, ouvimos faixas, ouvimos referências, até que ela me mostrou uma e eu disse: “Olha, eu tenho qualquer coisa assim”. Mostrei-lhe a “Lento” e ela teve uma ideia, começou a fazer umas melodias à minha frente. E eu: “Uau, óptimo”. O “Lento” é como os filmes da Disney, seja o espelho mágico ou o génio dos desejos, reflecte muito isso. E ouvir os versos da Ana Moura, identifico-me com algumas partes tendo em conta aquilo que eu também passei. Foi um fruto muito bom, muito maduro. Também vou amadurecendo com as pessoas com quem trabalho e a Ana Moura foi uma dessas pessoas que me deixou mais maduro. E é isso que eu tento fazer com este projecto, deixar a minha música mais madura. Aquela fase de ser young and wild já passou. A pessoa segue em frente. Talvez esse modo fique só para as discotecas e para os festivais onde toco, mas na vida real já sou uma pessoa muito mais madura e é isso que quero continuar a ter na minha música.



[“Mr. Lonely”]

Esta foi criada já faz uns anos. Acho que em 2022, se não me engano. Foi um ano muito difícil para mim, porque foi quando perdi o meu amigo, que também me fez criar o Sonho Azul. O “Mr. Lonely” foi mesmo aquele mood de eu achar que era o único sozinho no mundo. Posso estar acompanhado, mas sinto-me sempre sozinho. Então, o “Mr. Lonely” é: se tu estás sozinho e eu estou sozinho, podemos estar sozinhos juntos, vamos ser sozinhos juntos. Assim ninguém é sozinho. Já não estou nessa fase, agora sei que estou acompanhado e tenho que confiar mais, porque sempre tive problemas de confiança. Sempre reparei muito nas coisas, se não é por palavras é por energias ou pelo comportamento do corpo. E esta é melancólica, também meti uma voz para ser a companhia do beat. A voz é um instrumento e sempre soube disso, só que tinha receio do que demonstrava às pessoas. Mas o que é que eu tenho a provar? Tenho de experimentar, se não não sei o resultado, e comecei a usar mais a minha voz ultimamente, tenho-me sentido mais confortável, também com o auto-tune. Se eu tirar as melodias todas, este beat é tão básico que não tem cor. O que meteu cor foi a voz, a melodia disto, aquele acompanhamento. É como dois bonecos dos filmes que se tocam, um que passa a luz ou a bateria ao outro. Para dar bateria a outra pessoa, tenho de partilhar a minha. E é isso que estou a fazer com a minha música. Quis partilhar que tu não estás sozinho também. Todos nós estamos sozinhos neste mundo, so let’s be lonely together.



[“Libra Gang” feat. Boddhi Satva]

O Boddhi Satva sempre foi uma grande referência minha, também por culpa do meu irmão. Ele na altura ia para o Docks, para as discotecas de Lisboa, ouvir afrohouse na altura era o Mastiksoul e essa geração mais antiga. E depois chegava a casa e mostrava-me músicas. O Boddhi Satva foi uma das pessoas que me chamaram muito a atenção. E a forma de ele fazer música é a forma que eu hoje uso, de uma maneira diferente, para fazer a minha música. Agradeço-lhe sempre por isso. E o Boddhi Satva tinha que fazer parte deste projecto porque ele fez parte da minha infância e continua a fazer da minha jornada. Faz parte da minha vida, é como um irmão mais velho. E das conversas que temos acabámos por fazer a “Libra Gang”, porque nós nascemos no mesmo dia, no mesmo mês, só que em anos diferentes. E é muito engraçado porque nunca imaginei, é uma cena mesmo gang, que reforça os libras. Não sou muito de acreditar nos signos, na astrologia, prefiro sentir a energia de cada pessoa, mas eu e o Boddhi somos parecidos, tanto musicalmente como enquanto pessoas. Gostamos das mesmas coisas, ficamos no nosso mundo, somos muito focados. E esta música representa toda a gente que é “Libra Gang”. O Boddhi convidou-me para a casa dele, falámos da vida e de música, eu expliquei-lhe como é que entrei no afro e deu aquela adrenalina de fazermos música. Comecei a falar do meu projecto e ele disse-me que achava que tinha qualquer coisa para mim. Mostrou-me uma das faixas e eu só disse: “Acho que vou entrar já aqui”. Ele mandou-me e, no mesmo dia, durante a viagem, peguei no computador, fiz o beat e mandei-lhe. Ele gostou bué, eu também, e juntámos a batida com a cena dele mais ancestral da África Central.



[“Youth Kriminal”]

O Halloween sempre foi uma pessoa muito poética e no hip hop era o que eu mais escutava, por mais que fosse dark. Eu era miúdo, ouvia falar do Halloween, entrava mesmo na cena dele… “ele passou mesmo por isto?” Mas o que quis fazer com esta “Youth Kriminal” foi representar o lado dos rapazes, de nos conectarmos mais, de sermos mais próximos, por mais que estejamos sozinhos. Nós, homens, temos muitos pensamentos negativos, sofremos muito mentalmente, então a “Youth Kriminal” é juntar, é a amizade entre rapazes, aquela cena de ir beber um copo com a gang, todos juntos à noite, também aquela energia de gym, de ir treinar e libertar a raiva toda. Também fiz o som por isso, é um treino mental, espiritual ou físico. E claro que também é para as mulheres ouvirem, é para toda a gente.



[“Free Your Mind” feat. Lou Phelps]

Eu já tinha ouvido falar do Lou Phelps há alguns anos por causa do Kaytranada, que é uma referência minha. Acabei por descobrir que ele tinha um irmão que fazia rap com um grande swag, com um swing, e também é algo que gosto de meter nos meus sons. E a “Free Your Mind” é tentar libertar a mente de uma forma calma, com muito swag, é sobre crescer. E conectei-me com o Lou Phelps com isso em mente, a Moonshine também já tinha uma relação com ele há alguns anos. A “Free Your Mind” não é só os pés do projecto, é também parte do coração. É como leres um livro, que pode começar de uma forma má ou triste, mas que tem um final feliz. E representa a minha mente mais clara. Para fazer o som, tive de estudar mais ou menos o que ele gostava, ele mandou-me referências, eu fui estudando com os projectos que eu já tinha, e já tinha esta base, juntei algumas melodias por cima para ver como é que ele se sentia e ele conseguiu pôr o swag dele, o lado mais melódico. Nessa altura não estávamos juntos, foi criado meio à distância, mas quando estivemos juntos conseguimos falar sobre coisas universais, sobre o mundo, sobre livros e documentários, e foi a melhor forma de finalizar o projecto, fico muito contente.


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