A ânsia de não se poder dançar nos espaços a que associávamos a ideia de dança parece ter incutido nos artistas portugueses a vontade de cantar e escrever sobre essa necessidade quase fisiológica dos nossos corpos se encontrarem no meio de outros: só em 2021, Ivandro colocou a questão em “Moça” e Diogo Piçarra endereçou o pedido em “Vem Dançar Comigo“; esta sexta-feira, dia 1 de Outubro, em estreia no Rimas e Batidas, Silly sussurra-nos o mesmo anseio em “Vida a Mil”, canção com videoclipe realizado por Miguel C. Tavares e Luís Moreira (que assumem também a edição e direcção fotógrafica, respectivamente) e direcção artística de Rita Matos.
Com créditos de produção divididos pelos autores de Reservado e Da Linha, este é o primeiro avanço de Viver Sensivelmente, o EP que inaugura a discografia de Maria Bentes. “A ideia nasceu quando o EU.CLIDES me enviou um instrumental. Escrevi os versos numa viagem de autocarro entre Serpa e Lisboa, com as planícies meio-secas a disparar o gatilho para começar a escrever e a pintar um quadro. Essa natureza-morta que visualizamos na letra é uma metáfora para muito daquilo que sinto quando penso em mim e nas memórias que tenho. Acabei por pegar naquilo que vi na terra e traduzir o sentimento de ser de todo o lado e de lado nenhum”, explicou em comunicado.
Previsto para sair ainda este mês através da editora e agência portuense XXIII,, o curta-duração contará com os preciosos contributos de EU.CLIDES, Pedro da Linha e Deekapz (anteriormente conhecidos como DKVPZ), tudo nomes que têm a sensibilidade pop para criar canções dançáveis com uma luz muito própria que não ofusca mas ilumina.
Para além de “além” e “intencionalmente”, ambos lançados em 2020, Silly participou este ano em faixas dos Soul Providers (“S de 9“) e de RakimBadu (“Turvo“), apresentando-se também no The Hood Box — e, mesmo numa altura complexa para actuações ao vivo, registou passagens pela Galeria Zé dos Bois, Musicbox e Casa do Capitão no último ano.
Ao r&b, ao rap e ao jazz junta-lhe agora uma toada mais electrónica que só lhe alarga o conjunto de possibilidades. Posto isto, a “artista maldita” acedeu ainda a responder a três perguntas do Rimas e Batidas. Confiram as respostas em baixo.
Penso que se pode afirmar que, neste primeiro single do teu EP de estreia, tu foges um bocado daquilo que mostraste anteriormente e aproximas-te do planeta Enchufada (e arredores). Como é que se dá essa aproximação e quais foram as principais lições que retiraste desta investida mais dançável, digamos assim?
Para ser verdadeiramente honesta, essa foi uma fuga muito inconsciente, mais do que fugir acho que foi um abrir do espectro daquilo com que me tinha apresentado, como assumir um refrão mais cantado, por exemplo. Essa aproximação provavelmente sou eu ainda que ao andar em órbita à procura do planeta Silly me cruzei com o EU.CLIDES, que me enviou a primeira ideia instrumental no início de Março deste ano, altura em que escrevi e me lancei num refrão improvisado e o Pedro da Linha que chegou no fim e aprimorou o tema. Por isso, nesta canção, haverá sempre pó dessas estrelas também.
Como ainda é tudo muito novo e fascinante, não há grandes lições que possa partilhar, para já o que senti com este tema foi a liberdade para partir para onde quisesse e ampliar o meu tímido universo.
Também é o teu primeiro videoclipe. Sentiste-te à vontade no processo de gravação? Qual é a tua visão do resultado final?
Seria estranho se me sentisse à vontade, foi mais tenso no início, mas, como em tudo, acabas por te envolver no processo e a meio do dia comecei a sentir-me mais relaxada ou, pelo menos, mais confortável. Essa é também a cena fixe de trabalhares com uma equipa que te permite essa libertação. Do que conhecia do trabalho do Miguel C. Tavares e do Luís Moreira as expectativas já eram altas, mas digam-me vocês se foram superadas. As minhas foram, sinto que a música ganha muito com a vida em imagens que eles lhe deram, sem dúvida. O videoclipe descreve bem essa sensibilidade que tenho ao que me rodeia e a essa linha ténue que existe entre o “dentro lá fora” e o “fora cá dentro”.
Imagino que não haja qualquer ligação, mas tu és a terceira pessoa, que eu tenha reparado, a usar as palavras “Dançar” e “comigo” seguidas numa letra este ano – as outras duas são o Ivandro em “Moça” e o Diogo Piçarra em “Vem Dançar Comigo”. Que vontade é esta de se dançar? Tu relacionas com a questão pandémica ou está relacionado com um sentimento bem mais profundo e antigo do que isso?
Ótima observação, confesso que com o Ivandro ainda não tinha feito essa ponte, mas há uns dias quando vi uma promoção do single do Diogo Piçarra comecei-me a rir e fiquei “uau, que timing”, foi engraçado, mas não passa de coincidência. A “dança” que eu canto no refrão do “Vida a Mil” é no sentido figurado, a ideia era traduzir uma certa leveza, a agitação deste balanço de sempre que nos embala, mas que também nos liberta.