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Fotografia: Rui Caires
Publicado a: 02/05/2022

Presença tímida, execução perfeita.

Erika de Casier no Lux Frágil: reminiscências garage num r&b sofisticado e ultra-delicado

Fotografia: Rui Caires
Publicado a: 02/05/2022

O ano podia muito bem ser 2002 e o evento podia ter a chancela da Rinse FM e estar escalado para um clube refundido em Londres. O espírito que se sentiu na cave do Lux Frágil, na passada sexta-feira, dia 28 de Abril, era o mesmo: umas poucas centenas de pessoas reuniram-se no rectangular piso de madeira, que dita o centro da pista, simplesmente porque acreditam na manobra sónica que está a ser levada a cabo por Erika de Casier, artista dinamarquesa cuja reputação está em constante subida mas que, ainda assim, continua a ser uma espécie de segredo semi-guardado dentro do panorama da música global.

Esse sentimento de exclusividade — que surge quando parecemos ser poucos a celebrar algo que tem um potencial tão grande para vir a ser histórico — não é a única coisa que liga de Casier à cena urbana que surgiu da capital britânica, de mãos dadas com as rádios piratas. Apesar da sua vida ter começado em Portugal e se centrar, desde muito cedo, na Dinamarca, há uma forte componente do seu trabalho que recorre ao breakbeat, da mesma forma que este era abordado durante o efémero fenómeno do UK garage. Aos 20 anos que a separam desse momento somam-se influências do cancioneiro de Cabo-Verde (herdadas do lado do pai) e da incontornável cultura pop, em infusão r&b, injectada pela MTV. Se quisermos arranjar uma equação reduzida para a fórmula que vai dar ao que Erika está a fazer no presente, é imaginar o que seria uma formação alternativa das Mis-Teeq, com Sade, Aaliyah e Janet Jackson, a surgir por entre as malhas da hyperpop.

A expectativa, entende-se, era alta. Ainda para mais quando, através da entrevista que concedeu dias antes ao ReB, ficámos a saber que a cantora e produtora vinha a Lisboa para se apresentar no formato de banda. Ao seu lado direito, em maior destaque, estava um baterista de pulso jazzístico, Jonathan J. Ludvigsen (membro dos Athletic Progression), com uma genica imensa para alguém que esteve o concerto todo privado de qualquer tipo de peles — bastaram-lhe um prato, um pedal de bombo digital, um conjunto de seis pads e uns poucos elementos de percussão; mais resguardados, estavam ainda um teclista ao leme de um Prophet e uma multi-instrumentista que, consoante o que o tema pedia, alternava entre guitarra clássica e baixo eléctrico.



A entrada em palco foi das mais tímidas que temos memória. A enorme ovação de que foi alvo apanhou Erika desprevenida, que entrava em cena com um sorriso nervoso estampado no rosto, apenas capaz de soltar um “oi” antes de arrancar imediatamente com o espectáculo, exactamente da mesma forma como começa Sensational, o seu último álbum. Virada a página de “Drama”, chegamos a “Friendly”; seguiram-se “Someone to Chill With” e “Busy”, já com o Lux a vibrar como se um fim de actuação se tratasse. Diferentes na sua estética, em comum tiveram, estas primeiras faixas, uma ou outra palavra que ficaram guardadas dentro do peito da artista, que estava ainda a processar o entusiasmo da pequena legião de fãs que tem no nosso país. E se alguém alguma vez pensou que esse nervosinho extra pudesse atrapalhar na afinação enganou-se — tudo o que lhe saía das cordas era como que uma fina tapeçaria vocal, sem fios soltos e cheia de detalhe.

Já como peixe dentro de água na forma de lidar com toda aquela emoção — ainda para mais quando, no meio da multidão, reconheceu o rosto da irmã e, mesmo à sua frente, havia um grupo de pessoas que entoava todas as letras de cor e lhe “enviava” mensagens através de frases escritas em ecrãs de smartphones — o ambiente tornava-se mais íntimo para a redenção que é “Insult Me”. O clima estendeu-se até ao momento seguinte, pontuado por um falso arranque. Sentada num banco, Erika ficou a assistir Jonathan a dar uma nova roupagem à introdução da canção que se seguia, meio que a fazer lembrar algo que pudesse estar a sair da bateria digital de Phil Collins. Só que este não era um one-man show e, apesar da naturalidade com que o músico estava a lidar com o que estava a acontecer, foi necessária uma interrupção — “Desculpem, mas nós vamos ter de fazer isto de novo”. Do público, só se ouviam sons de apreço, até porque ninguém diria que algo estava a correr menos bem. “Vocês são muito queridos”, dizia de Casier entre sorrisos. E à segunda tentativa, os outros dois instrumentos já acompanharam a bateria, num jogo de sedução electrónico que viria a culminar em “Polite”, uma das principais cartadas que eram aguardadas para aquela noite.

É, talvez, em “Good Time” que mais lhe identificamos a faceta de uma nova Sade, renascida já depois do consumo excessivo de cultura hip hop. Sem sair da rota do seu Essentials, escutámos de seguida “What U Wanna Do?” e “Little Bit”, este último o seu maior êxito de todos e a merecer um óbvio carinho especial por parte da plateia. Depois da emoção assentar, um “foi muito especial poder voltar a tocar para vocês” dava o sinal de alerta de que estávamos a chegar ao final do alinhamento. Mas nada que nos impedisse de sentir ao vivo como funcionam “No Butterflies, No Nothing”, “Secretly” (o Prophet deu outro brilho ao outro), “Do My Thing” (com direito a breaks de bateria em catadupa na parte final) ou “Make My Day”. Algo nos diz que esta última era aquela que estava planeada para finalizar o set, mas o barulho intenso que se fazia ouvir do público conduziu Erika até Jonathan para uma breve discussão sobre o que viria a seguir: o “não-encore” foi mesmo uma peça inédita (ou muito nos enganamos…).


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